sexta-feira, 17 de agosto de 2007

DIREITOPENAL COMENTADO PARTE GERAL E ESPECIAL

Apostila de Direito Penal



Assunto:


DIREITO PENAL COMENTADO

















DIREITO PENAL

A primeira noção que vocês precisam ter (e acho até que, em outras disciplinas, já tiveram), é que o direito trabalha com fatos. Ele tende, justamente, a regular os fatos ocorridos no seio da sociedade.

Todos aqui estudaram história e, portanto, sabem que a sociedade era totalmente desorganizada. Por muito tempo, os direitos foram exercidos por meio da força física (por isso é que eu brinco que as mulheres, em questão de direitos saíram perdendo). Vigorava, em verdade, a lei do mais forte.

Os bens, que podemos conceituar como "tudo aquilo que pode satisfazer as necessidades humanas", conforme foi crescendo o número de pessoas, foram se tornando cada vez mais escassos, e, então, o homem (entendam: ser humano) sentiu a necessidade de, ao invés de solucionar os seus conflitos por meio da força bruta, ou então, através da auto-composição (onde as pessoas ajustavam suas vontades, chegando a um consenso, muitas vezes nada justos), solucioná-los através de um terceiro.

Assim, o povo, através de um acordo de vontades, abriu mão de parcela de sua liberdade, deixando nas mãos do Estado a tarefa de regulamentar as relações humanas e de solucionar seus conflitos de interesse.

Esse (o Estado), então, editou normas, regulando a vida em sociedade, que vieram, sem dúvida alguma, trazer maior segurança aos cidadãos.

E onde entra o direito penal nessa história toda?

Bem, nem sempre as normas promulgadas pelo Estado são por todos respeitadas, não é mesmo? Assim, há casos em que a conduta humana é contrária à norma jurídica posta (colocada, feita, imposta) pelo Estado. Dizemos que, nessas hipóteses, praticou-se um ato ilícito, ou seja, uma conduta contrária ao ordenamento jurídico.

A forma mais grave de violação à norma jurídica é, de fato, o ilícito penal. Afinal, ele atenta contra os bens mais importantes da vida social.

Para proteger esses bens, como, por exemplo, a vida, a liberdade, a honra, o que faz o Estado? Ele acaba estabelecendo sanções, penas, para desestimular, prevenir e reprimir a ocorrência de fatos lesivos aos bens jurídicos do cidadão.

Assim, nós podemos dizer que o Estado estabelece normas jurídicas com o fim de combater o crime. E o Direito Penal consiste, justamente, nesse conjunto de normas que visa, justamente, a combater o crime, que agride aos bens mais valiosos da sociedade.

E como o Estado combate o crime? Nós já vimos... Colocando penas para a violação dos bens da vida.

Exemplificando: Imagine que o genro querendo matar a sogra, coloque veneno na sopa da velhinha ("AH! Sogrinha... Sua sopa é tão gostosinha..."). Ela toma o seu caldinho com sofreguidão e cai morta no chão.

No nosso Código Penal (vocês verão isso mais tarde), na parte especial, há o crime denominado "homicídio", que assim dispõe: Artigo 121: Matar alguém. Pena: Reclusão, de seis a vinte anos.

Melhor observar que, na verdade, na hipótese retratada, não se trata da figura simples do "caput" (cabeça do artigo), mas sim da conduta qualificada pelo emprego de veneno, cuja pena é maior (ver artigo 121 inteiro, no Código Penal, como curiosidade).

De maneira bastante simplificada, nós podemos, então, concluir que o Direito Penal visa a proteger os bens jurídicos mais importantes, intervindo somente nas hipóteses de lesão de bens jurídicos fundamentais para a vida em sociedade, através da aplicação de sanções previamente cominadas.


DEFINIÇÃO

Em verdade, há várias definições de Direito Penal. Vocês devem escolher aquela que lhes seja mais simpática, de mais fácil compreensão (sugiro que vocês optem pela mais completa).

Dentre os autores mais citados, Von Liszt define o direito penal como "o conjunto das prescrições emanadas do Estado, que ligam ao crime, como fato, a pena como conseqüência".

Mezger o define como "el ejercicio del poder punitivo del Estado, conectando en el delito como presupuesto, la pena como consecuencia jurídica".

Vejam, na verdade, estamos diante de definições semelhantes, uma em Português e a outra em Espanhol.

No entanto, ambas as definições são bastante criticadas. Afinal, o direito penal, hoje, não se preocupa somente com a pena. Tanto que existem as medidas de segurança, sanções aplicáveis aos inimputáveis (pessoas incapazes de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento), ou semi-imputáveis, que veremos mais tarde (ler artigo 26, do Código Penal, mencionado em aula, que trata da imputabilidade).

Assim, Damásio E. de Jesus dá uma definição mais completa de Direito Penal, afirmando que ele consiste em "um conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena como conseqüência, e disciplinam também as relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade das medidas de segurança e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado".

Vejam, tal conceito trata tanto do crime e da pena, quanto da medida de segurança e das relações advindas da prática de um determinado fato tido como criminoso (direito de punir do Estado e direito à liberdade do indivíduo).



CARACTERES DO DIREITO PENAL

O Direito Penal, por regular as relações do indivíduo com a sociedade, pertence ao Direito Público.

O sujeito, quando pratica uma infração, dá ensejo (ou seja, faz nascer) a uma relação entre ele e o Estado. Surge, portanto, no instante da prática da conduta, para o Estado, o direito de punir ("jus puniendi"), que se contrapõe ao direito de liberdade do violador, que consiste, justamente, em não ser punido fora dos casos expressamente previstos em lei (em razão do princípio da legalidade, que estudaremos mais tarde).

Mas por que dizemos que o Direito Penal faz parte do Direito Público? O Direito Penal integra o Direito Público, justamente, porque, em um dos lados da relação jurídica nascida com a prática do crime, temos a figura do Estado, que exercerá o direito de punir.

Verifica-se que, mesmo nas hipóteses em que a ação se movimenta por iniciativa do particular, o direito de punir continua a pertencer ao Estado, não podendo o particular aplicar penas ou medidas de segurança, ao seu bel prazer.

O Direito Penal é ciência cultural, normativa, valorativa e finalista.

Cultural porque pertence à classe das ciências do "dever-ser" e não à do "ser". Ele diz como as coisas, em verdade, deveriam ser. No entanto, nem tudo é um mar de rosas, não é mesmo? Nem sempre o que deveria ser é.

Normativa, porque tem a finalidade de estudar a norma, ou seja, a regra de conduta.

Valorativa, porque o direito coloca uma hierarquia entre as normas, não lhes dando o mesmo valor (assim, perceba, através da análise da pena aplicada, que a vida vale mais que a honra). Note, ainda, que o direito penal se preocupa somente com a transgressão dos valores mais importantes da sociedade.

Finalista, porque tem como fim a defesa da sociedade, através da proteção de bens jurídicos fundamentais.

É, ainda, sancionador, pois, através da cominação da sanção (previsão de penas), protege outra norma jurídica de natureza extra-penal, como, por exemplo, a propriedade.

Também, podemos afirmar que o direito penal, como ciência jurídica, é dogmático. Afinal, expõe o seu direito através de normas jurídicas, exigindo o seu cumprimento sem reservas.



DIREITO PENAL OBJETIVO E DIREITO PENAL SUBJETIVO.

Como já vimos, o Estado age através da sanção. Esse é o seu instrumento para banir a criminalidade. A partir do momento em que o Estado chamou para si as funções de apaziguar a sociedade, com vistas a evitar a vingança privada, verifica-se que somente ele tem o direito de aplicar sanções.

Assim, só o Estado tem o direito de punir ("ius puniendi"), que corresponde, justamente, ao direito penal subjetivo.

Por sua vez, o direito penal objetivo é o próprio ordenamento jurídico-penal, correspondendo, portanto, à sua definição. Veja, o direito penal objetivo é, justamente, o conjunto de normas colocadas pelo Estado para regular as relações humanas.

Em verdade, o direito penal subjetivo (direito de punir do Estado) não é ilimitado. O Estado não pode punir o delinqüente como bem entender. Deve seguir as regras previamente estabelecidas para o esclarecimento da verdade. Deve obedecer aos ditames impostos pelo próprio Estado. Deve seguir o devido processo legal.

Assim, o direito de punir tem limites no próprio Direito Penal Objetivo (conjunto de normas), não havendo, portanto, um direito de punir ilimitado.

Ainda, verifica-se que a norma penal não cria somente direitos subjetivos para o Estado, mas também para o cidadão, que tem o direito subjetivo de liberdade, que consiste em não ser punido senão de acordo com as normas ditadas pelo próprio Estado.

Portanto, o Estado, como podemos perceber, deveria ser o primeiro a cumprir suas próprias regras, servindo de exemplo para toda a coletividade.



DIREITO PENAL COMUM E DIREITO PENAL ESPECIAL.

O critério para diferenciação entre direito penal comum e direito penal especial reside, justamente, no órgão encarregado de aplicar o direito objetivo, ou seja, o órgão encarregado de aplicar as normas jurídicas impostas pelo Estado.

Para bem entendermos tal questão, falemos, brevemente, das três funções típicas do Estado.

Na verdade, o poder do Estado é uno, único. No entanto, para o melhor desenvolvimento de suas atividades, o Estado achou aconselhável dividir suas funções. Efetuou, então, uma verdadeira divisão de trabalho, conhecida, hoje, como a tripartição de poderes, proposta por Aristóteles e, mais tarde, por Montesquieau (vocês estudarão isso em Teoria Geral do Estado).

Mas quais as três funções desenvolvidas, hoje, pelo Estado? A primeira delas é a função de legislar, ou seja, de criar, elaborar leis, regulamentando, regrando o comportamento humano. Ela é exercida, justamente, pelo Poder Legislativo (Congresso Nacional, Assembléias Legislativas, Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais, Vereadores etc).

A segunda função que podemos mencionar é a função de administrar o Estado, gerir seus negócios. Essa função cabe ao Poder Executivo (Presidente da República, Governadores do Estado, Prefeitos Municipais, seus Secretários, Ministros).

A terceira função é a de julgar, ou seja, a de aplicar a lei ao caso concreto, solucionando os conflitos de interesses colocados diante do Poder Judiciário (juízes, Tribunais etc.)

Interessa-nos, nesse momento, justamente, a função julgadora.

Dizemos que os Juízes possuem jurisdição. Assim, cabe a eles "dizer o direito", ou seja, aplicar a lei aos casos concretos, solucionando dos conflitos de interesse.

Em verdade, todos os juízes possuem jurisdição (o poder de dizer o direito). No entanto, não podem agir em todas as hipóteses. Afinal, isso seria loucura, além de contra-producente.

Assim, acreditou-se necessária uma divisão de trabalho, também, dentro do próprio Poder Judiciário. Desse modo, nossa lei maior (Constituição Federal de 1988) que traz as diretrizes a serem seguidas por todos os ramos do direito (Direito Civil, Comercial, Administrativo, Penal, Internacional, Processual etc.), traçou um esboço dessa repartição de tarefas.

A Constituição criou Justiças Especializadas (art.114, art.118, art.124, da CF/88) para tratar de determinados assuntos, acreditando que essa especialização viesse mesmo a trazer benefícios para toda a coletividade, por meio da agilização dos serviços prestados e do aumento da produtividade.

A Justiça, portanto, no Brasil, divide-se em Justiça Especial (Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral, Justiça Militar) e Justiça Comum (Federal e Estadual).

Sempre que a competência para a apreciação do conflito de interesses não for da Justiça Especial, será da Justiça Comum. Ainda, os casos que cabem à Justiça Comum Federal restam enumerados na própria Constituição Federal (art.109 da CF), podendo-se dizer, portanto, que chegamos à competência da Justiça Comum Estadual, por exclusão. Tudo aquilo que não tiver de ser julgado pela Justiça Especial ou pela Justiça Comum Federal, será apreciado pela Justiça Comum Estadual.

Depois dessa breve explicação, acredito que será mais fácil compreender a diferença entre Direito Penal Comum e Direito Penal Especial.

Assim, se a aplicação do direito ao caso concreto não demandar jurisdições próprias, realizando-se pela Justiça Comum (Federal ou Estadual), sua qualificação será de norma penal comum.

Se, por outro lado, a norma objetiva somente se aplicar por meio de órgãos especiais constitucionalmente previstos, a norma terá caráter especial.

Assim, se o caso for julgado pela Justiça Especial (Militar, do Trabalho e Eleitoral), estaremos diante de Direito Penal Especial. Caso contrário, estaremos tratando de Direito Penal Comum.

Só para ilustrar: no Brasil, o Direito Penal Militar somente se realiza por meio da Justiça Penal Militar. Desse modo, tratando-se de Justiça Especial (Militar), estamos diante de um exemplo de direito penal especial.



FONTES DO DIREITO PENAL.

O que significa, para nós, fonte?

Juridicamente, fonte é o lugar de onde provém a norma de direito. Assim, vamos verificar, agora, de onde provém, especificamente, o direito penal.



Fontes de produção (material) e fontes de conhecimento (formais).

Temos tanto fontes de produção de direito penal, como fontes de conhecimento. Mas como diferenciá-las?

Bem, a fonte de produção refere-se, justamente, ao órgão encarregado da elaboração da norma penal.

E quem seria esse órgão competente para a produção das leis penais? Como já mencionamos, o Estado é o órgão criador do Direito Penal. Cabe a ele editar normas penais.

No entanto, o Brasil, que é um Estado Federal (como vocês provavelmente devem ter estudado em Teoria Geral do Estado), é composto de alguns entes federativos, sejam eles, a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal (ver art.18 e seguintes da CF).

Nossa Constituição Federal traz a competência de cada um desses entes, determinando, em seu artigo 22, inciso I, que compete à União legislar sobre Direito Penal. Assim, a competência para ditar normas penais é dessa pessoa política. Só ela pode fazê-lo.

Assim, a União é o ente (pessoa política) responsável pela produção, elaboração das normas penais. Cabe a ela legislar, traçar as regras penais, a serem seguidas por todos os cidadãos.

Por seu turno, as fontes formais (ou de conhecimento) correspondem aos processos de exteriorização do Direito Penal ou de revelação de suas normas.

Tais fontes (formais, de conhecimento) respondem a seguinte indagação: "Como o direito penal se revela?"



As fontes formais subdividem-se em:

1.. fonte formal imediata (lei) e

2.. fontes formais mediatas (costumes e princípios gerais do direito).

Estudemos cada uma delas.



Fonte formal imediata: a lei ou norma penal.

Em verdade, a única fonte imediata de conhecimento é a lei. Através dela, o direito se revela imediatamente, de forma direta.

Geralmente, utilizamos o termo "norma" para designar toda categoria de princípios legais, estando ela inserida, contida, na lei penal.



TÉCNICA LEGISLATIVA DO DIREITO PENAL.

A norma penal pode ser entendida em sentido estrito ou amplo.

De forma genérica ("lato sensu"), a norma penal é tanto aquela que define um fato punível, impondo a pena, como aquela que amplia o sistema penal através de princípios gerais sobre os limites e aplicação de normas incriminadoras.

Já, em sentido estrito, a norma penal é aquela que descreve uma conduta ilícita (contrária ao direito, ao ordenamento jurídico), impondo uma sanção ao agente.

A norma penal incriminadora obedece a uma peculiar técnica legislativa.

Por exemplo, o legislador não diz expressamente que "matar é crime". Ele, simplesmente, descreve a conduta "matar alguém", estabelecendo para os casos de atentado à vida determinada sanção. Assim, o princípio imperativo que deve ser obedecido (não matar ninguém) não se contém de maneira expressa na norma penal.

Assim, somente são descritos a conduta ilícita (contrária ao ordenamento) e a sanção aplicada à espécie.

Essa forma de elaboração legislativa deriva do princípio da reserva legal ("nullum crimen, nulla poena sine lege", ou seja, "não há crime, nem pena, sem lei").

Assim, para que haja crime, é preciso uma lei anterior que o defina como tal. Somente quando uma conduta se amolda a um modelo legal de crime é que o Estado adquire o direito concreto de punir.

Assim, a regra proibitiva ("não matar") está embutida na definição do crime, podendo-se a ela chegar de forma indireta.

No entanto, ao lado das normas incriminadoras, temos outras normas que apenas determinam princípios sobre a aplicação e limitações daquelas. A técnica legislativa dessas normas, como veremos, é outra, vindo o preceito imperativo (obrigatório) determinado de forma expressa.



Binding e a norma penal.

Em toda norma penal incriminadora há duas partes distintas, sejam elas, o preceito primário e o preceito secundário.

No preceito primário, vem definido o comportamento humano ilícito, enquanto no secundário, vem exposta a sanção ou penalidade que se associa àquela conduta.

Binding, um estudioso do direito, sustentava que o delinqüente, ao invés de transgredir a lei penal, deve, em todo caso e ao contrário, agir de conformidade com a primeira parte dessa lei, em consonância com ela. Assim, o que o criminoso transgride é o preceito proibitivo (norma), que precede conceitualmente a lei penal.

Com sua teoria, ele distinguia norma penal de lei penal. Dizia que a lei cria o delito (crime), e a norma o antijurídico (contrário ao ordenamento jurídico). A lei penal descreve um crime, dando ao Estado o poder de punir. Já a norma contém o preceito, de forma imperativa ("não matar").

Damásio critica tal posição, colocando que, entre a norma legal e a lei não existe essa diferença. Simplesmente, a norma é o conteúdo, a substância, o recheio da lei penal. A lei penal contém uma norma que é a proibição da conduta por ela descrita. Assim, em "matar alguém", está contida a norma proibitiva "não matarás".



Classificação das normas penais.

As normas penais podem ser classificadas em:

1.. normas penais incriminadoras;

2.. normas penais permissivas;

3.. normas penais finais, complementares ou explicativas.

Tanto as normas penais permissivas como as finais são denominadas não incriminadoras.

Como já mencionamos, as normas penais incriminadoras são aquelas que descrevem condutas puníveis e impõem as respectivas sanções. Podemos exemplificá-las com os artigos 121, caput; 155, 157, 213 e outros, do Código Penal (ler tais artigos).

Por sua vez, as normas penais permissivas são as que determinam a licitude ou a impunibilidade de certas condutas, embora estas sejam típicas em face das normas incriminadoras.

Podemos exemplificar através dos artigos 20 a 27 , 28, parágrafo segundo e artigo 128 do CP.

Nesses casos, embora o sujeito esteja a praticar uma conduta tida como criminosa, o ordenamento jurídico, naquela determinada situação excepcional, permite que ele tome aquela determinada atitude.

É o caso, por exemplo, da legítima defesa. O Estado, infelizmente, em determinadas situações, não está presente para defender os bens expostos a dano ou perigo de dano. Assim, permite ao próprio cidadão que está sendo agredido possa ele reagir.

Imaginem que vocês resolvam correr na lagoa do Taquaral. Acabam pegando uma trilhinha no meio da mata, para fugir do dia de sol. Está tudo na mais perfeita paz, quando um sujeito pula de uma das árvores, com um revólver nas mãos. Ele aponta a arma, justamente, na sua direção. Você, assustado, olha dos lados, mas não há uma viva alma no parque que possa prestar-lhe qualquer socorro. Em verdade, a Polícia deveria estar ali, para a sua segurança. No entanto, não está.

Não seria justo que o Estado, simplesmente, impedisse a sua defesa diante da injusta agressão. Afinal, cabia a ele próprio defender a sua vida e integridade física, não é mesmo? Assim, nessa hipótese, o legislador permitiu a reação moderada, através dos meios necessários para fazer cessar a agressão (ver artigo 25 do CP).

Portanto, se o sujeito estivesse apontando a arma na sua direção e você também estivesse armado, nada o impediria de matá-lo, antes que ele o fizesse.

Ainda, temos as chamadas normas penais complementares ou explicativas, que esclarecem o conteúdo das outras, ou delimitam o âmbito de sua aplicação.

Elas podem ser exemplificadas através dos artigos 4° , 5° , 7° , 10 a 12, 33, 327 e outros do CP.

Também, segundo a extensão espacial de sua aplicação, as normas podem ser gerais ou locais. Geralmente, as normas penais se aplicam a todo o território nacional, sendo a aplicação local verdadeira exceção, determinada por condições peculiares a certas regiões do Estado.

Dividem-se, ainda, em normas comuns ou especiais, segundo a divisão do Direito Penal em Comum e Especial, que já vimos outrora.

As normas, por fim, dividem-se em completas e incompletas. As completas são as que definem os crimes com todos os seus elementos, enquanto as incompletas, denominadas normas penais em branco, são as de definição legal incompleta.



Caracteres das normas penais.

1.. Exclusividade.

A norma penal é exclusiva, uma vez que somente ela define infrações e comina penas. Os costumes e os princípios gerais de direitos não podem criar crimes e impor sanções.

2.. Imperatividade.

A norma penal é autoritária, no sentido de penalizar aquele que descumpre o seu mandamento. Assim, ela é obrigatória, uma vez que todos lhe devem obediência.

Não só as normas incriminadoras são imperativas. Também o são as de caráter não incriminador. De fato, se as normas penais permissivas autorizam, por um lado, ações e omissões dos sujeitos ativos, por outro impõem obrigações aos sujeitos passivos, para que não criem obstáculos ao exercício daquelas.

Um exemplo: se o legislador permite a legítima defesa, deve impor ao sujeito passivo a obrigação de não obstacularizar a reação daquele.

Assim, entende-se que o poder público está obrigado a respeitar as normas penais não incriminadoras.

3.. Generalidade.

A norma penal atua para todas as pessoas.

Como já mencionado, as normas não incriminadoras dirigem-se não só aos cidadãos (à coletividade), como também aos órgãos do poder público.

E as normas incriminadoras? Quem são seus destinatários?

Tanto o preceito primário quanto o preceito secundário têm destinação geral, aplicando-se a todas as pessoas.

4.. Abstrata e impessoal.

A norma penal é, ainda, abstrata e impessoal, uma vez que não endereça o seu mandamento proibitivo a um indivíduo em especial, dirigindo-se a fatos futuros. Ela se dirige a todos, sem distinção.

Não pode a norma penal ser utilizada para perseguições pessoais ou a determinados grupos e classes.



NORMA PENAL EM BRANCO.

Conceito.

O que seria a norma penal em branco?

Normas penais em branco são disposições cuja sanção é determinada, permanecendo, entretanto, indeterminado o seu conteúdo.

É o caso, por exemplo, da lei de Tóxicos ( Lei 6368/76), em que as sanções restam determinadas, ao passo que a definição legal do crime é incompleta, condicionando-se à expedição de portarias administrativas, estipulando quais as substâncias arroladas como entorpecentes. Essas completam a norma penal incriminadora.

Assim, verifica-se que a exeqüilibilidade da norma penal em branco depende, pois, do complemento de outras normas jurídicas ou da futura expedição de certos atos administrativos. A sanção é imposta à transgressão de uma norma a emitir-se no futuro.
Classificação.

As normas penais em branco podem ser:

1.. normas penais em branco em sentido lato (geral)

2.. normas penais em branco em sentido estrito.

Normas penais em branco em sentido genérico são aquelas em que o complemento da norma é determinado pela mesma fonte formal da norma incriminadora, ou seja, o órgão que formula o complemento é o mesmo elaborador da norma penal em branco, havendo, pois, homogeneidade de fontes.

Um exemplo é o crime de conhecimento prévio de impedimento, previsto no artigo 237, do CP, que assim determina: "Contrair casamento conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta."

Pergunta-se quais são esses impedimentos, não descritos no artigo acima transcrito.

A resposta não está no Código Penal, mas sim no Código Civil, em seu artigo 183, incisos I e VIII.

Veja que a lei extra-penal (civil, no caso) serve de complemento à descrição incompleta do artigo 237 do CP.

Verificado que compete à União legislar tanto sobre Direito Penal, como sobre Direito Civil ou Comercial, se as normas complementares se referirem a esses direitos, estaremos diante de normas penais em branco em sentido lato.

Podemos citar outros exemplos: arts.184 e 178 do CP.

Já as normas penais em branco em sentido estrito são aquelas cujo complemento está contido em norma procedente de outra instância legislativa. As fontes formais são heterogêneas, havendo diversificação quanto ao órgão de elaboração legislativa. Assim, quem elabora o complemento não é aquele que elaborou a norma penal incompleta.

Como exemplo, podemos mencionar o artigo 12 da lei 6368/76, que define como crime, importar, exportar, preparar, produzir (...) "substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".

Nos termos do artigo 36 da referida lei, consideram-se substâncias entorpecentes ou capazes de criar dependência "aquelas que assim forem especificadas em lei ou relacionadas pelo Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia, do Ministério da Saúde."

Outros exemplos que podemos mencionar são: artigo 6° , I, da Lei 8.137/90 (Tabelamento de preços pela SUNAB) e artigo 269 do CP (doenças de obrigatória comunicação).

Como se vê, o complemento, no caso, pode ser expedido por órgão diverso da União, competente para edição de leis penais.

Pergunta-se se os regulamentos, portarias ou editais que complementam a norma incompleta integram a lei penal.

Nélson Hungria respondia afirmativamente tal questão.

Assim, podendo o complemento ser elaborado por autoridades municipais e estaduais, e anotando que só a União pode legislar sobre Direito Penal, verifica-se que, excepcionalmente, o conteúdo de lei penal incriminadora pode ser completado por órgão outro que não aquela.

No entanto, a lei penal em branco não pode ser entendida como uma carta branca outorgada a determinado poder para que assuma funções repressivas, e, sim, deve ser entendido como o reconhecimento de uma faculdade meramente regulamentar.

Veja que a norma penal em branco, em que o complemento constitui elemento normativo, causa certa indeterminação no conteúdo do tipo, enfraquecendo sua função de garantia, pois faz depender de órgão que não a União a própria existência da conduta punível.



INTEGRAÇÃO DA NORMA PENAL.

Lacunas.

O legislador não é guru ou cartomante. Muito menos Deus. Impossível consiga ele prever todas as hipóteses passíveis de ocorrência. Assim, a todo instante, surgirão novas situações não regulamentadas pelo legislador.

Então, o que faz o aplicador da lei?

Esgotados todos os meios interpretativos, cumpre ao aplicador suprir a lacuna (os buracos, a ausência de regulamentação) da lei, uma vez que não lhe é permitido escusar-se de sentenciar ou despachar a pretexto de omissão da norma.

O artigo 126 do CPC determina que: "o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito."

A lei, em verdade, como podemos perceber, possui a faculdade de auto-integração, ou seja, a faculdade de completar-se a si mesma através de processo científicos preexistentes, manipulados ou trabalhados pelo julgador.

Esses processos são a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, conforme disposto no artigo 4° da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC).

A norma penal também apresenta algumas lacunas que devem ser preenchidas pelos recursos supletivos para o conhecimento do Direito.

No entanto, diante do princípio da reserva legal (art.5° , inciso XXXIX, da CF, e art.1° do CP) as normas penais incriminadoras não possuem lacunas. Afinal, a lei penal, ao definir delitos e cominar penas, não pode conter falhas e omissões, uma vez que a conduta não prevista legalmente como delituosa é sempre penalmente lícita (permitida).

As normas penais não incriminadoras, porém, em relação as quais não vige o mencionado princípio, quando apresentarem falhas ou omissões, podem ser integradas pelos recursos fornecidos pela ciência jurídica.



INTEGRAÇÃO DA NORMA PENAL: CRITÉRIO DE ADMISSÃO.

Os preceitos da Lei de Introdução ao Código Civil se aplicam a todos os ramos do Direito. Portanto, deve-se aplicar o artigo 4° da lei também ao Direito Penal.

Assim, podem as lacunas da norma penal ser supridas pelos processos científicos determinados pelo legislador.

No entanto, como já vimos, a integração só pode ocorrer em relação às normas penais não incriminadoras, porque, em relação às normas incriminadoras, vigora o princípio da legalidade.

Assim, podemos concluir que a analogia, o costume e os princípios gerais de direito não podem criar condutas puníveis nem impor penas: nesse campo, a norma penal não possui lacunas.



Fontes Formais Mediatas.

a.. Costume.

1.. Conceito.

Segundo Damásio, "o costume consiste no conjunto de normas de comportamento a que pessoas obedecem de maneira uniforme e constante pela convicção de sua obrigatoriedade."

2.. Elementos.

Diante do conceito, verifica-se que o costume possui dois elementos:

1.. Elemento objetivo:

constância e uniformidade da prática de determinados atos.

2.. Elemento subjetivo:

o convencimento geral da necessidade jurídica da conduta repetida(convicção de sua obrigatoriedade).

1.. Espécies de costume.

O costume pode ser:

1.. "contra legem";

2.. "secundum legem";

3.. "praeter legem".

O costume contra a lei, ora se apresenta com o aspecto de desuso, tornando inaplicáveis normas existentes, ora sob o caráter de fonte criadora de preceitos que ampliem as justificativas e as descriminantes penais.

Já o costume segundo a lei consiste em regras sobre a uniforme interpretação e aplicação da lei.

Por sua vez, o costume "praeter legem" funciona como elemento heterointegrador das normas penais não incriminadoras, quer cobrindo-lhes as lacunas, quer lhes especificando o conteúdo e a extensão.

Pergunta-se se o desuso pode ser admitido como forma revogadora das normas penais.

Tem-se entendido que não. De fato, o desuso não revoga a norma penal, de acordo com o expressamente disposto no artigo 2° da LICC, que determina: "a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue". Assim, mesmo que uma norma penal não tenha aplicação durante largo lapso de tempo, permanece válido o seu conteúdo imperativo, podendo ser usada a qualquer tempo.

E ainda: pode o costume criar delitos e determinar penas?

Não, face ao princípio da reserva legal, que determina que não há crime sem lei anterior que o defina; não há pena sem prévia cominação legal ( art.5° , XXXIX, da CF, e art.1° do CP).

Somente a lei pode criar crimes, nunca os costumes, que não são fontes imediatas, diretas, criadoras de direito penal.

Mas qual, então, a aplicação do costume? Ele serve como elemento de interpretação. Tem validade no próprio campo das normas incriminadoras. Afinal, verifica-se que, em verdade, os fatos descritos como crimes pela leis variam de acordo com a região e o meio social.

Muitas vezes, o legislador coloca no tipo elementos normativos que vão ensejar a apreciação valorativa por parte do juiz, que irá julgar a conduta de acordo com os costumes locais.

Por exemplo, as elementares "dignidade e decoro" do crime de injúria variam conforme o local. Palavras ofensivas à honra subjetiva, em determinada região, pode não sê-lo em outras.

Assim, o conceito de "mulher honesta", numa metrópole como São Paulo ou Rio de Janeiro, é diferente do mesmo conceito numa cidade do interior.

Podemos, também, aqui, mencionar o caso do "topless", no Rio. Afinal, o que deve o magistrado entender por "ato obsceno"? Pode-se considerar obsceno mostrar os seios, numa praia do Rio de Janeiro? E no centro da cidade de São Paulo. Evidentemente, o magistrado há de verificar quais os costumes daquela região para dar a correta interpretação do artigo 233 do CP.

Verifica-se, ainda, que a evolução dos costumes, por sua vez, tem levado ao reclamo da extinção ou modificação de tipos penais como, por exemplo, o adultério (art.240), a sedução (art.217), o aborto (arts.124 a 126).

Ainda, embora os costumes não possam criar normas incriminadoras, é perfeitamente possível que eles ampliem as causas excludentes da antijuridicidade ou culpabilidade existentes.

a.. Os princípios gerais do direito.

Trata-se da segunda fonte formal mediata (indireta) de direito penal.

Como já vimos, o artigo 4° da LICC permite que, nas hipóteses em que a lei for omissa, o juiz poderá utilizar-se dos princípios gerais de direito, para solucionar a questão.

Tal fonte formal mediata, no entanto, somente pode suprir as normas penais não incriminadoras. Não pode, pois, criar crimes e colocar penas.

Mas o que seriam os tais princípios gerais do direito?

Esses princípios gerais descansam em premissas éticas que são extraídas, mediante indução, do material legislativo. Utilizam-se, assim, regras formuladas pelos princípios morais que informam a legislação onde ocorre o caso omisso.

São, portanto, direcionamentos éticos extraídos do próprio ordenamento jurídico.

Tais princípios acabam ampliando o campo da licitude penal. Assim, em determinadas hipóteses, embora haja crime em face da norma, essa conclusão é repelida pelas regras do bem comum.

O exemplo citado pela maioria dos Doutrinadores é o caso da mãe que fura a orelha da criança para colocar um brinquinho. Não deve ser punida, já que sua conduta se alicerça nos princípios gerais do direito.



Formas de procedimento interpretativo.

a.. Eqüidade:

Genericamente, poderíamos dizer que a eqüidade corresponderia a um conceito de igualdade, de justiça.

Os doutrinadores, no entanto, costumam defini-la como "a perfeita correspondência jurídica e ética das normas às circunstâncias do caso concreto a que estas se aplicam".

O conceito pode ser melhor compreendido através das funções desempenhadas pela eqüidade.

Primeiro, serve ela para elaboração da norma, como critério político e ético. E, ainda, aplica-se na interpretação da norma, como princípio da iguladade.

Algumas vezes, a eqüidade tem força de excluir a pena, como nos casos de perdão judicial (art.109 do CP).

Assim, o juiz, diante das hipóteses em que é possível a aplicação dessa causa de extinção da punibilidade, irá utilizar do seu bom senso, verificando se as conseqüências da infração atingiram ou não o próprio agente de forma tão grave que se tornou desnecessária a aplicação da sanção penal.

Imagine, portanto, duas hipóteses:

1° hipótese

Um sujeito está com sua esposa e filha, andando em velocidade excessiva, incompatível com o local. O semáforo fecha, de repente, o motorista não percebe que o carro da frente brecou, não consegue parar seu automóvel, ocasionando um acidente. Digamos que o motorista do carro da frente acabe falecendo em razão do evento danoso. No entanto, na hora da batida, a filhinha do casal acaba sendo lançada para fora do veículo, bate a cabeça na guia e, também, morre.

Ora, as conseqüências do acidente foram tão graves para o próprio infrator (perda da filha), que, provavelmente, o juiz deixará de aplicar a pena de homicídio culposo. Afinal, já houve, de certa forma, grande punição.

2° hipótese

O mesmo não poderia entender o magistrado, no caso do sujeito, ao invés de perder a filha, perder a sogra. Afinal, perder a sogra é sempre um grande benefício para o genro ou para a nora. Assim, não haverá, nesse segundo caso, a extinção da punibilidade.

Assim, veja, a eqüidade serve como forma de procedimento interpretativo, não sendo, pois, fonte do Direito Penal.

b.. Doutrina.

Segundo Cunha Gonçalves, "doutrina é o conjunto de investigações e reflexões teóricas e princípios metodicamente expostos, analisados e sustentados pelos autores e tratadistas, no estudo das leis."

Não é fonte de Direito Penal, mas, sim, tarefa de interpretação do estudioso. O Doutrinador, portanto, não cria direito. Faz, sim, política legislativa. Estuda o direito e apresenta seus pontos-de-vista.


c.. Jurisprudência.

A jurisprudência, por seu turno, consiste na repetição constante de decisões no mesmo sentido, em casos idênticos.

Não é ela fonte formal de direito penal, porque ela não cria direito, mas serve, sim, para orientar os juízes de instância inferior. Afinal, se uma orientaçoão é adotada seguidamente pelos Tribunais, presume-se que seja elas a interpretação mais acertada.

Observe, no entanto, que trata-se de orientação, não sendo ela obrigatória.

d.. Tratados e Convenções.

A priori, podemos dizer que os Tratados e Convenções Internacionais servem como forma de interpretação.

No entanto, em verdade, esses acordos celebrados entre os países somente adquirem força depois de referendados (aprovados) pelo Congresso Nacional, ocasião em que, conseqüentemente, passam a ser fontes imediatas, como leis.




INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL.

Conceito.

O que significa interpretar?

"Interpretar é retirar o significado e a extensão de uma norma em relação à realidade. É a operação lógico-jurídica que visa à descoberta da vontade da lei, em função de todo o ordenamento e das norma superiores, afim de aplicá-las aos casos concretos da vida real." (Damásio)

Assim, de maneira simples, interpretar é buscar o verdadeiro significado e alcance da lei.



Necessidade de interpretar as leis.

É sempre necessária a interpretação da lei?

Sim. Afinal, por mais clara que seja a letra da lei penal, como qualquer regra jurídica, ela não prescinde de interpretação, tendente a explicar-lhe o significado, o justo pensamento, a sua real vontade.

Afinal, a própria conclusão de ser clara a lei depende de ser ela interpretada.



Natureza da interpretação.

O que se busca com a interpretação? A vontade da lei ou do legislador?

Há duas correntes:

A primeira (Escola exegética) afirma que o intérprete deve perseguir a vontade do legislador.

Já a segunda sustenta a busca, pelo intérprete, da vontade da lei. Afinal, em verdade, a lei terminada independe do seu passado, pouco importando que o legislador tenha querido isso ou aquilo. Importa o que ele aprovou. Só isso.

Os estudiosos acreditam deva prevalecer essa segunda posição.

Espécies de interpretação.

a.. Quanto ao sujeito que efetua a interpretação, pode ela ser:

1.. autêntica;

2.. doutrinária;

3.. judicial.


a.. Interpretação autêntica.

Interpretação autêntica é aquela que procede do próprio órgão de que a lei emana, do próprio órgão que elaborou o preceito interpretado. Ë, justamente, aquela realizada pelo próprio legislador.

Tal interpretação pode ser contextual ou posterior.

A interpretação contextual é aquela realizada pelo legislador no próprio texto da lei.

Um exemplo é o conceito de funcionário público contido no art.327 do CP.

E a Exposição de Motivos do nosso Código Penal? Constitui interpretação autêntica?

Não, não se trata de interpretação autêntica, porque a exposição não é lei, não tem força obrigatória. Assim, ela vale como simples interpretação doutrinária.

Por sua vez, a interpretação autêntica posterior é a realizada pelo sujeito que elaborou a lei, mas depois de sua edição, com o fim de elidir incerteza ou obscuridade.

Se o novo dispositivo apenas determinar o sentido do precedente, não se lhe pode negar o caráter meramente interpretativo, e não criador de Direito. No entanto, se a nova lei acrescenta algo de novo, modificando a relação jurídica contida na lei anterior, constitui nova regra, com conteúdo próprio e autônomo, não se podendo dizer seja, puramente, interpretativa.

Pergunta-se: " a norma interpretativa alcança os fatos ocorridos antes de sua vigência ?"

Bem, a norma de interpretação tem efeitos retroativos ("ex tunc") e não somente "ex nunc"(a partir de então). Assim, retroage a partir da vigência da lei a que se liga.


Imagine a seguinte hipótese:

Temos uma lei "A", editada em 01/01/2000. No entanto, entra em vigor uma lei "B", interpretando a lei "A", em 15/01/2000. Os efeitos da norma interpretativa (B) retroagem à data da vigência da lei "A".

Alguém que cometeu o crime descrito na lei "A", entre 01/01 e 15/01, deve responder por ele, como se a lei interpretadora já tivesse esclarecido o significado da norma incriminadora.

No entanto, se se tratar de lei nova, não puramente interpretativa, não poderá ela retroagir, caso mostre-se mais gravosa, prejudicial ao acusado (art. 5° , inc.XL. da CF), devendo somente produzir seus efeitos a partir de então.


b.. Interpretação doutrinária.

É justamente aquela feita pelos escritores de direito, em

seus comentários.


c.. Interpretação judicial.

É aquela que deriva dos órgãos judiciários (juízes e Tribunais). Tal interpretação não tem força obrigatória, senão para o caso concreto.

Mas qual seria a função do magistrado (juiz)? Somente a repetição das palavras da lei?

Não. Hoje, os juízes não devem ser meros aplicadores da lei. Deve, sim, modelá-la, em razão de sua aproximação com a vida social.

Pergunta-se, no entanto, se a atividade jurisdicional é criadora de direito.

Não, o juiz não pode criar direito, sendo sua função animadora do direito, no sentido de aplicá-lo ao caso concreto.

O juiz, quando da aplicação do direito, como já dissemos outrora, não busca a vontade do legislador, mas sim a vontade da lei.

Segundo Asúa, são as seguintes as regras norteadoras da interpretação judicial:

1.. O precedente não tem força obrigatória. Para cada caso o magistrado deve fazer nova apreciação.

2.. O juiz não cria direito. Somente aplica e anima o preceito legal, estando impedido de aplicar a analogia "in malam partem" (em desfavor do réu).

3.. O intérprete judicial, para descobrir a vontade da lei, deve empregar os métodos gramatical e teleológico, para chegar a um resultado declarativo, extensivo ou restritivo.

a.. Quanto aos meios empregados, a interpretação pode ser:

1.. gramatical, literal ou sintática;

2.. lógica ou teleológica.

a.. Interpretação gramatical, literal ou sintática.

A primeira tarefa do intérprete, no sentido de aflorar a vontade da lei, é recorrer ao que dizem as palavras. Essa é a interpretação literal.

No entanto, a simples análise gramatical, muitas vezes, não é suficiente, porque pode levar a conclusão aberrante. Sob pena de equívocos, a interpretação literal não pode abster-se da visão de todo o sistema.

Para que se apreenda o significado de uma norma é preciso perseguir-lhe a finalidade: a "ratio legis". Daí a necessidade da interpretação lógica.


b.. Interpretação lógica ou teleológica.

É aquela que consiste na indagação da vontade ou intenção objetivada na lei.

Às vezes, não basta a interpretação literal, sendo necessária uma investigação dos motivos que determinaram o preceito, as necessidades e o princípio superior que lhe deram origem.

Ocorrendo contradição entre as conclusões da interpretação literal e lógica, deverá prevalecer a segunda, uma vez que atenda às exigências do bem comum e aos fins sociais a que as lei se destina.

A interpretação teleológica se vale dos seguintes elementos: "ratio legis", sistemático, histórico, Direito Comparado, extrapenal e extrajurídico.

Primeiro, devemos perguntar qual a razão finalística da lei, alcançada pela consideração do bem ou interesse jurídico que se visa a proteger.

Também, imprescindível o elemento sistemático, uma vez que a regra jurídica não está isolada no ordenamento jurídico, devendo estar em consonância com todas as demais.

O elemento histórico também é importante, devendo o intérprete verificar toda a evolução histórica da lei, com suas etapas de formação e gradativo aperfeiçoamento. Assim, interessam os trabalhos preparatórios, os debates parlamentares, as exposições de motivos.

Outro elemento valioso é o direito comparado, uma vez que é importante o confronto entre o direito nacional e o estrangeiro.

O elemento político-social (extrapenal), também, deve ser levado em conta, afinal, a lei deve ajustar-se sempre à ininterrupta mobilidade da vida.

Por vezes, ainda, os conceitos jurídicos são insuficientes para estabelecer a vontade de uma norma, recorrendo o intérprete à Química, Psiquiatria, Antropologia etc., os conhecimentos necessários para solucionar a questão. Por exemplo: para que possamos interpretar o conceito de doença mental (art.26, caput, do CP), somos obrigados a recorrer à psiquiatria.

a.. Quanto ao resultado.

O intérprete, após empregar os meios estudados, chega a uma conclusão, a um resultado interpretativo. Esse pode ser declarativo, extensivo ou restritivo.

Assim, pode a interpretação ser classificada em:

1.. declarativa;

2.. restritiva;

3.. extensiva.


a.. Interpretação declarativa.

Ocorre quando a letra da lei reflete exatamente a sua vontade.

Como exemplo, podemos citar o inciso II, do Artigo 141, que diz que as penas serão aumentadas se o fato for cometido na presença de várias pessoas.

Pergunta-se o número mínimo de pessoas exigido para a configuração dessa causa de aumento? Serão necessárias duas, três, quatro pessoas?

Devemos entender que o mínimo exigido é de três pessoas, porque sempre que a lei se contenta com duas pessoas, o faz expressamente ( como nos casos do artigo 150, parágrafo primeiro, e o artigo 226, I, do CP).


b.. Interpretação restritiva.

Algumas vezes, a linguagem da lei diz mais do que o pretendido pela sua vontade. Diz mais do que desejava dizer, dando ensejo à interpretação restritiva, que restringe o alcance das palavras da lei até o seu real significado.

Por exemplo, o artigo 28, I e II, determina que a emoção, a paixão ou a embriaguez voluntária ou culposa não excluem a imputabilidade, respondendo o sujeito pelo crime praticado.

Esse artigo deve ser interpretado restritivamente, somente persistindo a imputabilidade, caso esses estados não sejam considerados patológicos. Afinal, se forem patológicos, aplicar-se-á o artigo 26 e não o 28.

Assim, a lei estendeu a todos os casos a imputabilidade, devendo o intérprete restringir os casos às hipóteses em que não haja patologia.


c.. Interpretação extensiva.

Diz-se extensiva a interpretação quando mostra-se necessária a ampliação do alcance das palavras da lei para que a letra corresponda à vontade do texto. Ocorre quando o texto legal diz menos do que queria dizer, devendo, pois, ser aplicado.

Um exemplo é o artigo 235 do CP, que incrimina a bigamia. Seria ridículo que fosse proibido casar-se duas vezes, mas fosse permitido casar-se três. Assim, entende-se, através da interpretação extensiva, que o artigo abrange também a poligamia.



Critérios de aplicação da interpretação restritiva e extensiva.

Luis Jiménez da Asúa apresenta os critérios que devem informar a aplicação da restrição ou extensão interpretativa e do princípio in dubio pro reo"". São eles:

a) Se a interpretação gramatical e teleológica chega a um resultado harmônico e determinado, conforme esse resultado devem as leis penais ser interpretadas, seja esse resultado restritivo ou extensivo, uma vez que com esses meios o intérprete terá conseguido chegar ao significado e vontade da lei.

b) Se, apesar da cuidadosa pesquisa literal e finalista, não se chegar a um resultado concludente, e a dúvida sobre a vontade da lei persistir, esta deve ser interpretada restritivamente quando for prejudicial ao réu e extensivamente quando lhe for favorável.



Princípio "in dubio pro reo" em matéria de interpretação da lei penal.

O que fazer quando, apesar do trabalho hermenêutico, mediante cuidadosa interpretação literal e lógica, persiste a dúvida quanto à vontade da norma?

Abrem-se três caminhos para o intérprete:

1.. Admitir que a dúvida deva ser resolvida contra o agente ("in dubio pro societate");

2.. Admitir que seja resolvida contra o agente ou contra a sociedade, segundo o livre convencimento do intérprete;

3.. Resolver a questão da forma mais favorável ao agente.

De fato, deve o juiz, se a vontade da lei não se tornar nítida, se não chegar a saber se a lei quis isso ou aquilo, ou se nem ao menos consegue determinar o que ela pretendeu, seguir a vontade mais favorável ao réu, desde que, é claro, tenha percorrido todos os meios interpretativos.

No Brasil, vários doutrinadores admitiam tal solução, dentre eles José Frederico Marques e Magalhães Noronha.

Assim, no caso de irredutível dúvida entre o espírito e a letra da lei, é força acolher, em matéria penal, irrestritamente, o princípio "in dubio pro reo".



Interpretação Progressiva.

Interpretação progressiva, adaptativa ou evolutiva é a que se faz adaptando a lei às necessidades e concepções do presente. Afinal, não pode o juiz ficar alheio às transformações sociais, científicas e jurídicas.

A lei deve acompanhar as mudanças do ambiente, assim como sua evolução. Ela não pode parar no tempo. Entretanto, não podemos, a todo momento, alterá-la, devendo, pois, adaptá-la às necessidades da época.

Assim, por exemplo, expressões como "doença mental" e "coisa móvel" devem adaptar-se aos avanços da psiquiatria e da indústria.

Os limites dessa interpretação, perfeitamente legítima, restam determinados pela interpretação extensiva.


Interpretação analógica.

Conceito.

A interpretação analógica ("intra legem") é permitida toda vez que uma cláusula genérica se segue a uma fórmula casuística, devendo entender-se que aquela só compreende os casos análogos aos mencionados por esta.

Um exemplo é o artigo 121, parágrafo segundo, IV, que comina pena de reclusão de 12 a 30 anos se o homicídio é cometido "`a traição, emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido."

Veja que temos uma fórmula casuística , seguida de uma genérica.

Assim, o outro recurso deve ser semelhante à traição, emboscada ou dissimulação (caráter insidioso).

Trata-se de uma hipótese de interpretação extensiva, em que a própria lei determina que se estenda seu conteúdo.


Diferenciação entre interpretação analógica e analogia.

Às vezes, a própria lei pretende que a ausência de previsão legislativa seja suprida pela analogia, que seus preceitos sejam por ela completados. Em casos tais, cuida-se da interpretação analógica, em que está na vontade da lei a extensão do seu conteúdo a casos análogos.

Na analogia, no entanto, trata-se de aplicar o conteúdo de uma lei a casos que ela não pretendia abranger.

A diferença, portanto, reside na vontade da lei.

Na interpretação, deseja-se que a norma abranja casos semelhantes, enquanto na analogia, não é a pretensão da lei aplicar o seu conteúdo aos casos análogos, tanto que nada diz a respeito, mas o intérprete assim o faz, suprindo a lacuna.


A interpretação analógica e o nosso Código.

O nosso Código Penal determina o emprego da interpretação analógica nos seguintes casos: art.28, II, 61, "c" e "d", 71, 121, parágrafo 2° , III e IV, 146, 147, 157, "caput", 161, 171, 171, parágrafo 2° , III, 188, parágrafo único, 196, parágrafo primeiro, V, 226, 234, 234, parágrafo único, II, 257, 261, 265, 272, parágrafo 1° , 273, parágrafo 1° , 274, 276 278, 284, II, 291, 293, I e V, 301, "caput" e parágrafo 1° , 312, "caput", 336, 343, 357.


Analogia.

Lembram-se de que eu falei que o legislador não é cartomante, guru, muito menos Deus? Pois é... Não pode ele prever todas as situações da vida. Assim, por mais que o legislador se esforce, sempre há de lhe escapar determinada hipótese, nunca deixando de ser lacunoso o conjunto de leis que compõem o ordenamento jurídico.

Em razão dos possíveis "furos" do legislador, a LICC, em seu artigo 4° , veio prever, para os casos de omissão, a integração das leis através da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito.

Na verdade, deve a lei reger aquela determinada situação que ocorreu no mundo dos fatos. No entanto, na sua falta, o intérprete deverá aplicar as disposições concernentes aos casos análogos. Na impossibilidade de aplicação da analogia, deve recorrer aos costumes. E, havendo omissão nos costumes, ela será fornecida pelos princípios gerais de direito.

Não deve, no entanto, o intérprete, na auto-integração, ignorar essa ordem colocada pela própria lei para a sua auto-integração. Portanto, se houver lei que regule aquela determinada hipótese, não há porque utilizarmos qualquer dos métodos acima mencionados.

Da mesma forma, na ausência de previsão legislativa, não podemos aplicar uma regra costumeira, se ainda for possível a aplicação da disposição referente à hipótese análoga.

Ainda, como já foi colocado em outras oportunidades, o emprego dos processos de auto-integração resta limitado pelo princípio da reserva legal, no tocante às normas penais incriminadoras, não se podendo criar crime ou pena, a não ser através de lei.

Gravemos, portanto, que a analogia é o primeiro recurso fornecido pela ciência jurídica na solução do problema da auto-integração da norma penal.



Conceito e natureza jurídica da analogia.

"A analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante." (Damásio E. de Jesus)

Segundo Flávio Augusto Monteiro de Barros, "analogia é a aplicação, ao caso não previsto em lei, de lei reguladora de caso semelhante."

Imagine que o legislador edite a lei "A", regulando um determinado fato "B". Surge, no entanto, um fato "C", que deve, necessariamente, ser decidido pelo juiz. O que fazer?

O julgador procura no direito positivo uma lei que possa aplicar-se ao caso concreto, mas não a encontra. Aí, percebe que há pontos de semelhança entre o fato "B", regulado, e o fato "C", não regulado. Então, através da analogia, aplica ao fato "C" a lei "A".

Mas qual a natureza jurídica da analogia? O que ela é, em sua essência?

Trata-se de forma de auto-integração da lei, com vistas a suprir lacunas porventura existentes.

Não há, na hipótese, uma ampliação do texto da norma, como ocorre na interpretação extensiva, que já estudamos, mas, sim, a mesma disposição legal é aplicada a casos semelhantes não previstos.

Nos ensinamentos de Carlos Maximiliano, "o processo analógico não cria direito novo, mas descobre o já existente e integra a norma estabelecida, o princípio fundamental, comum ao caso previsto pelo legislador."

Pergunta-se, ainda, "o que temos na analogia: aplicação ou interpretação da lei?"

A interpretação, como já verificamos, consiste na pesquisa do conteúdo e do alcance de norma em relação ao caso concreto. Por seu turno, a aplicação é a própria atuação da norma no caso concreto.

No caso, deve-se falar em aplicação da lei e não em sua interpretação, pois nos parece impossível interpretar uma norma inexistente, não é mesmo?

Portanto, o que ocorre é a verdadeira aplicação de uma norma ou regra que regula hipótese semelhante em matéria análoga.

Entende-se que o legislador acabaria solucionando a questão da mesma maneira que o caso semelhante, se tivesse previsto aquela determinada situação.



Fundamento da analogia.

Tal processo de auto-integração tem por fundamento a identidade da "ratio legis". Entende-se que onde há a mesma razão de decidir, é de aplicar-se o mesmo dispositivo de lei ("ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio").

Assim, conclui-se que as mesmas situações de fato devem comportar as mesmas soluções jurídicas.



Requisitos.

Quais os requisitos exigidos para que se possa recorrer à analogia? São três:

1.. Que o fato analisado não tenha sido regulado pelo legislador.

2.. Que o legislador, no entanto, tenha regulado situação semelhante.

3.. Que haja ponto comum (semelhança) entre a situação regulada e a não prevista.



Analogia, Interpretação extensiva e analógica.

A analogia, como já definimos, é uma forma de auto-integração da ordem legal, com vistas a suprir lacunas, estendendo a aplicação da lei a casos por ela não regulados e não cogitados.

O mesmo não ocorre na interpretação extensiva, em que a vontade da lei cogita de contemplar o caso examinado, no entanto, seu texto acaba dizendo menos que o pretendido. Nesse caso, o que fará o intérprete? Ele há de estender o sentido da lei até o caso sob exame.

Assim, vejam: a diferença entre ambas está, justamente, na vontade da lei.

No caso da interpretação extensiva, embora, à primeira vista, possamos acreditar que a hipótese resta excluída, verifica-se que o caso pode ser enquadrado dentro da norma existente. Isso não ocorre com a analogia, que pressupõe que o caso em tela não possa ser enquadrado dentro da norma existente.

Vejam que, na interpretação extensiva, há a vontade da lei prever o caso. No entanto, seu texto diz menos que o desejado. Já na analogia não há a vontade de a lei regular o caso.

Mas como diferenciar a analogia da interpretação analógica?

A questão já foi abordada em tópico anterior (vide página 26 desse resumo).



Terminologia.

Recebe a analogia as seguintes denominações: integração analógica, suplemento analógico e aplicação analógica.

Como vimos, não podemos confundir a analogia com a interpretação extensiva, nem com a interpretação analógica (também chamada intra legem).

Mas será que há diferença entre a interpretação analógica e a interpretação extensiva?

Bem, nas duas, há vontade de a lei abranger os casos semelhantes. No entanto, no caso da interpretação extensiva, o legislador diz menos que o desejado. Na interpretação analógica, ele, expressa e genericamente, relata os casos que devem ser abrangidos.

A interpretação analógica é uma espécie de interpretação extensiva.



Espécies de analogia.

A analogia se divide em: analogia legal (analogia legis) e analogia jurídica (analogia juris).

Quando estamos diante de uma analogia legal e de uma analogia jurídica?

A analogia legal atua quando a hipótese não prevista é regulada por um preceito legal que rege um outro caso semelhante, enquanto a analogia jurídica ocorre quando a solução para a hipótese não prevista se retira do ordenamento jurídico como um todo. Assim, tem aplicação, nesses casos, um princípio geral de direito.

Alguns estudiosos, inclusive, sustentam que a analogia juris e os princípios gerais de direito se confundem, ou seja, são a mesma coisa.

No entanto, há de se notar que nem sempre a analogia se serve dos princípios gerais do direito, sendo possível a aplicação desses ao caso concreto, de maneira direta, sem o emprego da analogia. Também, podemos, outras vezes, aplicar a analogia jurídica, utilizando um preceito consagrado pela doutrina ou pela jurisprudência, sem que esse preceito constitua princípio geral (norma ética, retirada do ordenamento jurídico).


Mas é de se notar que, comumente, a expressão analogia se refere à analogia legal, e não à jurídica.

Pode, ainda, a analogia ser:

a.. in bonam partem;

b.. in malam partem.


Ocorre analogia "in bonam partem" quando o sujeito é beneficiado pela sua aplicação. Quando é prejudicado, estamos diante de analogia "in malam partem".



Emprego da analogia.

Como já adiantei, não podemos utilizar da analogia no caso de normas incriminadoras, ou seja, a analogia não pode criar crimes ou penas, que a legislador não haja determinado.

Afinal, como já vimos, vige, entre nós, o princípio da reserva legal (art.5° , inc.XXXIX, da CF, e art.1° do CP) em relação aos preceitos primário e secundário das normas definidoras de condutas puníveis.

Não pode o juiz usar da analogia para admitir infração não definida expressamente.
Podemos exemplificar tal hipótese com o furto de uso. Para que possa haver crime de furto, mostra-se necessária a intenção de apoderamento do bem.

Imagine, no entanto, que é Dia dos Namorados e o sujeito está sem dinheiro. Passa em frente a um restaurante da moda e vê os casais em longa fila de espera. Pensa que o jantar vai mesmo demorar e resolve, então, subtrair um dos veículos com vistas a levar sua "mina" ver estrelas na Serra do Japi. Passa num boteco, compra um "sangue de boá", apanha sua garota, que fica toda impressionada, achando que o cara é um bom partido, e pegam a estradinha de terra rumo ao Mirante.

As coisas, no entanto, não funcionam, exatamente, como o previsto, e o sujeito resolve retornar, devolvendo o veículo intacto, com o tanque cheio, na porta do restaurante.

Nessa hipótese, não poderá o juiz condená-lo. Afinal, trata-se de um indiferente penal, em razão da falta do intuito de assenhoramento.

Por que tudo isso? Simplesmente porque é proibida a analogia "in malam partem". Se o sujeito não praticou exatamente a conduta típica, da maneira descrita na lei, não pode o juiz condená-lo, utilizando a analogia.

Se em relação às normas penais incriminadoras (normas penais em sentido estrito) é clara a proibição do emprego da analogia, quanto às normas não incriminadoras a questão não é pacífica.

Na Itália, entendia-se que "as leis penais e as que abrem exceção às regras gerais ou a outras leis, não se aplicam além dos casos e dos tempos prescritos." (art.14 das Disposições Preliminares do CC italiano).

No Brasil, nossa legislação anterior (antiga LICC, art.6° ) tinha norma proibindo expressamente a analogia, nos casos de direito excepcional. No entanto, a atual de LICC silencia a respeito.

Em nosso país, podemos dizer que são favoráveis ao emprego da analogia in bonam partem: José Frederico Marques, Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Costa e Silva, Oscar Stevenson e Narcélio de Queiróz. Já Nélson Hungria mostrou-se contrário à aplicação dessa.

Mas quais os argumentos daqueles que entendem ser possível a aplicação de analogia "in bonam partem"?

1.. As normas penais não incriminadoras não são excepcionais.

2.. O art.4° da LICC determina que, em caso de lacunas, aplique-se a analogia, que somente não pode criar figuras delitivas (em razão do princípio da reserva legal), mas pode ser aplicada no caso de normas não incriminadoras.
Assim, conclui-se que:
1.. A analogia é inadmissível em matéria penal para criar crimes e cominar penas.

2.. E, no caso de leis penais não incriminadoras, é perfeitamente, permitido o procedimento analógico.

No entanto, como já mencionamos, essa não é a única corrente. Flávio Augusto Monteiro de Barros, por exemplo, mostra-se desfavorável à aplicação da analogia, nos casos de normas penais excepcionais.

Mas o que seriam normas excepcionais? Seriam, justamente, aquelas que disciplinam de modo contrário à regra geral, abrindo-lhe exceções, ou seja, são aquelas que excepcionam a regra geral de que quem pratica crime deve ser punido.

Flávio entende que a lei excepcional não admite analogia, trazendo como exemplo o disposto no parágrafo 2° do art.348 do nosso Código Penal, que isenta de pena algumas pessoas, sejam elas, os ascendentes, os descendentes, o cônjuge e o irmão do criminoso.
Ele afirma que esse dispositivo estaria a excepcionar a regra geral de que quem pratica a conduta descrita no artigo mencionado, deve ser punido, responsabilizado. Portanto, não admitiria a utilização da analogia, nas hipóteses semelhantes.

Assim, tal regra não poderia ser ampliada para isentar de pena a concubina ou um sobrinho.

Afirma, também, que outra norma excepcional seria o inciso II do art.128 do CP, que possibilita possa haver aborto, no caso de gravidez resultante de estupro.

Sustenta que tal regra de isenção não pode ser estendida para os casos de sedução ou de corrupção de menores.

No entanto, veja bem: na hipótese somente não se aplica a analogia porque não estamos diante de hipóteses semelhantes. Não podemos comparar um estupro com uma simples sedução, que, logo, provavelmente, até deixará de ser crime.

Assim, não se aplica a analogia, no caso, por ausência de um de seus requisitos, e não por tratar-se de norma excepcional.

Pergunta-se, no entanto, o que fazer se a gravidez resultar de atentado violento ao pudor.

Também, aqui, temos duas posições.

1) Flávio sustenta que o aborto seria perfeitamente possível com base em interpretação extensiva. Acredita que a lei, nessa hipótese, disse menos do que queria. Sua intenção era prever, sim, tal hipótese.



2) A maioria dos doutrinadores, no entanto, entende que trata-se de caso de aplicação de analogia "in bonam partem". Esse é, inclusive, o exemplo que Damásio utiliza de analogia em favor do réu.

Entende-se que não se pode aplicar soluções diversas a casos semelhantes.

Tanto no estupro, como no atentado violento ao pudor, geralmente, as condutas são praticadas mediante violência ou grave ameaça. Assim, verifica-se que as condutas são muito parecidas, sendo ambas as vítimas constrangidas à prática de atos libidinosos, exigindo-se, no entanto, no estupro, a cópula vagínica (introdução do pênis na vagina, mesmo que parcial).

Não me parece que a lei intentava abarcar os casos de atentado violento ao pudor, tendo, inclusive, o legislador se esquecido da possibilidade remota de vir alguém a engravidar em razão de outro ato libidinoso, diverso da conjunção carnal.

Assim, acredito tratar-se de analogia e não de interpretação extensiva, como sustenta o professor Flávio.

Ainda, devemos frisar que, mesmo para o autor acima mencionado, as causas de exclusão da antijuridicidade (legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular do direito, estado de necessidade) ou da culpabilidade (inimputabilidade, inexigibilidade de conduta diversa, obediência hierárquica, coação moral irresistível) não são excepcionais, uma vez que se aplicam a todo ordenamento jurídico.

Portanto, ambas possibilitam a aplicação do suplemento analógico.

Também, sustenta que algumas normas da parte especial têm, em verdade, caráter geral, aplicando-se a hipóteses semelhantes. Afirma, exemplificando, que o perdão judicial previsto no Código Penal (parágrafo 5° do artigo 121) aplica-se, também, aos delitos previstos no Código Nacional de Trânsito (Lei 9503/97, artigos 302 e 303).

Dessarte, Flávio conclui que a analogia é admitida apenas em relação às normas não incriminadoras benéficas ao réu, desde que não se trate de normas excepcionais.

Exemplo de analogia "in bonam partem".

O exemplo mais comum que nós temos é o caso do aborto sentimental, ou seja, aquele permitido pela lei, quando a gravidez é resultante de estupro (ver artigo 128, II, do CP).

Mas o que ocorre se a gravidez for resultante de atentado violento ao pudor (art.214 do CP)? Será permitido o aborto praticado por um médico, com o consentimento da gestante (ou de seu representante legal), também, nessa hipótese?

A resposta é positiva. Afinal não podemos aplicar soluções diversas a casos idênticos.

Princípios Fundamentais do Direito Penal.

O que são princípios? Princípios são os pilares, as bases do ordenamento. Eles traçam as orientações, as diretrizes que devem ser seguidas por todo o direito penal.

O princípio é toda estrutura sobre a qual se constrói alguma coisa (no caso, o direito penal).

São princípios fundamentais do direito penal:

a.. Princípio da legalidade ou da reserva legal.


Tal princípio resta previsto no artigo 5° , XXXIX, da CF, e no art. 1° do CP. Tais dispositivos assim determinam:

"Não há crime sem lei que o defina; não há pena sem cominação legal."

Assim, através desse princípio verificamos que o crime e a pena somente podem ser criados por meio de lei.

Verifica-se, ainda, que nosso Código Penal consagra a máxima: "Nullum crimen, nulla poena sine lege."(não há crime, nem pena sem lei)

Assim, podemos afirmar que o arbítrio judicial, a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito não podem instituir delitos ou penas, tarefa essa exclusiva das leis.

Neste sentido, o entendimento jurisprudencial:

"Entorpecente - Substância não catalogada em Portaria do DIMED/MS - Inidoneidade material para caracterização dos delitos da Lei 6368/76 - Impossibilidade de interpretação extensiva do art.36 da referida lei sob pena de se atentar contra o princípio da reserva legal prevista no art.1° do CP e art.5° , XXXIX, da CF.

Substância não catalogada como entorpecente em Portaria do DIMED/MS é inidônea para a caracterização dos crimes previstos na Lei 6368/76.

Impossível a interpretação extensiva do art.36 da referida lei sob pena de se atentar contra o princípio da reserva lega, prevista no art.1° do CP e art.5° , XXXIX, da CF."(RT-672/308)


b.. Princípio da proibição da analogia "in malam partem".

Trata-se de um corolário (decorrência) do princípio da legalidade. Tal princípio proíbe a adequação típica por semelhança entre os fatos. Assim, não pode ser utilizada a analogia para criar crimes ou penas para casos semelhantes aos previstos.

Neste sentido, o entendimento de nossos Tribunais:

"Prescrição retroativa - Reconhecimento antes da condenação com base em hipotética fixação da pena - Decisão fundada na aplicação analógica do art.267, VI, do CPC a título de agilização da Justiça - Inadmissibilidade - Permissão do art.3° do CPP que não tem tal alcance - Prazo ainda regulado pela pena máxima abstratamente cominada - Direito do réu de ver sua conduta devidamente apreciada após instrução regular do processo, com julgamento de mérito, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e da presunção de inocência (art.5° , LV e LVII, da CF) - Decisão cassada." (RT-667/329)

"Entorpecente - Semeadura, cultivo ou colheita de planta destinada à sua preparação - Reduzida quantidade da droga a ser obtida, suficiente apenas para uso próprio - Conduta não tipificada na Lei 6368/76 - Ação de caráter distinto que não pode ser equiparada à descrita no art.12, parágrafo 1° , II, que a liga ao fim de tráfico, nem à prevista no art.16, relativa à posse para uso próprio - Inaplicabilidade da analogia in bonam partem para criar figura delitiva não prevista expressamente ou sanção penal que o legislador não haja estatuído - Absolvição decretada - Aplicação do princípio da legalidade (art.5° , XXXIX, da CF)."(RT-667/280)


c.. Princípio da anterioridade da lei.

Os artigos 5° , XXXIX, da CF, e 1° do CP não trazem somente o princípio da legalidade, mas, também, o princípio da anterioridade. Entende-se que: "Não há crime sem lei anterior que o defina; não há pena sem prévia cominação legal."

Assim, para que haja crime e que se possa impor uma determinada pena, mostra-se necessário que o fato tenha sido cometido depois de a lei entrar em vigor.

Portanto, se hoje fumar não é crime, mas a semana que vem sair uma lei incriminando tal conduta, quem fumou ontem, hoje ou amanhã, não praticou nenhum delito. Somente a partir da entrada em vigor da lei, é que a conduta poderá ser punida.



d.. Princípio da irretroatividade da lei penal mais severa.

Esse princípio encontra-se previso no art.5° , XL, da CF, e no artigo 2° , caput, e parágrafo único do CP. Esses dispositivos determinam que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Assim, podemos dizer que a lei posterior mais severa não poderá retroagir. Somente lei posterior mais benéfica é retroativa. E mais, a lei anterior mais benéfica é ultra-ativa, uma vez que seus efeitos se projetam para frente, para o futuro.

Imagine, por exemplo, que um sujeito cometa um crime ao qual seja cominada pena de 6 a 10 anos de reclusão. Depois da prática do delito, surge uma lei, aumentando a pena para 8 a 12 anos. Qual lei será aplicável ao caso? É óbvio que a lei mais benéfica. Entendemos, pois, que a lei anterior mais benéfica terá ultra-atividade (seus efeitos se produzirão no futuro).

Agora, imagine o contrário. A pena, quando da prática do delito, era de 8 a 12 anos, e, após praticado o delito, passa a ser de 6 a 10 anos de reclusão. O que ocorrerá na hipótese? A lei mais benéfica retroagirá, alcançando o sujeito.

Se o agente estiver sendo processado em primeiro grau (primeira instância), quando da edição da lei mais benéfica, o juiz terá de fixar a pena nos limites traçados por essa nova lei.

Se, no entanto, a ação penal estiver já em grau de recurso, o Tribunal é que irá ser o responsável pela aplicação da lei mais benéfica.

Mas pode ocorrer que a sentença já tenha transitado em julgado (não cabendo, pois, mais qualquer recurso) e o sujeito já esteja preso, cumprindo sua pena. Nessa hipótese, se vier lei mais benéfica, por exemplo, diminuindo a pena, a redução não poderá ser aplicada pelo juiz de primeiro grau, nem pelo Tribunal que apreciou o recurso. A questão deverá ser resolvida pelo juiz das execuções, responsável pela fiscalização, execução da pena e apreciação dos benefícios.

Portanto, a lei mais benéfica poderá ser aplicada a qualquer momento, respeitada, é claro, a competência para a apreciação da matéria.


e.. Princípio da fragmentariedade.

Esse princípio é conseqüência dos princípios da reserva legal e da intervenção mínima (necessária).

O direito penal, como já dissemos outrora, não protege todos os bens jurídicos. Protege somente os mais importantes. E mais, dentre os bens protegidos, não os tutela de todas as lesões. Somente intervém nos casos de maior gravidade, protegendo um fragmento, uma parte dos interesses jurídicos. Por isso, afirma-se que o direito penal é fragmentário.

Como exemplo, podemos citar o caso do furto de uso. A propriedade é um bem protegido pelo direito penal. No entanto, não é qualquer lesão ao direito de propriedade que será tido como crime.






f.. Princípio da intervenção mínima.

Procurando restringir o arbítrio do legislador, e com vistas a evitar a definição desnecessária de crimes e a imposição de penas injustas, desumanas, cruéis, concluiu-se que a criação dos tipos delituosos deveria sempre obedecer à imprescindibilidade (necessidade).

Assim, o Estado somente poderá intervir, criando crimes e impondo penas, quando os demais ramos do direito não lograrem (conseguirem) prevenir a conduta ilícita.

Assim, somente nos casos mais graves, deve haver a intervenção estatal.

O Promotor de Justiça e Professor Maurício Antônio Ribeiro Lopes, em seu artigo "Alternativas para o Direito Penal e o Princípio da Intervenção Mínima" (RT-757/402) sustenta que o Estado, através de seus legisladores, não pode incriminar condutas irrelevantes.

Ainda, que "cabe ao princípio da intervenção mínima identificar, também, genericamente, hipóteses em que, apesar da amoldação da conduta à norma, exista circunstância que desaconselhe sua aplicação, pois se assim não o fizesse, a intervenção não seria mínima, mas conseqüencial."

E mais: afirma que "a pena deve representar, igualmente, a mínima intervenção do Estado na esfera de liberdade do indivíduo para atender aos fins gerais de prevenção e repressão."


g.. Princípio da lesividade.

Só se aplica o direito penal quando a conduta lesionar um bem jurídico protegido, sendo insuficiente que seja ela imoral ou pecaminosa.

Assim, embora torcer para o Palmeiras seja moralmente reprovável, tal conduta não é considerada crime.

Também, os sete pecados capitais (lembrem-se de "Seven") não podem ser colocados como condutas criminosas.




h.. Princípio da insignificância.

Tal princípio está ligado aos chamados crimes de bagatela (ou delito de lesão mínima).

Segundo ele, o direito penal só deve intervir nos casos de lesão de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves.

Tem sido o princípio adotado pela jurisprudência nos casos de furto de objeto material insignificante, lesão insignificante ao Fisco, maus-tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena monta, lesão corporal de extrema singeleza.

Ainda, seus requisitos serão sempre: o desvalor da conduta, do dano e da culpabilidade.

Neste sentido, as seguintes decisões:

"Princípio da insignificância - Aplicabilidade - Descaminho - Aquisição de objetos no exterior em pequena quantidade e de valores reduzidos, sem a devida documentação - Adequação social da conduta."(RT-753/706)

"Furto - Agente que subtrai uma cédula de um real e um boné usado - Aplicação do princípio da insignificância - Absolvição decretada."(RT-738/652)


i.. Princípio da culpabilidade.

Esse princípio determina que não há crime sem culpa ("nullum crimen sine culpa").

De fato, a pena somente poderá ser imposta ao sujeito que, agindo com dolo ou culpa, e merecendo juízo de reprovação, cometeu um fato típico (descrito como crime) e antijurídico (contrário ao ordenamento jurídico).



Trata-se de um fenômeno individual. O juízo de culpabilidade (de reprovação), feito pelo juiz, recai sobre o sujeito imputável que, podendo agir de maneira distinta, diversa, tinha condições de tomar conhecimento da ilicitude do fato.

O juízo de culpabilidade que serve de fundamento e medida da pena, repudia a responsabilidade penal objetiva (aplicação de pena sem dolo, culpa e culpabilidade).

Exige-se, portanto, no direito penal, sempre a demonstração da culpa.



j.. Princípio da humanidade.

O réu deve ser tratado como pessoa humana.

Esse princípio vem reconhecido em vários dispositivos legais, dentre eles, os artigos 1° , III, 5° , III, XLVI e XLVII, LIII, LIV, LV, LVI e LVII, XLVII, XLVIII, XLIX e L, da CF.



Ainda, a Lei de Execuções Penais determina que o preso somente perderá o direito à liberdade e não os demais.

Qualquer pessoa deve ser tratada com dignidade, com respeito. Até mesmo aquele que foi condenado.


l.. Princípio da proporcionalidade da pena (proibição de excesso).

Determina que a pena não pode ser superior ao grau de responsabilidade pela prática do ato delituoso. Assim, deve a pena ser medida pela culpabilidade do autor. Por isso é que se diz que a culpabilidade é a medida da pena.

Neste sentido, há a "necessidade de acudir à idéia de proporcionalidade, para evitar que as medidas pudessem resultar um meio desproporcionalmente grave em comparação com sua utilidade preventiva - assim, quando para evitar que o pequeno ladrão siga delinqüindo fosse necessário encarcerar-lhe durante toda a vida." (RT-663/261)

Lembrem-se de que esse princípio também é aplicado no direito administrativo. É justamente a historinha dos camelôs. O fiscal deve agir dentro dos limites do razoável. Deve apreender a mercadoria, mas não pode bater no "comerciante", nem destruir sua bancadinha.


m.. Princípio do estado de inocência ( da presunção de inocência).

Esse princípio resta previsto no artigo 5° , LVII, da CF, que determina:

"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória."

Assim, não poderá a pena ser executada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória. Assim, as medidas próprias da fase executória somente podem ser tomadas se existir sentença penal condenatória irrecorrível, ou seja, decisão definitiva da qual não exista mais recursos.

Neste sentido:

"Rol dos culpados - Lançamento do nome do réu - Impossibilidade antes do trânsito em julgado da sentença condenatória - Consagração do princípio constitucional da presunção da inocência."(Recurso em sentido estrito 134.320-3/4 - 4° C., j.20.6.94, Rel. Des. Sinésio de Souza)





n.. Princípio da igualdade.

Segundo tal princípio, todos são iguais perante a lei (art.1° , caput, da CF). Assim, não pode haver discriminação em razão de cor raça, sexo, religião, procedência, etnia, dentre outras.

Esse princípio deve ser entendido, hoje, de maneira peculiar. Afinal, os iguais devem ser tratados igualmente, enquanto os desiguais têm que ser tratados desigualmente, na medida de sua desigualdade. Afinal, só com o tratamento desigual poderão ser tratados de forma justa e isonômica.

Como exemplo, podemos mencionar os tipos de alunos existentes dentro de uma sala de aula. Imaginem que metade da sala preste atenção, tentando compreender o direito penal. A outra metade, no entanto, só quer saber de bagunça. Pressupõe-se que aquele que não presta atenção já sabe tudinho de direito penal. Assim sendo, não seria justo dar a mesma prova para essas duas categorias, devendo-se aplicar, portanto, duas provas distintas. Uma para quem sabe tudo (bem difícil) e a outra para aqueles que estão aqui para aprender.

Nossos Tribunais, no tocante ao princípio da igualdade, têm entendido que:

"Revisão - Reexame de prova pretendido - Inadmissibilidade - Revisando que, porém, há de se beneficiar com a redução da pena obtida pelos co-réus em grau de apelação, em face do princípio da isonomia - Pedido parcialmente deferido."(RT-666/327)


0.. Princípio do "ne bis in idem".

De acordo com esse princípio, não se admite possa alguém ser punido duas vezes pelo mesmo fato, pela mesma circunstância.

Assim, ninguém pode sofrer duas penas em face de um único e mesmo crime, nem processado e julgado duas vezes pela mesma conduta.

Também, quando uma circunstância for utilizada para qualificar o crime, aumentando assim seus limites mínimo e máximo, não pode ela ser utilizada, novamente, como circunstância agravante.

Como exemplo podemos nos referir ao artigo 121, IV, do CP, que trata do homicídio praticado com traição. Nessa hipótese, não poderemos aplicar a circunstância agravante prevista no art.61, II, "c", do CP, sob pena de violação ao princípio estudado.







DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL.

DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.


Fundamentos.

Lembram-se de quando nós estudamos as fontes do direito penal? Pois bem...Tínhamos as fontes mediatas (costumes e princípios gerais de direito) e a imediata (representada somente pela lei)... Naquela ocasião, verificamos que somente a lei é fonte imediata de conhecimento ( fonte formal) do Direito Penal. Recordam-se disso?

Ora! Como já vimos noutras oportunidades, a lei penal é o pressuposto das infrações e das sanções. Em outras palavras, é essencial, imprescindível, necessária a existência de uma lei anterior que defina os crimes e comine (estabeleça) sanções.

Afinal, a lei não garante somente os cidadãos que não realizam condutas sancionadas, criminosas. Dela, também, nascem pretensões para o Estado e para os próprios criminosos.

Como já vimos, da lei nasce a pretensão punitiva do Estado, que visa a reprimir os atos que atingem os bens jurídicos por ele tutelados (protegidos), através da aplicação de sanções previamente estabelecidas. Assim, podemos afirmar que a lei é, ao mesmo tempo, fonte e medida do direito de punir.

No entanto, devemos nos lembrar de que o Estado não pode impor um castigo senão às pessoas que tiveram um comportamento descrito como criminoso em suas leis. Também, não pode punir o cidadão se inexistir sanção previamente prevista para a hipótese.

Já mencionamos, outrora, ainda, que da lei surge, ao mesmo tempo, uma pretensão subjetiva em favor do delinqüente, podendo-se afirmar que ele não poderá ser punido senão em decorrência da realização de uma conduta (ação ou omissão) descrita como crime na própria lei, que prevê a respectiva sanção para as violações dos bens protegidos.

Portanto, como muito bem sustenta Asúa: "a lei penal é garantia da liberdade para todos. Finalmente, as leis penais asseguram também as pretensões punitivas e reparadoras da vítima, posto que nelas se consagra a responsabilidade penal e civil oriunda dos fatos puníveis."

Mostra-se, pois, imprescindível o princípio da legalidade, que traz a máxima "nullum crimen, nulla poena sine lege".






Aspecto Político.

O princípio da legalidade (ou da reserva legal) tem seu significado político, uma vez que é uma garantia constitucional dos direitos do homem.

Trata-se de garantia fundamental da liberdade civil, que não possibilita possamos fazer tudo aquilo que nos der na telha, mas somente aquilo que a lei não proibir.

Assim, cabe à lei fixar os limites que diferenciam uma atividade criminosa de uma atividade legítima. Veja! Trata-se de uma condição de segurança e liberdade individual, já que sabemos que podemos fazer tudo o que a lei não proíbe (ver artigo 5° , inciso II, da CF).

Imaginem a insegurança que teríamos de suportar se não existissem leis apontando as condutas ilícitas, ou seja, se não houvesse uma delimitação do nosso agir. Cairíamos nas mãos dos poderosos que escolheriam quem receberia ou não punições. Poderíamos ser punidos por fatos ainda não incriminados, se essa fosse a vontade do Estado.

Observe, portanto, a importância do princípio da legalidade.


Um pouquinho de História.

Embora o princípio da legalidade, como vimos, tenha sido formulado em latim (nullum crimen nulla poena sine lege), não tem ele origem romana.

Através de uma investigação histórica, alguns concluíram que o princípio deitava suas raízes no famoso artigo 39 da Magna Carta Inglesa, de João Sem Terra, de 1215.

No entanto, Asúa sustentava que o princípio de reserva surgira, justamente, nas instituições do Direito ibérico, sendo, portanto, anterior ao estatuto inglês. Afinal, em 1188, nas Cortes de Leão, Afonso IX concedeu ao súdito o direito de não ser perturbado em sua pessoa ou bens, enquanto não fosse chamado perante a Cúria.

Esse princípio, entretanto, espalhou-se por quase todos os continentes, influenciando as obras de Farinaccio e Menoquio, e consagrando-se na América, onde a Constituição de Maryland (no final de 1776), em seu artigo 15 determinava: "As leis retroativas, que declaram criminosos ou castigam atos cometidos antes da existência de ditas leis, são injustas e incompatíveis com a liberdade."

Mas foi na Declaração dos Direitos do Homem, inspirada pelos anseios da Revolução Francesa (1789), que o princípio foi formulado de forma mais precisa, determinando-se que: "Ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteirormente ao delito e legalmente aplicada."



Assim, o princípio começou a fazer parte das Constituições revolucionárias francesas de 1791 e 1793, instalando-se nas Constituições de todos os povos e nos Códigos de todos os países mais desenvolvidos e cultos.

No Brasil, o princípio funciona, verdadeiramente, como uma garantia constitucional e uma norma de Direito Penal.

Nossa Constituição de 1824, inspirada nos ideais dos revolucionários franceses, em seu artigo 179, 11, determinava: "ninguém será sentenciado senão por autoridade competente, por virtude de lei anterior, e na forma por ela prescrita."

Essa disposição, com pequenas modificações, acabou sendo reproduzida nas Constituições seguintes de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e na atual (artigo 5° , XXXIX, da CF/88).

Também, o artigo 1° do Código Criminal de 1830 previa que: "Não haverá crime ou delito sem uma lei anterior, que o qualifique."Ainda, o artigo 33, determinava: "nenhum crime será punido com penas que não estejam estabelecidas na lei, nem com mais, ou menos, daquelas que estiverem decretadas para punir o crime no grau máximo, médio, ou mínimo, salvo o caso em que aos juízes se permitir arbítrio."

No mesmo sentido, o artigo 1° do Código de 1890, que dispunha: "Ninguém poderá ser punido por fato que não tenha sido anteriormente qualificado como crime, e com penas que não estejam previamente estabelecidas. A interpretação extensiva por analogia ou paridade não é admissível para qualificar crimes, ou aplicar-lhes penas."

Hoje, o princípio vem descrito no artigo 1° do Código Penal, da seguinte maneira:

"Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal."

Esse, pois, o breve histórico do princípio da legalidade.



Exceções e reações ao princípio legalista.

Como já dissemos, o princípio expandiu-se para grande parte do mundo. No entanto, tal princípio não foi adotado na Inglaterra, uma vez que lá, ainda hoje, a maior parte do direito é costumeiro, não escrito. Assim, também o Direito Penal, naquele país, em sua maior parte é "common law." Há, no direito inglês, apenas regras gerais concernentes às justificativas de atos criminosos, as definições de várias formas de crime, bem como algumas facetas do Direito Judiciário Penal.

Não podemos dizer, no entanto, que a Inglaterra reagiu ao princípio legalista, mas sim que ela o excepciona. Veja, a Inglaterra não era contrária ao princípio, mas, simplesmente, não o adotou, porque não possuí muitas leis escritas.



Reações, em verdade, tivemos na Alemanha, na Dinamarca e na extinta União Soviética.

Veja! O artigo 6° do Código Soviético de 1926 conceituava o delito da seguinte forma: "Reputa-se perigosa toda ação ou omissão dirigida contra a estrutura do Estado Soviético, ou que lese a ordem jurídica criada pelo regime dos trabalhadores e camponeses para época de transição à organização social comunista. Não se considerará como delito o fato que, não obstante reúna os caracteres formais previstos em algum dos artigos deste Código, careça de caráter perigoso pela sua manifesta insignificância e por falta de conseqüências danosas."

Também, seu artigo 16 determinava que: "Quando algum fato perigoso não se ache expressamente previsto neste Código, o fundamento e a extensão da sua responsabilidade determinar-se-ão com atinência aos artigos desta lei que prevejam os delitos mais semelhantes." Ora! Naquela época, aceitava-se, naquele país, a utilização da analogia com vistas à criação de crimes, não previstos expressamente.

Isso vigorou até a reforma de 25/11/1958, que aderiu à legalidade dos delitos e das penas. Assim, o artigo 1° do Código Soviético passou a rezar que: "...a legislação penal da URSS e de suas Repúblicas define as ações socialmente perigosas consideradas crimes e comina as penas a serem aplicadas a seus agentes.", e o artigo 7° que: "Crime é toda a ação socialmente perigosa e prevista em lei penal...".

E a Alemanha de Hitler? Como ela se comportou frente ao princípio da legalidade? Bem, a Lei de 28-6-1935 aboliu o parágrafo 2° do CP de 1871, determinando que: "Será punido quem cometer um crime declarado punível pela lei, ou quem mereça uma sanção segundo a idéia fundamental da lei penal e o são sentimento do povo." Assim, vejam: a sã consciência do povo era o que se determinava como tal.

Atualmente, o CP alemão, no parágrafo 1° do art.2° , afirma que: "Determina-se a pena e suas conseqüências de acordo com a lei que vigora ao tempo da infração."

Na Dinamarca, por sua vez, o Código de 1930 preceituava, no artigo 1° , que: "Cai sob a sanção da lei penal o ato cujo caráter delituoso é previsto pela lei dinamarquesa ou uma ação assimilável a tal ato." Observe que lá também se admitia a analogia como fonte criadora de infrações.

Por seu turno, embora a Itália tenha enfrentado o regime fascista, não há registros de exceção ao princípio da legalidade.







Princípio da legalidade e a anterioridade da lei.

Nosso artigo 1° (do CP) deixa claro que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia imposição legal ("nullum crimen, nulla poena sine praevia lege").

O princípio da legalidade não possui simplesmente um significado político. Possui, também, um conteúdo jurídico, já que, segundo José Fredeirco Marques ("Tratado de Direito Penal"), tal princípio "fixa o conteúdo das normas incriminadoras, não permitindo que o ilícito penal seja estabelecido genericamente sem definição prévia da conduta punível e determinações da sanctio juris aplicável".

De fato, não pode mesmo haver crime sem que, antes de sua prática, exista uma lei, descrevendo-o como um fato censurável e punível. Da mesma forma, a sanção não pode ser aplicada sem uma cominação prévia. Assim, são permitidas todas as condutas que não forem previstas como crime, pelas normas penais incriminadoras.

Surgindo a teoria da tipicidade, podemos dizer que o princípio da reserva legal ganhou muito de técnica. Mas o que seria um fato típico? Típico é todo o fato que se amolda (encaixa-se, enquadra-se) à conduta criminosa descrita pelo legislador.

É necessário que o tipo penal (conjunto dos elementos descritivos do crime, contido na lei penal) tenha sido definido antes da prática do delito. Por isso, falamos em anterioridade da lei penal incriminadora. Caso contrário, não saberíamos se a conduta que estamos realizando é ou não um fato criminoso.

Observe, portanto, que o artigo 1° do nosso Código Penal não contém somente o prinípio da legalidade, mas também o princípio da anterioridade.

Podemos dividi-lo da seguinte maneira:

1° ) Princípio da legalidade (ou de reserva legal): não há crime sem lei anterior que o defina; não há pena sem cominação legal.

2° ) Princípio da anterioridade: não há crime sem lei anterior que o defina; não há pena sem prévia imposição legal.

Assim, fica claro que para que exista mesmo o crime, mostra-se imprescindível (necessário) que aquele fato tenha sido cometido após a entrada em vigor da lei incriminadora que o define, caso contrário, não haverá crime, porque, na época em que foi praticado, a sua conduta não era ainda tida como um fato criminoso.

Imagine, por exemplo, que o senhor Gaguinho, hoje, resolva ir ao cinema assistir ao desenho "Os três porquinhos", com sua camiseta verde. É óbvio que a simples utilização de uma camiseta verde é danosa à sociedade. Isso nem se discute. No entanto, embora tal atitude seja repugnante, ela não resta descrita como crime em nosso Código Penal, nem em qualquer outra lei extravagante.
Assim, não podemos (legalmente) dizer que nosso personagem cometeu um crime. De fato, os porquinhos não poderiam ser punidos, simplesmente, por seu extremo mau gosto, não é mesmo?

No entanto, imagine que os gaviões tomem o poder e, sensatamente, resolvam editar a seguinte norma penal incriminadora: "Art.24 - Usar camiseta verde. Pena: de dois a quatro anos de detenção". Geralmente, na hipótese, aplicar-se-ia medida de segurança, uma vez que um sujeito que torce para aquele timeco não pode mesmo bater bem.

Vejam, no entanto, que somente depois que essa lei entrar em vigor é que ela será aplicada. Imagine que ela entre em vigor, hoje. Senhor Gaguinho, na verdade, foi ao cinema ontem, quando sua conduta, apesar de ser nociva, ainda não era considerada criminosa. Assim, ele não poderá ser punido. Se, no entanto, hoje, ele resolvesse tomar a mesma atitude inconseqüente, repugnante, estaria ele praticando um fato típico e antijurídico (um crime).

Espero que todos tenham compreendido o exemplo.

Pergunta-se, no entanto, se o princípio da reserva legal se aplica, também, às normas penais não incriminadoras. E aí?

A resposta é negativa. Segundo os ensinamentos de Frederico Marques, a limitação "imposta às normas que prevêem a pena como resultado de um comportamento ilícito, não se estende às normas não incriminadoras, onde a pesquisa do intérprete busca uma regra que se situa na esfera da licitude. Por haver restrições que vedem a ampliação do ilícito punível, não se pode inferir que o licere fique comprimido também no literalismo legal.

Ainda, para reforçar o princípio legalista das normas punitivas, existe a regra "nulla poena sine judicio", que impede que o legislador imponha, desde logo, pena. Afinal, ninguém pode ser punido, sem que tenha sido submetido, anteriormente, a um julgamento pelo juiz competente, sob as regras do devido processo legal (com a ampla defesa e o contraditório).

A Constituição contém esse princípio no art.5° , XXXV, LIV, LV e LXVII, que trata das garantias individuais.



ÂMBITO DE EFICÁCIA DA LEI PENAL.

Noções Introdutórias.

A lei não vige em todo o mundo. Também, não é eterna. Portanto, não tem ela eficácia universal e permanente.

Assim, a lei determinada pelo Estado somente rege as condutas ocorridas dentro do espaço em que ele manifesta o seu poder, ou seja, a aplicação da lei penal restringe a sua eficácia até onde principia a soberania dos outros países.
Não pode o Brasil, portanto, querer aplicar as suas regras na Itália, porque se trata de um Estado soberano, que há de exercer seu poder dentro do seu próprio território.

Ainda, não podemos dizer que a lei penal é eterna. Afinal, sua ação, como a das outras leis, tem amplitude desde a entrada em vigor (sua entrada no ordenamento jurídico) até sua revogação (sua retirada, sua saída dessa mesma ordem).

E mais, embora a própria Constituição diga que todos são iguais perante a lei, há determinadas funções, exercidas por determinadas pessoas, que acabam por lhe conferir privilégios (em relação à função e não pessoais). São verdadeiros privilégios funcionais quanto à aplicação da norma penal.

Assim, há tanto privilégios de ordem penal, com conseqüente subtração da eficácia da punição, como de ordem processual, em que há a submissão a regras especiais nos processos criminais.

Dessa forma, podemos estudar a eficácia da lei penal em relação ao tempo, ao espaço e às funções exercidas por certas e determinadas pessoas.





























ÂMBITO DE EFICÁCIA TEMPORAL DA LEI PENAL (Da eficácia da lei penal no tempo).

Nascimento e revogação da lei penal.

A lei penal, como nós, e como as demais leis, nasce, vive e morre.

Tal lei apresenta quatro momentos distintos: a sanção, a promulgação, a publicação e a revogação.

A sanção pelo presidente lhe dá integração formal e substancial. A promulgação lhe confere existência e proclama a sua executoriedade. A publicação determina a sua obrigatoriedade (ou eficácia), entrando, assim, a lei, em vigência. Por fim, temos a revogação, que extingue a lei, retira-a do ordenamento jurídico, total ou parcialmente.

A sanção (não confundir com pena, nesse caso, pois a palavra, como já se pode perceber, tem duplo significado) é o ato pelo qual o Presidente da República aprova e confirma uma lei. Com ela, podemos dizer que a lei está completa. Ela transforma um projeto de lei em lei. No entanto, para que ela se torne obrigatória, faltam-lhe a promulgação e a publicação.

Mas o que seria, então, a promulgação? Trata-se do ato pelo qual se atesta a existência da lei e se determina a todos que a observem. Sua finalidade é conferir-lhe o caráter de autenticidade. Dela, ainda, deriva o cunho de executoriedade, ou seja, representa uma ordem do poder governamental para que seja ela aplicada.

Por seu turno, a publicidade é o ato pelo qual a lei se torna conhecida de todos, tornando-se, assim, obrigatória.

Mas quando uma lei começa a vigorar, em nosso país? O artigo 1° da LICC responde à pergunta, afirmando que: "Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada".

Observem, pois, que entre a data da publicação e o início de sua obrigatoriedade, é capaz que ocorra o lapso de quarenta e cinco dias (isso, é claro, se a lei não disser nada quanto ao início de sua vigência).

Portanto, pode haver uma distinção entre a publicação e o momento de sua obrigatoriedade. No entanto, geralmente, a lei penal entra em vigor na data de sua publicação. Um exemplo recente é o lei 9677, de 2/7/98, que altera dispositivos do Capítulo III do Título VIII do Código Penal, incluindo na classificação dos delitos considerados hediondos crimes contra a saúde pública. O artigo 2° dessa lei dispõe o seguinte: "Esta lei entra em vigor na data de sua publicação."




No entanto, pode-se marcar um prazo para entrada em vigor da nova lei. É o caso, por exemplo da lei 8078, de 11/9/1990, que dispõe sobre a proteção penal do consumidor, determinando que a lei passará a ser obrigatória 180 dias após a sua publicação. É exatamente o que diz o artigo 188 do Código de Defesa do Consumidor.

Mas o que fazer se, entre a publicação e a sua entrada em vigor, ocorrer alteração da lei? A resposta está, justamente, no parágrafo 3° do artigo 1° do Decreto-lei n.4657 (LICC), que determina: "Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação."

E se, após entrar em vigor uma lei, surgir publicação, contendo correção? Neste caso, ela será considerada lei nova, conforme o parágrafo 4° do artigo mencionado.

Existe uma denominação própria para esse lapso temporal existente entre a publicação e a efetiva vigência da lei, seja ela, "vacatio legis". Mas qual sua função? Primeiramente, possibilita que a norma seja conhecida antes de tornar-se obrigatória. E ainda, permite que as autoridades incumbidas de fazê-la executar e as pessoas a que ela se endereça se preparem para a sua aplicação.

Mas onde é publicada a lei penal? No Diário Oficial da União, conhecido por DOU.

Na data da publicação, ou vencido o prazo da vacatio legis ou outro determinado, dizemos que inicia-se a vigência da lei, que prossegue até que haja a sua revogação (morte).

Assim, a revogação é uma expressão genérica que traz a idëia de cessação da existência de regra obrigatória, em razão de manifestação do poder competente.

No entanto, verifica-se que a revogação pode ser total ou parcial, dividindo-se, portanto, em ab-rogação e derrogação.

Podemos dizer que quando a autoridade da lei cessa em parte, estamos diante de derrogação da lei. Por outro lado, quando a lei se extingue totalmente, abandona o ordenamento jurídico, há a ab-rogação.

Como exemplo de derrogação, podemos citar os antigos artigos 119 e 120 do CP de 1940. Eles foram modificados pelo artigo 1° da Lei 5467, de 5/7/68. Afinal, o artigo 119 somente permitia o benefício da reabilitação em relação às penas acessórias. No entanto, com a nova lei, o privilégio viu-se estendido, também, às demais penas.

Já como exemplo de ab-rogação, citemos o CP de 1890. Ele foi ab-rogado pelo artigo 360 do CP de 1940. Assim, o CP/1890 desapareceu do nosso ordenamento, sendo substituído pelo de 1940.

Ainda, a revogação pode ser: expressa ou tácita.

A revogação é expressa quando a lei, expressamente, determina a cessação da vigência da norma anterior. Já a tácita (também chamada implícita ou indireta) é aquela em que o novo texto, embora de forma não expressa, é incompatível com o anterior ou regula inteiramente a matéria precedente.

É exatamente o que dispõe o parágrafo 1° do artigo 2° da LICC: "A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior."

Existem leis, no entanto, que trazem em seu próprio texto o término de sua vigência. São elas conhecidas como leis de vigência temporária (encontram-se, justamente, na ressalva do artigo 2° , caput, da LICC.

As leis de vigência temporária são denominadas: temporárias e excepcionais.

Mas o que seriam leis temporárias e excepcionais?

As leis temporárias são aquelas que já trazem a data do término de sua vigência. Elas estipulam, desde o princípio, a data em que a lei deixará o ordenamento.

Por outro lado, as leis excepcionais são as que, não mencionando expressamente o prazo de vigência, condicionam a sua eficácia à duração das condições que as determinaram. Assim, imagine que determinada regra jurídica foi criada para vigorar durante a guerra. Terminada essa, aquela norma não será mais aplicada, deixando, portanto, o ordenamento jurídico.

Assim, essas leis não dependem de revogação por lei posterior, para deixar a ordem jurídica. Fogem, portanto, à regra geral de que a lei vige até que outra lei a revogue. Dessa forma, consumado o lapso da lei temporária (chegada a data pré-fixada para a sua morte), ou, ainda, cessadas as circunstâncias determinadoras das leis excepcionais, cessa a sua vigência, podendo-se falar, portanto, em auto-revogação.

Ainda, lembrem-se de que a lei penal não se revoga pelo uso contrário ou pelo desuso.

Deve-se, também, verificar que a pessoa somente poderá ser punida pela prática de uma conduta criminosa se o fato incriminado se produzir, justamente, no intervalo que separa essas suas datas: data em que a lei que define o fato se torna obrigatória pela sua entrada em vigor e data em que deixa de ser obrigatória por ter cessado a sua vigência.

Em outras palavras, o fato, para ser punido, deve ser cometido entre o momento em que a lei nasce, tornando-se obrigatória, até o momento em que ela morre (é revogada).

No entanto, se o fato ocorrer fora desses momentos, não poderá haver punição.




CONFLITOS DE LEIS PENAIS NO TEMPO: princípios que regem a matéria.

Do seu nascimento até a sua morte, a lei rege todos os fatos abrangidos pela sua destinação. A eficácia situa-se entre esses dois limites (entrada em vigor e revogação).

Assim, conclui-se que a lei não alcança os fatos ocorridos antes ou depois desses limites extremos. Portanto, não retroage (não volta atrás para abranger os casos antes ocorridos), nem tem ultra-atividade (ou seja, deseja ver-se aplicada depois de morta). É justamente o princípio "tempus regit actum".

No entanto, pode ocorrer que um crime iniciado sob a vigência de uma determinada lei, acabe se consumando (completando-se por todos os seus elementos), sob a vigência de uma outra lei. Ou ainda, pode ocorrer que o sujeito pratique uma conduta punível sob a vigência de uma determinada lei, mas seja ele condenado no momento em que já exista outra lei, aplicando-lhe pena mais severa ou benéfica em relação à primeira.

Como resolveremos, então, essas questões? Vamos aplicar a lei do tempo da prática do ato ou a posterior?

Tal situação traduz, exatamente, o conflito das leis penais no tempo. E as questões colocadas devem ser todas solucionadas por meio de alguns princípios que serão, logo, estudados.

Sabemos que, em razão do princípio da legalidade (não há crime, nem pena, sem prévia lei definindo-o e cominando-a), haverá sempre uma lei dominando o conflito de leis penais no tempo. Trata-se do princípio da irretroatividade da lei penal, sem o qual a sociedade não teria nem liberdade, nem segurança, uma vez que poderiam ser punidos fatos lícitos após sua realização, abolindo-se o determinado no artigo 1° do nosso Código Penal.

Assim, se não há crime sem lei anterior, evidentemente, a norma penal não poderá retroagir para alcançar aquelas condutas que, antes de sua entrada em vigor, eram consideradas perfeitamente possíveis, permitidas.

Podemos dizer, portanto, que, em regra, aplica-se a lei vigente à época da prática dos fatos, ou seja, "tempus regit actum". Trata-se de garantia individual de toda a coletividade.

Temos de assinalar, no entanto, que o princípio da retroatividade vige somente em relação à lei mais severa, admitindo-se, no direito transitório, a aplicação retroativa da lei mais benigna (também chamada "lex mitior").

Podemos afirmar, portanto, que temos dois princípios a reger os conflitos de direito intertemporal, sejam eles:




1.. o da irretroatividade da lei mais severa.

2.. o da retroatividade da lei mais benigna.

Ainda, essas duas regras podem ser reduzir à seguinte afirmação: a retroatividade da lei mais benigna.

De fato, o princípio da irretroatividade da lei mais gravosa representa verdadeiro direito subjetivo de liberdade. Funda-se justamente no artigo 5° , incisos XXXVI e XL, da Constituição Federal de 1988.

O inciso XXXVI determina que a lei não prejudicará o direito adquirido. Já o inciso XL que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Mas em que consiste o direito adquirido do sujeito? Justamente, em fazer tudo que não é proibido pela norma penal , não podendo, dessa forma sofrer pena além das estabelecidas para os casos previstos.

Dessa forma, se a lei nova define uma conduta como crime, antes lícita, os fatos cometidos no período anterior à sua vigência (entrada em vigor) não podem ser apenados.

Um exemplo é o caso do cigarro, já mencionado. Se você fumar hoje o seu cigarrinho não estará cometendo crime, pois não há nenhuma figura típica descrevendo essa conduta como tal. Se amanhã tal conduta vier a ser descrita como fato típico e antijurídico (crime), quem fumou hoje não poderá ser punido. Afinal, o sujeito, até o dia em que a nova lei entrou em vigor, poderia perfeitamente fumar seu cigarro.

Veja que a nova regra incriminadora não poderá retroagir, uma vez que a retroprojeção encontra o óbice (obstáculo) do direito adquirido pelo cidadão na vigência da lei anterior.

Aníbal Bruno, citando Binding, discorda dessa colocação de Damásio, sustentando que: "não se pode afirmar, na hipótese, como já observava Binding, em direito adquirido pelo criminoso. O criminoso não adquire pelo seu crime um direito a ser julgado segundo a lei do tempo do fato ou segundo a lei mais benigna. A ordem jurídica é que, por um princípio de justiça, não consente que ocorra de outro modo. "(Direito Penal, 1978, v.1, t.1, p.267, nota 8).

Imagine, agora, que, praticado um crime na vigência de uma lei A, surja uma lei nova (B), impondo pena menos severa. Ora, não teria, na hipótese, o Estado o direito adquirido de punir o cidadão com a pena A, mais severa?

Não, uma vez que a lei nova (B), mais benigna, mostra que o fato, em verdade, merece punição mais branda. Assim, se o próprio Estado reconheceu que a pena antiga era muito severa, ou seja, que não era proporcional à ofensa jurídica, diminuindo a sanção a ser aplicada ao caso, demonstra renúncia ao direito de aplicá-la, não se podendo, portanto, argüir a teoria do direito adquirido em favor da continuação de uma punição desproporcional.

Exemplifiquemos:

Felipão pratica um crime sob a vigência da lei X, que comina (estabelece) pena de reclusão de 1 a 4 anos.

No entanto, quando do julgamento, passa a viger a lei Y, regulando o mesmo fato e impondo pena mais severa, seja ela, reclusão de 2 a 8 anos.

Qual a lei a ser aplicada, a lei X (anterior e mais benéfica) ou a lei Y (posterior e mais severa)?

É claro que a lei posterior não poderá ser aplicada, em face do princípio da irretroatividade da lei mais severa. Assim, aplica-se a lei anterior, que passa a reger um fato praticado durante a sua vigência, mesmo após a sua derrogação (revogação parcial).

Ora, então, será possível a aplicação de uma lei mesmo quando cessada a sua vigência? É isso mesmo. No entanto, isso só poderá ocorrer quando a lei anterior for mais benéfica em relação à outra, posterior.

Essa qualidade da lei, de possuir eficácia mesmo depois de cessada a sua vigência, é denominada "ultra-atividade".

Vejamos, agora, a hipótese inversa. Felipão realiza uma conduta punível sob a vigência da lei X, que comina pena de 2 a 4 anos de reclusão. No entanto, na ocasião da sentença, entra em vigor a lei Y, determinando, para a mesma hipótese, a pena de reclusão de 1 a 4 anos. Qual a lei que será aplicada, agora, a esse caso?

Há de se aplicar a lei posterior, mais favorável ao réu, face ao princípio da retroatividade da lei mais benigna. A lei anterior, no caso, por ser mais severa, não possui ultra-atividade.

Então, podemos estabelecer a regra de que a lei mais benigna (favorável) prevalece sobre a mais severa, prolongando-se além do instante de sua revogação (ultra-ativa) ou retroagindo ao tempo em que não tinha vigência (retroativa).

Essas duas qualidades da lex mitior recebem o nome de extra-atividade.

Por outro lado, prestem atenção, a lei mais severa não retroage nem possui eficácia além do momento de sua revogação. Assim, podemos dizer que ela não é nem retroativa, nem ultra-ativa. Essas suas qualidades negativas compõem o princípio da não-extra-atividade da lex gravior (lei mais severa).

Resumindo, podemos dizer que:

A lei mais benéfica possui extra-atividade, constituindo-se dos princípios da retroatividade e da ultra-atividade.



Por sua vez, em relação à lei mais severa, aplica-se o princípio da não-extra-atividade, que se compõe dos princípios da irretroaatividade e da não ultra-atividade.



HIPÓTESES DE CONFLITOS DE LEIS PENAIS NO TEMPO.

A lei penal nova que entra em conflito com a anterior pode apresentar as seguintes situações:

1) a lei nova suprime normas incriminadoras anteriormente existentes (abolitio criminis).

2) a lei nova incrimina fatos antes considerados lícitos, permitidos (novatio legis incriminadora).

3) a lei nova modifica o regime anterior, agravando a situação do sujeito (novatio legis in pejus).

4) a lei nova modifica o regime anterior, beneficiando o sujeito (novatio legis in mellius).

Para solucionar tais questões, além dos postulados constitucionais já colocados, o Código Penal traz algumas regrinhas.

Seu artigo 2° esclarece que:

"Ninguém poderá ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença penal condenatória transitada em julgado.

Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado."

Verifica-se que os artigos dizem respeito à "lei posterior". Mas o que seria lei posterior? Para sabermos se uma é posterior ou anterior à outra, qual o ponto de referência a ser utilizado? A promulgação ou a data da entrada em vigor?

Quando se fala em "lei posterior", deve-se entender a que passou a viger em último lugar, pouco importando as datas de publicação.

Assim, vamos estudar cada um dos princípios mencionados.





Abolitio criminis, novatio legis ou lei supressiva de incriminações: a lei nova suprime normas incriminadoras.


Conceito.

Imagine que uma lei posterior deixa de considerar como infração um fato que era anteriormente descrito como crime. Trata-se, justamente, da "abolitio criminis", prevista no artigo 2° , "caput", do CP ("ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime").

Nessa hipótese, qual a lei a ser aplicada: a anterior que incrimina, ou a posterior, que descrimina?

Depois de tudo o que falamos, é claro que se deve aplicar a lei posterior. Isso face ao princípio da retroatividade da lei mais favorável, consagrado na legislação penal e na CF/88 (Art.5° , XL).

Estamos, entretanto, diante de uma exceção à regra geral de que tempus regit actum. No caso, a lei nova retroage, e a antiga não possui ultra-atividade.

Mirabete ensina que "ocorre a chamada abolitio criminis quando a lei nova já não incrimina fato que anteriormente era considerado como ilícito penal." (Manual de direito penal, página 59, volume I, sexta edição)

Segundo Flávio Augusto Monteiro de Barros, "dá-se a abolitio criminis quando a nova lei torna atípico o fato incriminado." (Direito Penal, Parte Geral, volume 1, página 37)

Ele sustenta que, se surge, por exemplo, uma lei revogando o delito de sedução (art.217 do CP), o agente não poderá ser punido, devendo ser decretada a extinção da punibilidade, caso já haja inquérito policial ou processo em andamento (art.107, III, do CP). No entanto, se não foi instaurado o inquérito, não poderá mais sê-lo.


Fundamento.

Mas qual o fundamento dessa regra?

Ora, a ab-rogação (revogação total) de uma lei penal incriminadora supõe que o Estado já não mais considera aquele fato contrário aos interesses da sociedade.

Não faria sentido que o Estado continuasse a impor a sua vontade, em prejuízo dos interesses fundamentais do transgressor, quando a considera inútil, anacrônica e iníqua.


Natureza jurídica.

A abolitio criminis (novatio legis) constitui fato jurídico extintivo da punibilidade, de acordo com o disposto no artigo 107, III, do CP, que determina:

"Extingue-se a punibilidade:

(...) III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato criminoso."

O Estado, portanto, perde a possibilidade de aplicar pena ou medida de segurança ao agente.

Essa posição, embora mais aceita, não é pacífica, entendendo Flávio Augusto que se trata, em verdade, de causa de exclusão da tipicidade.

Veja que a abolitio criminis é tratada tanto nos arts.2° , "caput", e art.107, III, do CP. Ambos determinam que a lei nova tem eficácia para reger condutas anteriores a ela, quando não as qualifique mais como criminosas.


Exemplos:

1) Imagine que Felipão tivesse praticado um crime definido pelo Código de 1890. No entanto, enquanto está sendo processado, entra em vigor o Código atual (1940), deixando de considerar a sua conduta criminosa. Nessa hipótese, não poderia o sujeito ser condenado por força da abolitio criminis ( lei supressiva de incriminação).

2) O Código de 1890 definia o crime de "posse de instrumentos próprios para furto ou roubo", no art.361: "Fabricar gazuas, chaves, instrumentos e aparelhos próprios para roubar, tê-los ou trazê-los consigo de dia ou de noite."

Revogado o antigo Código, tal crime passou a constituir mera contravenção penal (Art.24 e 25 da LCP).

Imagine que Felipão estivesse respondendo pela tentativa do crime do art.361. Tratando-se de mera tentativa, e tendo a lei nova considerado contravenção somente o crime consumado, o fato deixará de constituir infração, uma vez que a LCP não pune a tentativa de contravenção, de acordo com o seu artigo 4° ("Não é punível a tentativa de contravenção.")

3.. Felipão pratica a conduta descrita no artigo 217 do CP. No entanto, entra em vigor lei que deixa de considerar tal fato como criminoso. O fato não seria mais crime diante da nova lei, não podendo ser punido o sujeito que o praticara.(exemplo hipotético).

4) Felipão está sendo processado por ter estabelecido jogo de azar em lugar acessível ao público (LCP, art.50). Surge a lei X, deixando de considerar o fato como contravenção (exemplo hipotético).
Efeitos e forma de aplicação.

Segundo o artigo 2° , "caput", do CP, em razão da lei supressiva de incriminação, cessam a "execução e os efeitos penais da sentença condenatória." Ainda, de acordo com o art.107, III, a novatio legis extingue a punibilidade.

Assim, a nova lei descriminante exclui todos os efeitos jurídico-penais do comportamento antes considerado infração.

Várias hipóteses podem ocorrer:

1) Se a persecução criminal ainda não foi movimentada, o processo não poderá ser sequer iniciado.

2) Se o processo estiver em andamento, deverá ser trancado mediante decretação da extinção da punibilidade.

3) Se já existe sentença condenatória com trânsito em julgado, a pretensão executória não pode ser efetivada, ou seja, a pena não pode ser executada.

4) Se o condenado está cumprindo pena, deve ser decretada a extinção da punibilidade, devendo o sujeito ser solto.

O que significa cessação dos "efeitos penais da sentença condenatória"?

A condenação é o ato pelo qual o juiz aplica em concreto a sanção que o transgressor deverá sofrer pelo ato praticado. Assim, o efeito principal da condenação é a aplicação da pena.

Além desse efeito principal, há outros, de natureza secundária ou acessória, chamados "efeitos reflexos", dentre os quais podemos mencionar os penais e os não penais (extrapenais). Como exemplo de efeito extrapenal podemos mencionar a reparação civil.

Da condenação derivam determinados efeitos penais secundários. Dentre eles podemos mencionar: a) a condenação forja a reincidência (art.61, I), b) impede o benefício do sursis (Art.77, I), c) opera a revogação do sursis (art.81, I), d) torna facultativa a revogação do sursis (Art.81, parágrafo 1° ), e) no livramento condicional, a condenação transitada em julgado causa sua revogação obrigatória (art.86, I e II) ou facultativa (Art.87) etc....

Todos esses efeitos penais, principais ou secundários, desaparecem com o surgimento de lei supressora do crime (abolitio).

Ocorrendo a abolitio criminis, a condenação é declarada inexistente e o nome do condenado é riscado do rol dos culpados. Assim, o comportamento, como conduta punível, deixa de figurar em sua vida pregressa. Assim, vindo a praticar outra infração, a conduta anterior, que inclusive se tornou inexistente, não o poderá prejudicar.
No entanto, como já mencionamos, temos também efeitos secundários extrapenais. É o caso, por exemplo, da obrigação civil de reparação do dano produzido pelo delito (Art.91, inciso I, do CP). A lei nova supressiva do crime exclui essa obrigação?

A resposta é negativa, uma vez que o artigo 2° diz que, em virtude da "abolitio" cessam "os efeitos penais da sentença condenatória", perdurando, evidentemente os efeitos de natureza civil.

A extinção da punibilidade pode ser declarada em qualquer tempo, em primeira ou segunda instância.

Flávio Augusto Monteiro de Barros sustenta que: "deparando-se com a abolitio criminis, o juiz do processo de conhecimento deve, de ofício, declarar extinta a punibilidade, ouvindo-se previamente o Ministério Público. Se o processo estiver no tribunal, em grau de recurso, o próprio tribunal competente para apreciar o recurso, de ofício, deve declarar extinta a punibilidade. Caso já haja sentença transitada em julgado, a declaração da extinção da punibilidade competirá ao juiz da execução penal (art.66, I, da LEP e Súmula 611 do STF). Da sua decisão caberá o recurso de agravo em execução. Não cabe, portanto, revisão criminal ou habeas corpus, pois a competência é o juiz da execução."(Direito Penal, Parte Geral, volume 1, página 38).

Ainda, a extinção não depende de provocação do interessado ou seu representante, devendo ser declarada pelo juiz, de ofício, de acordo com o disposto no artigo 61, "caput", do CPP.

E mais: pode ser declarada a extinção antes de a lei nova entrar em vigor? Absolutamente, afinal, antes de entrar em vigor, a lei nova não possui eficácia, não podendo, pois, substituir a anterior.



Novatio legis incriminadora: a lei nova incrimina fato anteriormente considerados lícitos.

Imagine, agora, que uma lei nova (novatio legis) venha incriminar conduta que, anteriormente, era um indiferente penal. Nessa hipótese, estaremos diante de uma novatio legis incriminadora.

Aqui, podemos dizer que tem aplicação a regra do tempus regit actum. Afinal, a lei que vem a criar novos crimes não retroage, por prejudicar o sujeito.

O fundamento desse princípio, como já mencionamos, encontra-se no brocardo "nullum crimen sine praevia lege." Assim, se não há crime sem lei anterior, a lei nova incriminadora não pode retroagir para alcançar fatos praticados antes da entrada em vigor da lei mais severa.


Exemplificando:

Imagine que Pablo, em outubro de 1964, sem autorização legal, plantou uns pés de maconha no quintal de sua casa, com intenção de produzir a substância entorpecente.

Bem, nessa época, tal conduta "plantar" ainda não era tida como criminosa, pois não estava prevista legalmente como tal.

No entanto, em 6 de novembro de 1964, entrou em vigor uma lei inserindo o núcleo "plantar" na figura típica fundamental do crime.

Pergunta-se: Essa lei poderia retroagir para alcançar o fato cometido antes de sua entrada em vigor? É claro que não, uma vez que as leis novas que incriminam condutas não podem retroagir.

O fundamento da irretroatividade é evidente. Se um dos requisitos do crime, veremos mais tarde, é a antijuridicidade (a contrariedade da conduta à norma proibitiva contida na lei penal), não havendo lei estatal proibindo a conduta e impondo a sanção, entende-se que essa é lícita (permitida), não podendo, pois, quem a pratica, receber punição.

Trata-se, como já foi visto, de garantia ao cidadão, que não pode ser condenado por conduta que, quando de sua prática, era considerada perfeitamente lícita.

"Novatio Legis in Pejus": a lei nova modifica o regime anterior, agravando a situação do sujeito.

Sempre que a lei posterior agravar a situação do sujeito, sem contudo criar novos crimes ou abolir os precedentes, não poderá retroagir, em razão do princípio da irretroatividade da lei mais severa.

A lei nova pode ser mais severa que a anterior nas seguintes hipóteses:

(1) Quando a sanção imposta, hoje, ao crime é mais grave em qualidade que a da precedente.

Imagine que Asdrubal pratica um crime quando está em vigor uma lei "A", que estabelece pena de multa. No entanto, entra em vigor uma nova lei "B", estabelecendo, para o mesmo fato, pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção). Por ser mais severa, não poderá retroagir.

Observação: a maior ou menor severidade deve ser apreciada, no caso concreto.

(2) Quando a sanção imposta, hoje, embora da mesma qualidade, é mais severa quanto à maneira de execução.


Imagine que entrasse em vigor lei nova determinando que as penas de detenção deveriam iniciar-se em regime fechado (art.33 do CP). O sujeito que praticou a conduta quando havia lei determinando que o regime inicial de cumprimento da pena seria o semi-aberto não pode ver-se obrigado ao cumprimento da pena em regime fechado.


(3) Quando a quantidade da pena em abstrato é aumentada.

Imagine que o Felipão cometa um crime na vigência da lei "A", que impõe, em abstrato, pena de reclusão de 1 a 5 anos. Surge lei "B" fixando pena mais severa (de 2 a 8 anos). Não se pode aplicar a lei "B" à conduta praticada durante a vigência da lei "A", por ser ela prejudicial ao réu.


(4) A quantidade da pena em abstrato é mantida, mas a maneira de sua fixação é mais rígida que a determinada pela lei anterior.

Um exemplo é o caso da modificação pelo legislador do artigo 59 do CP, estabelecendo-se regime mais severo para a fixação da pena.


(5) Exclusão de circunstâncias que favorecem o sujeito (atenuantes e causas de diminuição de pena) ou inclusão de circunstâncias prejudiciais (agravantes e causas de aumento).

Imagine, por exemplo, que Zé Mané confesse, espontaneamente, perante a autoridade, ter dado cabo à vida se sua adorada sogra. Incidiria, na hipótese, a atenuante prevista na alínea "d", inciso III, do art.65 do CP.

No entanto, entra em vigor nova lei, suprimindo tal circunstância. Deve ou não ser ela aplicada? Não. Deve aplicar-se a lei antiga mais benéfica, pois, como já estudamos, possui ultra-atividade.


(6) Inclusão de qualificadoras antes inexistentes.

Imagine que João e Maria cometam um crime de homicídio simples (art.121, "caput", do CP). Surge uma lei nova, cominando pena de 12 a 30 anos, se o homicídio é praticado por duas ou mais pessoas. Essa nova qualificadora não poderá ser aplicada à hipótese ocorrida antes de sua entrada em vigor.


(7) Lei nova suprime benefícios determinados pela lei anterior, referente à suspensão ou interrupção da execução da pena.
Imagine que o sujeito pratique a conduta quando possível a suspensão condicional da pena ("sursis"). No entanto, entra em vigor nova lei, impossibilitando a aplicação desse benefício. A nova lei não poderá ser aplicada, uma vez que se mostra prejudicial ao réu.
(8) Lei nova que mantém o benefício, dificultando-o.

Surge nova condição para obtenção do benefício.


(9) Lei nova que exclui causas de extinção da punibilidade.

Entra em vigor, uma lei retirando o perdão judicial do rol das causas extintivas da punibilidade.


(10) Lei nova que mantém as causas de extinção, mas dificulta sua ocorrência.

Imagine que surja nova lei, ampliando, por exemplo, o lapso prescricional.


(11) Lei nova que exclui escusas absolutórias anteriormente existentes.

Imagine que Zé Mané furte seu próprio pai. Nesse caso, incidirá a escusa absolutória prevista no artigo 181, II, 1° figura, do CP, não lhe sendo, pois, aplicada pena.

O que ocorrerá se uma nova lei vier a excluir a disposição contida no artigo 181? Tal lei não poderá ser aplicada, pois prejudicaria o acusado.


(12) Lei nova que cria pena restritiva de direitos não prevista na legislação anterior.

Imagine que venha a vigorar lei que proíba o condenado de assistir televisão.


(13) Lei nova que exclui causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade antes existentes.

Imagine que uma lei venha a impossibilitar a legítima defesa, nos casos de agressão iminente (art.25). Se o sujeito defendeu-se de agressão prestes a acontecer, deverá ou não ser afastada a causa de exclusão de antijuridicidade? Essa não poderá ser afastada, haja vista que seu afastamento prejudicaria o acusado.


(14) Lei nova exclui condições de procedibilidade genéricas (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade e interesse de agir) ou específicas (por exemplo, a representação, a queixa, a requisição do Ministro da Justiça etc..)

Imagine que o sujeito tenha praticado um crime de ameaça (artigo 147, parágrafo único, do CP). A ação penal somente poderá ser ajuizada se houver representação. Imagine, no entanto, que venha uma nova lei, suprimindo tal exigência.
O Ministério Público poderia oferecer a denúncia, sem que exista representação por parte do ofendido ou de seu representante legal?

É claro que não. Afinal, a exclusão dessa condição de procedibilidade tornou-se para o criminoso mais severa que a anterior, que a exigia, não podendo a exigência da representação ser ignorada.

Concluindo-se: todas as vezes em que a lei nova prejudica o sujeito, não poderá ela retroagir.



"Novatio Legis in Mellius": lei nova que modifica o regime anterior, beneficiando o sujeito.

Caso a lei nova venha a beneficiar o sujeito, sem, contudo, excluir a incriminação, deverá ela retroagir. Trata-se da aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benigna.

É exatamente o que dispõe o parágrafo único do artigo 2° do CP:

"A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado."

Citemos alguns casos de lei posterior que, de qualquer modo, favorece o sujeito:


1.. Lei nova que inclui circunstâncias que beneficiam o sujeito.

(2) Lei nova que cria causas extintivas da punibilidade não reconhecidas pela lei anterior.

(3) Lei nova que facilita a superveniência de causas extintivas da punibilidade (por exemplo: diminuindo o prazo prescricional).

(4) Lei posterior que permite a obtenção de benefícios não permitidos na legislação anterior ou facilita sua obtenção.

(5) Lei nova acresce causas de exclusão da antijuridicidade, da culpabilidade, ou escusas absolutórias, antes inexistentes.

(6) Lei posterior que exclui a concessão de extradição.

(7) Lei nova que inclui condições de procedibilidade não exigidas anteriormente.

É o caso da lei 9099/95 (Lei dos Juizados Especiais). Ela exige, para o caso de lesões culposas ou leves, representação do ofendido.


(8) Lei nova que comina pena menos rigorosa.

Mas quando podemos dizer que a lei nova estabelece penas menos rigorosas? Nas seguintes hipóteses:

(a) No caso de mudança da natureza da pena.


Ex.: Pena de detenção é transformada em pena de multa. Por ser essa última menos rigorosa, deverá retroagir.

(b) Caso de pena menos rigorosa quanto à maneira de execução.


Ex.: Lei que vem a estabelecer para as penas de reclusão o mesmo regime de execução da pena de detenção.

(c) Lei nova, suprimindo alguns elementos da figura típica antiga, modifica o "nomen juris"do crime, estabelecendo pena menos rigorosa.

1.. Caso de redução quantitativa da pena.

Uma pena que era de 2 a 8 anos de reclusão passa a 1 a 4 anos.

(e) Lei nova que transforma o crime em simples contravenção.

Ex.: O artigo 361 do CP de 1890 considerava crime a conduta "fabricar gazuas, chaves, instrumentos e aparelhos próprios para roubar". Hoje, tal conduta não passa de uma contravenção, prevista no artigo 24 da Lei das Contravenções Penais, que traz penas mais brandas.

Ainda, de acordo com o disposto no artigo 2° , parágrafo único, do CP, o princípio da retroatividade da lei mais benéfica é incondicional, podendo aplicar-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.




Apuração da maior benignidade da lei.

Todos os casos anteriormente colocados, como vocês já perceberam, podem ser solucionados através da aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benigna.



No entanto, se sempre devemos aplicar a lei mais favorável, faz-se imprescindível que saibamos identificá-la.

Antes disso, temos que verificar o que devemos entender por "lei". Afinal, reparem: o Código não se refere à "lei penal", mas somente à "lei".

Muitas vezes, verificamos que o tipo penal é preenchido de elementares extrapenais, como, por exemplo, no caso das normas penais em branco, que muitas vezes são completadas pelo direito civil, comercial, administrativo etc...

Como já frisei (quando estudamos a lei penal em branco), esses complementos passam a fazer parte da lei penal, passam a integrá-la. Assim, pergunta-se: as disposições complementares das normas penais em branco podem ser consideradas leis penais, para efeito da retroatividade benéfica?

Lembram-se do crime de "conhecimento prévio de impedimento" ao casamento (art.237)? Pois é. Tal regra vem a ser complementada pelo art.183, incisos I a VIII, do Código Civil, que elenca os impedimentos matrimoniais.

Imagine, no entanto, que, após a prática do crime, venha uma nova lei, revogando o artigo 183 do Código Civil. Pode ela ser considerada lei penal para efeito de retroagir e beneficiar o sujeito?

Lógico que sim. A nova lei, em verdade, excluiu o próprio tipo criminoso. Se não existe mais qualquer impedimento para o casamento, como o sujeito praticará a conduta descrita no artigo 237 do CP?

Assim, devemos entender que, quando o Código fala em "lei posterior" está a se referir, também, às leis de cunho extrapenal, devendo-se apreciar sua maior benignidade.

Mas como solucionar a questão da maior ou menor benignidade das leis?

Asúa sustentava que a solução somente viria da análise do caso concreto, sendo, pois, praticamente impossível estipular regrinhas para resolver tais conflitos.

No entanto, podemos dizer que toda norma que amplie o âmbito de licitude penal, quer diminuindo o campo do "jus puniendi" ou do "jus punitionis", quer ampliando o do "jus libertatis", poderá ser considerada lei mais benigna.

Verifica-se, pois, que a solução deve ser apreciada em concreto. Deve o magistrado analisar o caso concreto, primeiro, em relação à lei anterior. Depois, em relação à posterior. Às vezes, em relação à intermediária. Todos os resultados devem ser comparados, devendo ser escolhido o que mais favorecer o agente.



E nos casos de dúvida sobre a lei mais favorável? Entende-se que deve ser aplicada a nova lei somente aos casos não decididos, devendo ser o réu e seu defensor ouvidos a respeito.

Flávio Augusto Monteiro de Barros afirma que, de modo geral, reputa-se mais benigna (salvo prova em contrário) a lei que:

1.. Comina pena mais branda.

2.. Cria circunstâncias atenuantes.

3.. Extingue circunstâncias agravantes.

4.. Extingue medida de segurnaça e efeitos da condenação.

5.. Estabelece causas de exclusão da antijuridicidade, culpabilidade e punibilidade.



Competência para aplicação da lei mais benéfica.

Se a lei mais benéfica surge antes de o juiz proferir a sentença, ele mesmo fará a adequação penal. No entanto, pode ocorrer que a sentença condenatória já tenha transitado em julgado. Nessa hipótese, quem irá aplicar a lei? O juiz de primeiro grau ou o Tribunal, em grau de revisão criminal ou "habeas corpus"?

A resposta à questão vem, justamente, no art.66, I, da lei de Execução Penal, e na Súmula 611 do STF: a competência será do juiz de primeiro grau (da execução penal).

O Tribunal somente poderia intervir se houvesse recurso do despacho do juiz de primeira instância (art.197 da LEP).



Lei intermediária.

Imagine que o sujeito pratique a conduta sob a regência de uma determinada lei, surgindo, no entanto, sucessivamente, duas novas leis, regulando o mesmo comportamento, sendo a intermediária a mais benigna.

Analisando as três leis, verificamos que a lei intermediária, por ser mais favorável que as outras duas, retroage em relação à primeira e possui ultra-atividade em face da terceira.





Combinação de leis.

Pode haver a combinação de leis para beneficiar o agente?

A questão não é pacífica, havendo duas posições defensáveis.

No Brasil, aceitavam a combinação de leis: Basileu Garcia, José Frederico Marques e Magalhães Noronha.

No entanto, Costa e Silva, Nélson Hungria e Aníbal Bruno eram contra esse posição, sustentando a impossibilidade de combinação de leis.

Aqueles que entendiam ser impossível a combinação de leis para favorecer o agente, sustentavam que, na hipótese, o juiz estaria criando uma terceira lei, o que não lhe é permitido em razão da tripartição de poderes.

No entanto, a outra corrente afirmava que não se estaria a criar nova lei, mas sim movimentando-se dentro do campo legal em sua missão de integração legítima. Afinal, se pode ele escolher uma ou outra lei para obedecer ao mandamento constitucional da aplicação da lei mais favorável, pode, perfeitamente, efetuar a combinação daquelas, seguindo as determinações constitucionais.

Não podemos ignorar que é mais comum a tese da impossibilidade da combinação das leis. Entretanto, verificam-se razões fortes no sentido de se aplicar as disposições mais favoráveis das duas leis, pelo menos em situações especiais.

Ora, se o juiz pode aplicar o "todo" de uma ou de outra lei para favorecer o sujeito, não há porque não possa escolher uma parte de uma lei e outra, da outra, com vistas a favorecer o agente, aplicando-se, pois, o preceito constitucional, que estaria sendo desrespeitado se o juiz não pudesse aplicar a parte mais favorável da nova lei, porque proibida a combinação de leis.

Um exemplo: A lei n.5726, de 29 de outubro de 1971 deu nova redação ao artigo 281 do CP, definindo o comércio de entorpecentes, cominando pena de 1 a 6 anos de reclusão e multa de 50 a 100 vezes o maior salário mínimo vigente.

Tal lei foi substituída pelo artigo 12 da lei n.6368/76, que estipulava como pena reclusão de 3 a 15 anos e o pagamento de 50 a 360 dias-multa.

Verifica-se que quanto a pena privativa de liberdade, a lei antiga era mais benéfica. No entanto, no que diz respeito à multa, a lei posterior é que era mais favorável.

Assim, a jurisprudência admitiu a combinação das leis, aplicando-se a pena privativa da liberdade prevista pela lei anterior e a de multa trazida pela lei posterior.


Eficácia das leis penais temporárias e excepcionais.

Lembram-se das leis temporárias e das leis excepcionais?

As primeiras podem ser conceituadas como aquelas leis com vigência previamente estipulada pelo legislador, enquanto as segundas, por sua vez, são aquelas promulgadas em casos de calamidade pública, guerras, revoluções, epidemias etc..



Ultra-atividade das leis temporárias e excepcionais.

Não podemos dizer que essas leis violam o princípio de reserva legal, pois não se aplicam a fatos ocorridos antes de sua vigência.

Por outro lado, podemos afirmar que essas leis são retroativas, uma vez que continuam a ser aplicadas aos fatos praticados durante a sua vigência, mesmo depois de sua auto-revogação.

O artigo 3° do nosso Código Penal, referindo-se a essas leis, deixa claro que:

"A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante a sua vigência."

Sabemos, já, que a lei excepcional é revogada pela cessação das circunstâncias que a determinaram, e as temporárias, pelo decurso do tempo de sua duração, ocorrendo, nas duas hipóteses, a auto-revogação da lei.

Embora auto-revogadas, aplicam-se aos fatos ocorridos durante sua vigência.

Imagine, por exemplo, que, durante uma revolução, o legislador coloque como crime "passar em determinada ponte". Índio realiza a conduta punível e, no transcorrer do processo, termina a revolução, ocorrendo, assim, a auto-revogação da lei penal excepcional.

Pode o sujeito ser condenado? Sim, uma vez que a lei excepcional, embora cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência. É ultra-ativa.


Fundamento.

A Exposição de Motivos do Código Penal de 1940 traz a razão da ultra-atividade das leis temporárias e excepcionais. Determina que:



"Visa a impedir que, tratando-se de leis previamente limitadas no tempo, possam ser frustradas as suas sanções por expedientes astuciosos no sentido de retardamento dos processos penais."

Não seria o artigo 3° do CP inconstitucional em razão do princípio da retroatividade da lei mais benéfica?

O princípio da retroatividade da lei mais favorável, embora seja mandamento constitucional, não é aplicável às leis temporárias e excepcionais, quer incriminem um fato novo, quer aumentem a punibilidade de fatos já definidos pela norma ordinária.

A razão é evidente. Se o criminoso soubesse que aquelas leis, destinadas a desaparecer após certo tempo, perderiam sua eficácia, utilizaria todos os meios para iludir a sanção, principalmente quando o término de sua vigência pelo decurso de seu período de duração ou de sua circunstâncias determinadoras estivesse prestes a acontecer.

Se a lei temporária não tivesse eficácia após o decurso do lapso temporal pré-fixado, todos aqueles que tivessem desobedecido à sua norma nos últimos dias de vigência ficariam impunes, pois não haveria tempo hábil para a processamento da ação e aplicação da sanção.

Isso traria graves injustiças, pois alguns seriam condenados, outros, não, restando prejudicada a função intimidativa da lei.

Flávio Augusto de Barros diz que o problema, em verdade, é de atipicidade, e não de direito intertemporal.

Vejam! No crime de furto, a pena é aumentada de um terço , se o crime é praticado durante o repouso noturno. Não é porque o sol desponta que poderá ser exlcluída essa qualificadora. Afinal, o crime foi cometido diante de uma circunstância temporal.

O mesmo ocorre nas leis temporais e excepcionais. Nelas, temos que analisar o tempo como fator de punibilidade. A referência temporal acaba sendo elementar da norma ou condição de maior punibilidade. O preceito secundário (sanção) há de se aliar ao preceito primário, porque a conduta por este descrita foi cometida durante certo período, ou durante certa siutação. Passado essa período ou essa situação, verifica-se a ausência de elementos do tipo temporais exigidos pela lei intermitente.


Normas penais em branco e direito intertemporal.

Como já estudamos, as normas penais em branco são aquelas que devem ser complementadas por uma outra norma.

Imaginem que a norma que complementa a norma penal em branco venha a ser modificada, favorecendo o sujeito. Deverá ou não retroagir?
Um exemplo: Lucimar vende mercadoria por preço superior ao tabelado, praticando crime contra a economia popular. No transcorrer do processo, surge uma nova tabela, aumentando o preço da mercadoria, além do cobrado pelo sujeito.

Havendo a modificação do complemento da norma penal em branco, a favorecer o vendedor processado, a norma deve retroagir nos termos da "abolitio criminis"? A nova tabela não estaria deixando de considerar crime o fato praticado pelo agente?

Em verdade, a variação da norma complementar da norma penal em branco só tem influência quando importe em real modificação da figura abstrata do Direito Penal, e não nas hipóteses em que há mera modificação de circunstância que, na realidade, deixa subsistente a norma.

No caso do tabelamento de preços, modificado esse, a norma penal continua invariável, porque não ocorre alteração do objeto abstrato de sua proteção legal.

A sujeito não responde pelo delito porque vendeu a mercadoria pelo preço "A" ou "B", mas porque vendeu por preço superior ao tabelado.

Ao analisarmos a norma penal em branco, concluímos que ela é constituída de duas partes:

1.. Em parte é uma lei com vigência comum (disposição a ser complementada).

2.. Na outra, deve ser atendida a excepcionalidade ou temporariedade (complemento).

A primeira parte não possui excepcionalidade ou temporariedade. Já a segunda pode ter aqueles caracteres que lhe dão ultra-atividade.

Imagine que seja revogado o próprio art.269 do CP (norma penal em branco). Nesse caso, não podemos falar em ultra-atividade em relação aos fatos praticados durante sua vigência. Afinal, a conduta deixa de ser ilícita, não tendo a norma em branco (primeira parte) nada de temporária ou excepcional.

O mesmo não podemos afirmar se a doença não comunicada pelo médico for retirada da listagem de notificação temporária.

Nesse caso, duas situações podem ocorrer:

1.. Se a doença constava do elenco por motivo de temporariedade ou excepcionalidade, haverá ultra-atividade.

2.. Se, no entanto, a doença fazia parte do elenco complementar por motivo não excepcional, o caso é de retroatividade.



Do tempo do crime.

Conceito.
Quando se considera um delito cometido? Em que momento podemos dizer que a infração foi praticada?

Responder a tais indagações mostra-se essencial, na medida em que a determinação do tempo em que se considera praticado o delito não serve somente para que possamos afirmar qual a lei que irá reger aquele fato, mas também, para fixar a imputabilidade do sujeito.

Imagine que tenha realizado a atividade executiva do delito e, antes que se produza o resultado, surge nova lei, alterando a legislação referente à conduta punível.

Por exemplo: um sujeito pratica uma conduta descrita no artigo 121 do CP, ou seja, dá um tiro na cabeça de seu desafeto, sob a vigência da lei "A". No entanto, a vítima é levada ao hospital, vindo a falecer somente dez dias depois, já na vigência da lei "B".

Qual a lei a ser aplicada? A lei do tempo da atividade ou a em vigor por ocasião da produção do resultado?

Também, é necessário fixar o momento da prática do crime para efeitos de apreciação de seus elementos subjetivos, circunstâncias, prescrição, anistia etc.


TEORIAS.

Há três teorias a estipular qual o tempo do crime.

A primeira é denominada de teoria da atividade, que fixa o tempo do crime no momento em que o agente executa a conduta criminosa (ação ou omissão). É, justamente, o momento da prática da ação ou omissão.

Como exemplo, podemos mencionar o caso do estelionato. Em princípio, aplica-se a lei vigente ao tempo em que o agente induz alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento (momento da ação), sendo desnecessária a análise da norma em vigor quando, de fato, obtém a vantagem ilícita em prejuízo alheio.

Temos, também, a teoria do resultado (do evento, ou do efeito), que acredita que o tempo do delito é, justamente, o momento da produção do resultado. Para essa teoria, o que importa é o momento da produção do resultado (morte, no caso de homicídio) e não o momento da prática dos atos executórios (ação).

Por último, ainda, temos a teoria mista (ou da ubiqüidade), sendo o tempo do crime tanto o momento da ação quanto do resultado. No crime de homicídio, portanto, o tempo do crime seria tanto o momento da prática da ação quanto o momento da produção do resultado.
Mas qual a teoria adotada pelo nosso Código Penal?
O artigo 4° determina que: "Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado".

Assim, verifica-se que o nosso Código adotou, justamente, a teoria da atividade. O mesmo também foi adotao pela lei dos Juizados Especiais Criminais, em seu artigo 63.

De fato, é no momento da conduta que o agente manifesta sua vontade de agir de maneira contrária ao ordenamento jurídico. É nesse momento que o sujeito demonstra a vontade de concretizar os elementos do tipo, sobre que recai o juízo de reprovabilidade.


Questão.
Imagine que um moço, uma hora antes de completar 18 anos, esfaqueie seu desafeto, vindo esse a falecer um dia depois dele completar a maioridade penal (18 anos).

De acordo com a teoria da atividade, o homicídio foi cometido antes do agente alcançar a maioridade penal, quando, ainda, era inimputável (agente não podia entender o caráter ilícito do fato, nem determinar-se de acordo com esse entendimento). Assim, não incidirá sobre ele, o juízo de reprovabilidade, ou seja, ele não será considerado culpável.


Efeitos.

Coerentes com a teoria da atividade, temos as seguintes aplicações:

(a) Deve-se aplicar a lei vigente ao tempo da conduta, salvo se a do tempo do resultado for mais benéfica.

(b) A imputabilidade é verificada ao tempo da conduta. Não podemos punir o adolescente que, horas antes de completar 18 anos, atira em seu desafeto, que somente vem a falecer depois de atingir a maioridade penal.

(c) No crime permanente, em que a conduta tenha se iniciado sob a vigência de uma lei, prosseguindo sob o império de outra, aplica-se a lei nova, mesmo que mais severa.

Isso ocorre porque, no crime permanente, há uma ofensa contínua ao bem jurídico protegido, pois a conduta, em verdade, continua sendo executada após a entrada em vigor da nova lei.

Como exemplo, podemos mencionar o seqüestro. Imagine que Fred Morte tire a liberdade da vítima com o fim de obter certa quantia em dinheiro, como preço do resgate. Enquanto Morte mantém a vítima no cativeiro, vem nova lei, aumentando a pena do crime descrito no artigo 159 do CP. Vejam! Ele continua praticando a conduta de privar a vítima de sua liberdade, não é mesmo? Então, ele está praticando a conduta, também, quando da vigência da nova lei.


Assim, deverá responder pela pena mais grave.

(d)No crime continuado, se surge lei mais severa, agravando a pena para aqueles crimes que estão sendo cometidos em continuidade, e o sujeito continua praticando aquelas mesmas condutas, aplica-se a lei nova a toda série delitiva. Afinal, o sujeito já sabe que será maior a reprimenda. Assim, praticando novas condutas, está aceitando a agravação da pena.

O exemplo mencionado em aula foi, justamente, o caso do zelador que, de 15 em 15 dias, subtraía parte da aposentadoria de um velhinho, morador do prédio.

(e)No crime habitual, aplica-se também a nova lei, mesmo que mais severa, caso o agente continue reiterando a conduta criminosa. Como exemplo podemos mencionar os crimes de casa de prostituição e o charlatanismo.

(f) A medida de segurança, por sua vez, é regida pelo princípio da anterioridade. Surgindo, assim, após a prática do crime, medida de segurança que venha a prejudicar o réu, ela não poderá ser aplicada.



EFICÁCIA DA LEI PENAL NO ESPAÇO.


Direito Penal Internacional. Princípios.

A lei penal é feita justamente para viger dentro dos limites em que o Estado exerce sua soberania. Assim, se cada Estado possui sua própria soberania, deverá haver a delimitação espacial de seu âmbito de eficácia, para que um Estado não invada a soberania do outro.

O direito penal internacional é o conjunto de princípios e normas que disciplinam os conflitos de lei no espaço. Embora seja denominado direito internacional, em verdade, trata-se de direito público interno, disciplinado no próprio Código Penal, dos artigos 5° ao 9° .

Já o direito internacional penal é o ramo do direito que visa a cominar penas aos Estados infratores da lei penal. Podemos dizer que, nesse conceito, ingressariam os crimes de guerra, contra a paz, contra a humanidade, de discriminação racial etc. Em verdade, esse direito ainda não existe, mas os seus princípios, aos poucos, têm sido elaborados.

Por sua vez, o direito penal internacional existe na legislação interna de cada um dos Estados. Existe, justamente, para regular os conflitos de leis penais no espaço, ou seja, para as hipóteses em que um crime lesionar bens jurídicos de dois ou mais países.

Existem cinco princípios, previstos no Código, para tentar solucionar os conflitos penais no espaço. São eles:


1.. Princípio da territorialidade.

2.. Princípio da nacionalidade.

3.. Princípio da defesa.

4.. Princípio da Justiça Penal Universal.

5.. Princípio da representação.


Estudemos cada um deles.


A.. PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE.

Segundo esse princípio, a lei penal somente tem aplicação no território do Estado que a criou.

Também é conhecido como princípio territorial exclusivo ou absoluto, uma vez que exclui a aplicação da lei penal de um país fora de seu território.

Tem por fundamento os aspectos processual, repressivo e internacional.

Processualmente, seria muito difícil processar-se um cidadão em país diverso daquele em que o delito foi praticado.

Pelo aspecto repressivo, a aplicação da sanção penal em outro local que não o da prática da infração excluiria a função intimidativa da pena.

Sob o aspecto internacional, o monopólio do direito de punir, que pertence ao Estado, em seus limites territoriais, exclui a interferência de outro, tutelando-se, assim, o princípio da soberania.

Geralmente, as legislações penais adotam a territorialidade como princípio fundamental. No entanto, temperam o seu rigor permitindo a aplicação de outros princípios.



B.. PRINCÍPIO DA NACIONALIDADE.

Segundo tal princípio, a lei penal do Estado é aplicável a seus cidadãos, não importando onde eles se encontrem. O que importa é a nacionalidade do sujeito.



Tal princípio também é denominado de princípio da personalidade, porque o Estado entende pessoal a norma punitiva e a aplica ao nacional.

Seu fundamento é que o cidadão, mesmo que se encontre no estrangeiro, deve sempre obediência às leis de seu país.

O princípio da nacionalidade, ainda, divide-se em : princípio da nacionalidade ativa e passiva.

No caso da nacionalidade ativa, a lei nacional se aplica ao cidadão que comete crime no estrangeiro, independentemente da nacionalidade da vítima.

Por sua vez, o princípio da nacionalidade passiva exige que o fato praticado pelo nacional no estrangeiro atinja um bem jurídico de seu próprio Estado ou de um outro cidadão desse mesmo Estado.

Por esse último princípio, um crime praticado por um brasileiro, na Argentina, somente seria punido pela nossa lei se houvesse lesão a um bem jurídico do Brasil ou de outro brasileiro.



C.. PRINCÍPIO DA DEFESA (REAL OU DA PROTEÇÃO).

Tal princípio leva em conta a nacionalidade do bem jurídico lesado pelo crime, sem se importar com o local de sua prática ou com a nacionalidade do agente.

Esse princípio, ultimamente, tem sido prestigiado, uma vez que os Estados sentem necessidade de proteger seus interesses que, muitas vezes, acabam sendo lesados pelos estrangeiros.




D.. PRINCÍPIO DA JUSTIÇA PENAL UNIVERSAL

Princípio universal, da universalidade da justiça cosmopolita, da jurisdição mundial, da repressão universal e da universalidade do direito de punir

Determina o poder de cada Estado punir qualquer crime, pouco importando a nacionalidade do delinqüente e da vítima, ou onde foi ele praticado. Para que ao sujeito seja imposta uma pena, basta encontrar-se dentro do território de um país.




E.. PRINCÍPIO DA REPRESENTAÇÃO.

Em razão desse princípio, a lei penal de determinado Estado também é aplicada aos delitos cometidos em aeronaves e embarcações privadas, quando realizados no estrangeiro e aí não venham a ser julgados.


Princípios adotados pelo CP.

Quais os princípios adotados pelo Código Penal?

Como regra, adotou-se o princípio da territorialidade, sendo os demais exceções.

O artigo 5° do CP traz, justamente, a regra, ou seja, o princípio da territorialidade. O artigo 7°, inciso I, e parágrafo 3° do CP, adotou o princípio da proteção (real). Já o art.7° , inciso II, alínea "a", o princípio da justiça universal.

Por sua vez, o inciso II, "b", desse mesmo artigo 7° , adotou o princípio da nacionalidade ativa, e a alínea "c", o da representação.


Territorialidade.

O artigo 5° , "caput", já mencionado, determina que: "Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional."

Assim, verifica-se que o princípio foi adotado como regra, possibilitando-se, no entanto, que convenções tratados ou regras de direito internacional tragam estipulações diversas. Portanto, em determinados casos, é possível que tenha eficácia a norma de outros países.

Mas o que deve ser considerado território?

O território pode ser considerado sobre dois aspectos: material e jurídico.

Interessa-nos, aqui, o conceito jurídico de território. Juridicamente, o território abrange todo o espaço em que o Estado exerce sua soberania. Assim, o território nacional pode ser definido como o espaço terrestre, marítimo ou aéreo, sujeito à soberania do Estado, quer seja compreendido entre os limites que o separam dos Estados vizinhos ou do mar livre, quer esteja destacado do corpo territorial principal, ou não.

Podemos dizer, portanto, que o território possui as seguintes partes:

1.. O solo ocupado pela corporação política, sem solução de continuidade e com limites reconhecidos.

2.. Regiões separadas do solo principal.

3.. Rios, lagos e mares interiores.

4.. Golfos, baías e portos.

5.. Parte que o Direito Internacional atribui a cada Estado, sobre os mares, lagos e rios contíguos.

6.. A faixa de mar exterior, que corre ao longo da costa e constitui o "mar territorial".

7.. O espaço aéreo.

8.. Os navios e aeronaves, em determinadas situações.

Os rios tanto podem ser nacionais como internacionais. Os nacionais correm pelo território de um só Estado. Já os internacionais podem ser simultâneos (contínuos) ou sucessivos (interiores).

Os simultâneos são os que separam os territórios de dois ou mais países. Um exemplo é o Rio Guaporé, que separa o Brasil da Bolívia. Já os rios sucessivos são os que passam pelo território de dois ou mais países, como, por exemplo, o Rio Solimões, que passa pelos territórios tanto do Brasil quanto do Peru.

Se o rio internacional constitui limite entre dois países, poderá ele pertencer a um dos Estados. Nesse caso, a fronteira passará pela margem oposta. No entanto, pode, também, pertencer a dois países. Nesse caso, termos duas soluções: a divisa pode passar por uma linha determinada pela eqüidistância das margens, linha mediana do leito do rio, ou, então, por uma linha que acompanhe a de maior profundidade da corrente.

Se o rio for sucessivo, há de se equiparar ao mar territorial, exercendo o Estado jurisdição sobre o trecho de seu território.

Quanto aos lagos e lagoas, não havendo disposição em contrário, o limite que separa os dois países será justamente a linha da meio distância entre as margens.

Ainda, verificamos que o mar territorial também faz parte do território. Mas o que seria o mar territorial?

Não se pode considerar o alto mar como território de um só Estado. No entanto, o mesmo não se aplica às partes de águas marítimas que, banhando as costas de um Estado, constituem fronteiras naturais. Assim, o mar litoral deve ser considerado parte do território dos Estados, devendo considerar os delitos praticados nas águas territoriais de um Estado como cometidos em seu território. Por isso a necessidade de se delimitar o mar territorial.



A delimitação se encontra, justamente, no artigo 1° da Lei 8.617, de 4-1-93, que determina que o mar territorial do Brasil abrange uma faixa de 12 milhas marítimas de largura, medidas a partir do baixa-mar do litoral continental e insular brasileiro.

Ainda, o artigo 5° , parágrafo 1° , do CP, deixa claro que "para efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar."

Como se verifica, os navios tanto podem ser públicos como privados. Os públicos seriam os navios de guerra, em serviços militares, em serviços públicos, como, por exemplo, a polícia marítima, alfândega etc., e os postos a serviço de soberanos, chefes de Estado ou representantes diplomáticos. Por sua vez, os navios privados são os mercantes, de recreio etc..

Os navios públicos sempre serão considerados parte de nosso território, estejam onde estiverem (em mar territorial nacional, estrangeiro, ou em alto-mar). Assim, sempre que o crime for praticado em navio público, nossa Justiça será competente para apreciar os crimes nele praticados, de acordo com o disposto no art. 5° , parágrafo 1° , primeira parte.

O mesmo não ocorre em relação aos navios privados. Esses, quando em alto-mar, deverão seguir a bandeira que ostentam no mastro. No entanto, quando em portos estrangeiros, ou em mares territoriais estrangeiros, seguirão a lei do país em que se encontram, conforme o artigo 5° , parágrafo 1° , segunda parte.

Basileu Garcia, em sua obra "Instituições de direito penal", coloca a seguinte questão: "Se alguém comete um crime em uma jangada, após naufrágio, ou nos destroços de um navio naufragado, a que lei fica adstrito? Se a jangada foi feita com os destroços do navio, segue-se a lei da nação a que pertence o navio. Aquele material de que foi construída a improvisada embarcação ainda representa o navio e, portanto, o Estado respectivo. Se a embarcação foi feita com destroços de dois navios - suponha-se o caso de abalroamento - opina-se que o delinqüente fica submetido à lei do seu próprio Estado, aplicando-se o critério da personalidade."(e.ed., Max Limonad, 1980, v.1, t.1, p.181)

Por sua vez, os navios estrangeiros públicos, mesmo que em águas territoriais brasileiras, não podem ser considerados parte de nosso território. Os crimes neles cometidos devem ser julgados de acordo com a lei da bandeira que ostentam.

No entanto, na mesma hipótese, se forem de natureza privada, é claro que há de se aplicar a nossa legislação, uma vez que eles estarão em nosso território (art.5, parágrafo 2° , do CP).




Neste sentido:

"Crime cometido a bordo de navio mercante estrangeiro em águas territoriais Brasileiras - Prática que importa perturbação da tranqüilidade da nação - Aplicação da lei penal nacional - Incidência do art.301 do Código de Bustamante afastada, tanto mais quando os países de nacionalidade de autor e vítima e da bandeira do navio não são signatários da Convenção de Havana de 1928.

Ementa oficial: Penal. Crime cometido a bordo de navio mercante. Aplicação da lei penal brasileira. Código de Bustamante. Ao crime cometido em águas territoriais do Brasil a bordo de navio mercante de outra nacionalidade se aplica a lei penal brasileira, afastada a incidência do art.301 do Código de Bustamante, por importar a sua prática em perturbação da tranqüilidade do nosso País, tanto mais quando os países de nacionalidade de autor e vítima e da bandeira do navio não são signatários da Convenção de Havana de 1928."(RHC 853, BA, Sexta Turma, j.12.11.90, rel. Ministro Dias Trindade - DJU 3.12.90, RT-665/353)

A que lei fica sujeito, entretanto, o marinheiro que, pertencendo a navio público, desce em porto de outro Estado e pratica um crime? Depende. Se desceu a serviço do navio, fica sujeito à lei penal da bandeira que o mesmo ostenta. Mas se desceu por motivo particular, ficará sujeito à lei local.

E se o sujeito pratica um crime em terra, abrigando-se em navio público ancorado em porto estrangeiro? Também depende. Se o delito for de natureza política, o comandante não estará obrigado a devolvê-lo à terra, mas se for de natureza comum, deverá entregá-lo, sim, havendo requisição do governo local.

Quanto ao domínio aéreo, temos três teorias: a primeira é a da absoluta liberdade do ar, a segunda, da absoluta soberania do país subjacente, e a última, da soberania até a altura dos prédios mais elevados do país subjacente.

No Brasil, adotamos, justamente, a segunda, respeitando-se, pois, a absoluta soberania do país subjacente.

Da mesma maneira que os navios, as aeronaves podem ser públicas ou privadas. Assim, podemos aplicar os mesmos princípios expostos em relação aos navios, também, às aeronaves.

Portanto, as aeronaves militares, assim como as civis de propriedade ou a serviço de nosso Estado, por ele diretamente utilizadas, de acordo com o Código Brasileiro de Aeronáutica, são consideradas situadas em nosso território.

Por sua vez, as de natureza privada também são consideradas situadas em nosso território quando estiverem em alto-mar ou em região que não pertença a qualquer Estado. Fora daí, estará em território estrangeiro.


LUGAR DO CRIME. TEORIAS.

Qual a importância de determinarmos o lugar em que o crime se considera praticado? Ora, tal questão é decisiva no tocante à competência penal internacional.

O problema surge quando o crime se desenrola em lugares diversos. Imagine, por exemplo, que os atos executórios (esfaquear alguém) ocorram em um determinado local, e o resultado (morte), em outro.

Ainda, pode ocorrer de a conduta ser praticada no mesmo país da ocorrência do resultado. Mas há casos em que a conduta é cometida em um determinado Estado e o resultado se produz em outro.

Na primeira hipótese, quando o sujeito pratica os atos executórios em uma determinada comarca e o resultado se produz em outra, dentro do território nacional, a questão da competência é solucionada através do disposto no artigo 70, "caput", do CPP, que determina: "A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração."

Entretanto, quando a questão é colocada em termos internacionais (os atos executórios ocorrem em um país e o resultado em outro), a solução não é tão simples, haja vista que as legislações penais internas dos países envolvidos podem ser distintas.

Nélson Hungria traz os seguintes exemplos:

a) Na fronteira Brasil-Bolívia, um cidadão brasileiro, que se encontra em território nacional, atira em outro, em solo boliviano, vindo este a falecer.

b) Um francês, na Argentina, envia uma carta-bomba um brasileiro, que se encontra no Rio de Janeiro, vindo essa a explodir e matar a vítima.

c) Um brasileiro atravessa a fronteira Brasil-Uruguai, atirando num argentino, que vem a sofrer somente ferimentos.

A quem caberá o direito de punir?

Para a solução do problema, têm sido utilizadas três teorias principais:

1.. Teoria da atividade.

2.. Teoria do resultado.

3.. Teoria da ubiqüidade.

De acordo com a teoria da atividade, o lugar do crime é aquele em que o agente praticou os atos executórios.
Assim, se a vítima foi ferida em um país, mas vem a morrer no outro, o primeiro será o competente para apreciar a questão. Se os atos executórios foram praticados no Brasil, para essa teoria, a competência para a apreciação do caso será nossa.

Já, segundo a teoria do resultado, o lugar do delito é, justamente, onde se produziu o resultado. Assim, o país competente para a apreciação do homicídio será aquele em que ocorreu a morte da vítima. No primeiro exemplo (de Hungria), por essa teoria, a competência seria da Justiça boliviana.

Por último, de acordo com a teoria da ubiqüidade, o lugar do crime é tanto o local onde ocorreu a prática de atos executórios, assim como onde ser consumou o delito (ocorreu o resultado).

No primeiro exemplo, a competência seria dos dois países.

Essa ultima teoria tem sido a mais adotada na doutrina e nas legislações penais.

Restou adotada, inclusive, em nosso Código Penal, no artigo 6° , que determina: "Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou devia produzir-se o resultado."

Assim, quando o crime tem início em território estrangeiro e se consuma no Brasil, considera-se que ele foi praticado no Brasil.

De acordo com essa teoria, aplica-se a lei penal brasileira ao fato de alguém, em território boliviano, atirar na vítima que se encontra em nosso território, vindo a falecer. Também se aplica a lei brasileira, se um estrangeiro enviar uma caixa de doces envenenados à pessoa que viva no Brasil.

Também, aplica-se a legislação brasileira, quando os atos executórios do crime são praticados em nosso território, mesmo que o resultado se produza em outro país.

Veja! Basta, simplesmente, que parcela da conduta criminosa ocorra em nosso território, para que se aplique a lei brasileira. Por isso, Nélson Hungria afirmava que era imprescindível (necessário) que "o crime tenha tocado o território nacional."

No entanto, não basta que os atos preparatórios e os posteriores à consumação aconteçam no Brasil, porque, nesse caso, ainda não começaram os atos executórios, ou, simplesmente, já se produziu o resultado.

Ainda, verifica-se que o artigo 6° , inclusive, tratou das hipóteses de tentativa, afirmando que o local do crime é tanto o local onde praticou-se a conduta, como aquele em que "deveria produzir-se o resultado".

A Teoria da Ubiqüidade tem importância jurídica, nos denominados "crimes a distância", quando os atos executórios e o resultado ocorrem em local diverso. Imagine que a conduta seja praticada na Argentina e o resultado se produza no Brasil.

Basta que o crime toque o nosso território para que se possa aplicar a lei nacional, independentemente de o fato ter sido ou não punido no estrangeiro.

Esse rigorismo, entretanto, resta atenuado pelo artigo 8° do CP, de dispõe que: "A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas."

A competência da autoridade brasileira, relativamente aos crimes a distância, é fixada pelos parágrafos 1° e 2° do art.70 do CPP, que determina: "Se, iniciada a execução em território nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução."(parágrafo 1° )

"Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado."(parágrafo 2° )

Nos crimes complexos, aplica-se a regra do artigo 6° (sobre o lugar do crime), mesmo que só o delito-meio, tenha sido cometido em território brasileiro.

Imagine que o sujeito falsifique um documento para utilizá-lo no estrangeiro. O crime de falsificação (crime-meio) restará absorvido pelo crime de utilização de documento falso (crime-fim). Veja que, para que se utilize o documento falso, mostra-se necessária a anterior falsificação. Assim, o sujeito somente responderá pelo segundo crime, uma vez que o primeiro é o caminho necessário para a prática do segundo.

O mesmo ocorre nos casos de furto de residência. Ora, o sujeito terá de invadir o domicílio da vítima (art.150 do CP) para poder efetuar a subtração (art.155 do CP).

Em relação ao concurso de pessoas, o lugar do crime é tanto aquele em que foram praticados os atos de participação quanto os de produção do resultado.

Assim, se um sujeito, no Brasil, instigar o genro a matar a sogra, nos Estados Unidos, nosso país será competente para apreciar a matéria.

Também, nos crimes permanentes e continuados, aplicar-se-á a lei nacional quando algum dos fatos constitutivos tenha sido praticado m nosso território, já que são considerados delitos unitários.

Nos crimes habituais, por sua vez, o local do crime é aquele em que qualquer das condutas pertencentes ao crime for praticada.


Em relação aos crimes conexos (aqueles que possuem uma ligação), não tem aplicação a teoria da ubiqüidade, uma vez que não constituem fato unitário.

Assim, se o furto é cometido no estrangeiro, e a receptação, no Brasil, a competência nacional só abrange o segundo crime. Nesse sentido, o artigo 303 do Código Bustamante: "Se se trata de delitos conexos em territórios de mais de um Estado contratante, só ficará subordinado à lei de cada um o que for cometido no território."



EXTRATERRITORIALIDADE.

Como vimos, nosso legislador adotou, no artigo 5° do CP, como regra, o princípio da territorialidade. Mas, como toda regra tem sua exceção, tal dispositivo traz, em seu próprio corpo, a possibilidade de renúncia de jurisdição do Estado, através de tratados, convenções e regras de direito internacional.

Assim, podemos afirmar que adotamos, em verdade, o princípio da territorialidade temperada, possibilitando-se, em algumas hipóteses, a aplicação da lei penal estrangeira a crimes cometidos em nosso território.

O artigo 7° traz um rol de casos em que a lei penal brasileira é aplicada aos delitos cometidos em território estrangeiro, determinando que:

"Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro:

I - os crimes:

1.. contra a vida ou a liberdade do Presidente da República;

2.. contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público;

3.. Contra a administração pública, por quem está a seu serviço;

4.. De genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil;


II - os crimes:

1.. que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir;

2.. praticados por brasileiro;


3.. praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados."

Vejam! Esse artigo, expressamente, possibilita a aplicação de outros princípios, distintos do princípio da territorialidade, em determinadas situações. Assim, alguns crimes cometidos no estrangeiro são alcançados pela lei nacional. Tal fenômeno é denominado extraterritorialidade da lei brasileira.

Como já colocamos outrora, o artigo 7° , em seu inciso I, adotou o princípio real ou da proteção. Já a alínea "a", do inciso II, adotou o princípio da justiça universal, a alínea "b", o princípio da personalidade ativa, e a alínea "c", o princípio da proteção ou real.

Ainda, o artigo 7° vai mais longe. Em seu parágrafo 3° , afirma que "a lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil", presentes determinadas condições. Temos, aqui, também, a aplicação do princípio de proteção ou real.

Podemos, então, dividir a extraterritorialidade excepcional em: condicionada e incondicionada.

A extraterritorialidade excepcional incondicionada resta prevista nos casos do inciso I, do artigo 7° (crimes cometidos no estrangeiro contra a vida ou liberdade de nosso Presidente; contra o patrimônio ou fé pública da União, Distrito Federal, Estado, Município, empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação estatuída pelo Poder Público; contra a administração pública, por quem está a seu serviço; e de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil).

Nesses casos, para que se aplique a lei brasileira, não se exige a existência de qualquer condição, uma vez que esses crimes ofendem bens jurídicos de suma importância, afetando os interesses mais relevantes do nosso país.

Assim, se o sujeito praticar um dos delitos previstos nas alíneas do inciso I do artigo 7° , será "punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro"(parágrafo 1° ).

Observem, porém, que o rigor desse parágrafo 1° vem amenizado pelo artigo 8° , que determina: "A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas."

Como vimos, a alínea "a" do inciso I do artigo 7° do CP cuida, justamente, dos crimes cometidos contra a vida ou a liberdade do Presidente da República.

O Código refere-se, justamente, aos crimes de homicídio e de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, e aos crimes previstos no Capítulo VI (arts.146 a 154 do CP). Não se refere aos crimes contra o patrimônio. Assim sendo, não se aplica a lei brasileira, nos casos de latrocínio, extorsão mediante seqüestro, dentre outros.

Por sua vez, Damásio sustenta que esses crimes constituem, em verdade, delitos contra a Segurança Nacional, previstos nos artigos 28 e 29 da Lei n. 7170/83.

Já as alíneas "b" e "c" tratam dos crimes previstos nos artigos 289 a 326 do CP.

E a alínea "d" trata do crime de genocídio cometido no estangeiro, por brasileiro ou por pessoa domiciliada em nosso país. Esse crime resta previsto na Lei n° 2.889/56. Pode ser definido como crime perpetrado com a intenção de destruir grupos étnicos, sociais, religiosos ou nacionais.

Observem, no entanto, que, se esse crime for praticado por estrangeiro contra brasileiro, há de se aplicar o parágrafo 3° do artigo 7° do CP, que fala, justamente, dos crimes cometidos por estrangeiros contra brasileiros, fora do nosso território.

São todos casos de aplicação do princípio da proteção(defesa, real), em que a necessidade de tutela dos interesses da comunidade nacional justifica a maior flexibilidade para a aplicação da lei penal brasileira.

No entanto, na última hipótese (genocídio), Mirabete sustenta que fora adotado o princípio da justiça universal.

Esses são os casos de extraterritorialidade excepcional incondicionada. No entanto, como já dissemos, há os casos de extraterritorialidade excepcional condicionada. Dentre eles, podemos mencionar:

1.. crimes que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir ("a", II, art.7° );

2.. crimes praticados por brasileiro no estrangeiro ("b");

3.. delitos praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados ("c");

4.. crimes cometidos por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil (artigo 7° , parágrafo 3°).

A extraterritorialidade, no caso, é chamada "condicionada", porque exige a presença de alguns requisitos para que se possa aplicar a lei brasileira.

O primeiro caso é, justamente, daqueles crimes que o Brasil se obrigou a reprimir, por tratado ou convenção. Verifica-se, pois, na hipótese, a adoção do princípio da justiça universal

Trata dos crimes chamados internacionais, como, por exemplo, o tráfico de mulheres, a difusão de publicação obscenas, de entorpecentes e destruição ou danificação de cabos submarinos.

Em verdade, todas as nações têm interesse em reprimir práticas que afetam bens jurídicos gerais. Verifica-se, pois, que o interesse em punir determinados crimes acaba até mesmo ultrapassando as fronteira de qualquer país.

O segundo caso é o dos crimes praticados por brasileiro, no estrangeiro ("b"). Veja que, aqui, adotou-se o princípio da nacionalidade ativa. Ele se aplica porque o Brasil tem interesse em punir o nacional que delinqüiu no estrangeiro, segundo nossas leis, vedando a sua extradição, de acordo com o artigo 77, II, da lei 6.815/80, e o artigo 5° , LI, da Constituição Federal).

O terceiro caso trata das hipóteses de crimes cometidos em aeronaves ou embarcações brasileiras, de natureza privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados.

Imagine, por exemplo, que um italiano mate um alemão, a bordo de um navio mercante brasileiro, em águas territoriais cubanas, e aí não seja julgado.

Pelo princípio da representação, adotado na alínea "c", do inciso II, do artigo 7° do CP, o Brasil terá jurisdição para a apreciar a questão. Trata-se de aplicação subsidiária da lei brasileira.

O quarto caso é, justamente, do crime praticado por estrangeiro contra brasileiro, fora do nosso país. Nesse caso, verifica-se a adoção do princípio da proteção ou real (defesa), embora Nélson Hungria e Fragoso entendam que o Código teria adotado o princípio da personalidade passiva.

Ousamos discordar dos mencionados mestres, haja vista que, como já estudamos outrora, o princípio da nacionalidade passiva exigiria que tanto agente como vítima fossem nacionais.

Ainda, nas quatro hipóteses acima mencionadas, exige-se a presença das seguintes condições, para que possamos, de fato, aplicar a lei brasileira:

1.. Entrar o agente do delito, em nosso território.

2.. Ser o fato punível, também, no país em que foi ele cometido;

3.. Estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira admite a extradição;

4.. Não ter sido absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena;

5.. Não ter sido o sujeito perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável.

Ainda, há de se observar que, no caso de crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, ainda são exigidas mais duas condições, sejam elas: que não tenha sido pedido ou tenha sido negada a extradição ( parágrafo 3° , "a" ) e haja requisição do Ministro da Justiça ("b").
Notem que todas essas condições devem estar presentes simultaneamente, ou seja, ao mesmo tempo. Faltando qualquer delas, não poderemos aplicar a legislação brasileira.

A primeira condição é a entrada do agente no território nacional, pouco importando se o ingresso é ou não voluntário, se sua presença é longa ou rápida, se veio a passeio ou a negócio, legal ou clandestinamente.

A ação penal não poderá ser proposta sem que o agente entre em nosso território, vedando-se assim o processo penal contra ausentes. Se, no entanto, o sujeito ingressar no nosso território no início da ação e, depois, sair, novamente, do país, o processo há de prosseguir à sua revelia.

Ainda, exige-se que o fato seja punido, também, no país onde foi praticado, ou seja, que a lei do outro país o preveja como crime, pouco importando o seu nome.

Assim, se em razão da diversidade de legislações, um fato for considerado crime no Brasil, mas não onde foi ele praticado, pode haver a exclusão da jurisdição brasileira.

Se o fato for punível no Brasil como contravenção e no exterior, como crime, não incidirá a lei brasileira (artigo 2° da Lei das Contravenções Penais). O mesmo ocorre na situação inversa.

Ainda, se um brasileiro praticar um delito em região que não segue a lei de qualquer país (em alto-mar, ou em região polar), acabará respondendo de acordo com as leis de seu país.

Isso porque, de acordo com o disposto na resolução do Instituto de Direito Internacional de Munich (1833), os "nacionais se consideram responsáveis, de acordo com as leis de sua pátria, em toda infração praticada em países não submetidos a soberania alguma."

A terceira condição é "estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição." Trata-se de condição objetiva de punibilidade.

Mas quando a Lei de Estrangeiro (Lei n° 6.815/80) impede a extradição?

Nas seguintes hipóteses:

1.. Quando se tratar de brasileiro, salvo se a aquisição dessa nacionalidade verificar-se após o fato que motivar o pedido.

2.. Quando o fato que motivar o pedido não for considerado crime no Brasil ou no Estado requerente.

3.. Quando o Brasil for competente, segundo suas leis, para julgar o crime imputado ao extraditando.



4.. Quando a lei brasileira impuser ao crime a pena de prisão igual ou inferior a um ano.

5.. Quando o extraditando estiver respondendo a processo ou já houver sido condenado ou absolvido no Brasil pelo mesmo fato em que se fundar o pedido.

6.. Quando estiver extinta a punibilidade pela prescrição segundo a lei brasileira ou a do Estado requerente.

7.. Quando o fato constituir crime político.

8.. Quando o extraditando houver de responder, no Estado requerente, perante Tribunal ou Juízo de exceção.


Também, o artigo 91, III, do Estatuto dos Estrangeiros determina que, no caso de pena de morte, não será efetuada a entrega sem que o Estado requerente assuma o formal compromisso de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, salvo, é claro, nas hipóteses em que a lei brasileira permite a aplicação da pena de morte.

Outro requisito é, justamente, não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou lá ter cumprido pena.

Nesse caso, se o agente foi absolvido ou cumpriu a pena no estrangeiro, ocorre uma causa de extinção da punibilidade. Se, por sua vez, a sanção foi cumprida parcialmente, novo processo pode ser instaurado no Brasil, atendendo-se ao disposto no artigo 8° do Código Penal.

Ainda, por último, exige-se que o agente não tenha sido perdoado no estrangeiro, ou não tenha ocorrido a extinção da punibilidade, segundo a lei mais favorável. Assim, se houver qualquer dessas causas de extinção da punibilidade, não poderemos aplicar a legislação brasileira.

Como já frisamos, no caso do crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do território nacional, são necessárias mais duas condições: que não tenha sido pedida a extradição ou tenha sido ela negada, e mais, que haja requisição ministerial.

Dificilmente, ocorrem situações como essa.









CONTRAVENÇÕES.

Não se aplica o princípio da extraterritorialidade às contravenções, uma vez que o artigo 2° da Lei das Contravenções Penais, "a lei brasileira só é aplicável à contravenção praticada em território nacional."

Regra do "no bis in idem".

O artigo 8° determina que "a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas."

Esse dispositivo trata, justamente, dos casos em que a lei brasileira aplica-se a crime praticado no estrangeiro, prevendo a hipótese de o agente já ter cumprido pena nesse país.

Veja que tal artigo é útil somente quando tratamos das hipóteses de extraterritorialidade incondicionada, uma vez que um dos requisitos da extraterritorialidade condicionada é, justamente, não ter o agente cumprido pena no estrangeiro (artigo 7° , II, parágrafo 2° , "d", do CP).

Ora, o cumprimento da pena no país em que o sujeito cometeu o delito acaba, inviabilizando a aplicação da lei penal brasileira, na hipótese acima retratada.

Note, no entanto, que se o sujeito cumpriu parcialmente a pena imposta no estrangeiro, e ingressou em nosso território, essa regra (do artigo 8° ), também, terá utilidade para a extraterritorialidade condicionada.

Tal dispositivo é importante, na medida em que afasta o "bis in idem", ou seja, a duplicidade de repressão pelo mesmo fato.

Verifica-se que a diversidade de penas pode ser tanto em qualidade quanto em quantidade.

Dizemos que ocorre a diversidade qualitativa quando as penas são de espécies diversas. Por exemplo, no caso de uma pena de multa no estrangeiro e uma pena de reclusão, no Brasil. Nessa hipótese, a pena que foi cumprida no estrangeiro acaba atenuando, obrigatoriamente, a imposta no Brasil.

Portanto, no exemplo citado, se a multa for paga, a pena imposta no Brasil, necessariamente, será atenuada. Se a pena de multa for paga antes de o juiz brasileiro proferir a sentença, deverá ele efetuar a redução. Se, no entanto, for paga depois da sentença, mas antes do trânsito em julgado, a diminuição deverá ser efetuada pelo Tribunal que apreciar o recurso. Ainda, se for paga após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória brasileira, tal incumbência caberá ao juiz das execuções.



Por seu turno, a diversidade quantitativa ocorrerá quando as penas são da mesma espécie. Imagine que o sujeito é condenado no estrangeiro a dois anos de reclusão, e, no Brasil, a três.

Nesse caso, haverá a detração penal, pois a pena cumprida no exterior será computada na pena imposta no Brasil.

Mas e se a pena imposta no exterior for superior à imposta no Brasil? Nesse caso, cumprindo a pena no estrangeiro, não terá mais de cumpri-la no Brasil.




Eficácia da sentença penal estrangeira.

Conforme acima verificado, as sentenças absolutórias estrangeiras relativas a crimes cometidos fora do Brasil, nos casos de extraterritorialidade condicionada, impedem que o crime seja objeto de novo julgamento.

Se, no entanto, houve sua condenação no exterior, mas ainda não cumpriu a pena, entrando ele no território nacional poderá a vir ser processado.

Não se pode, entretanto, executar a sentença penal estrangeira, pois o agente tem direito a um novo julgamento, de acordo com as nossas leis.

Em verdade, havendo condenação no exterior, somente não serão objeto de novo julgamento os casos de extraterritorialidade condicionada, caso o agente tenha cumprido a pena que lhe foi aplicada no estrangeiro.

Já, nos casos de extraterritorialidade incondicionada, as sentenças penais estrangeiras, absolutórias ou condenatórias não têm efeito de impedir que o crime seja objeto de um novo julgamento no Brasil.

Entretanto, caso haja condenação, o cumprimento da pena no exterior acaba atenuando a pena imposta no Brasil, de acordo com o disposto no art.8O do CP.

No que diz respeito às sentenças estrangeiras que têm por objeto crimes cometidos em território nacional, não podem elas ser executadas no Brasil, não podendo produzir, aqui, qualquer efeito. Isso ocorre porque, como já vimos, aos crimes cometidos no território nacional, aplica-se a lei brasileira.

O reconhecimento dessas sentenças seria incompatível com o princípio da soberania territoriais. Assim, verifica-se que essas sentenças não terão eficácia de coisa julgada, possibilitando que haja um novo julgamento no Brasil.

Nosso direito, entretanto, reconhece a sentença penal estrangeira, em relação aos delitos cometidos fora do território nacional. No entanto, para a produção de dois efeitos (obrigar o condenado à reparação do dano, a restituição e outros efeitos civis, assim como sujeitá-lo à medida de segurança), exige-se a homologação do Supremo.

Nessas duas hipóteses, o artigo 9° do CP condiciona o reconhecimento da sentença aos seguintes requisitos:

1.. Que a lei brasileira produza na espécie as mesmas conseqüências.

2.. Que o delito tenha sido praticado no estrangeiro.

3.. Que haja homologação da sentença.

A homologação com vistas a obrigar o condenado à reparação do dano, restituições e outros efeitos civis dependerá sempre do requerimento da parte interessada.

Por sua vez, a homologação com vistas a sujeitar o condenado à medida de segurança dependerá da existência de tratado de extradição com o país que proferiu a sentença, ou, na falta desse tratado, de requisição do Ministro da Justiça. Ainda, o Procurador-Geral da República terá legitimidade para o pedido.

Antes da homologação, deverá o Supremo verificar se estão presentes os requisitos formais exigidos pela lei brasileira (juiz competente, citação válida, autenticação por cônsul brasileiro, tradução por tradutor público e trânsito em julgado).

Tais requisitos estão previstos no artigo 788 do CPP e no artigo 217 do Regimento Interno do STF.

Ainda, deve-se assinalar que, para produzir outros efeitos penais, como, reincidência, livramento condicional e "sursis", não haverá a necessidade de homologação, sendo que essa somente é necessária nas duas hipóteses previstas no artigo 9O do CP..














EFICÁCIA DA LEI PENAL EM RELAÇÃO A PESSOAS QUE EXERCEM DETERMINADAS FUNÇÕES PÚBLICAS.

Introdução.

Como já vimos outrora, em razão do princípio da igualdade (art.5° , caput, da CF), a lei penal aplica-se a todos os cidadãos que se encontrem em nosso território.

No entanto, o princípio da obrigatoriedade da lei penal não se aplica a determinados casos, em razão das funções públicas que algumas pessoas exercem.

Esses privilégios, em verdade, não são concedidos em relação à pessoa, mas em razão da função que ela exerce, originando-se de tratados, convenções ou regras de direito internacional, ou de determinações de direito público interno.

Temos tanto privilégios que impedem a aplicação da jurisdição criminal do Estado, como aqueles que sujeitam os privilegiados a regras especiais nas ações penais.

Tais privilégios, por serem funcionais, e não pessoais, não excepcionam o princípio da igualdade.



Imunidades diplomáticas.

As imunidades diplomáticas, originárias do Direito Internacional, excluem os Chefes de Estado e os representantes dos governos estrangeiros da jurisdição criminal dos países onde se encontram acreditados.

Aníbal Bruno colocava que, em verdade, essas pessoas cometiam crimes, escapando, no entanto, da punição, em razão da exclusão da jurisdição penal.

Os representantes diplomáticos não se sujeitam à jurisdição criminal do país onde estão acreditados, uma vez que suas condutas permanecem sob a eficácia da lei penal do Estado a que pertencem.

Os funcionários do corpo diplomático e os componentes da família do representante possuem a mesma imunidade, que não se estende aos cônsules, em face de suas funções meramente administrativas.

Embora se acreditasse que a embaixada era território estrangeiro, hoje, essas doutrinas se encontram superadas, não sendo a sede da representação considerada extensão do território estrangeiro.



O local onde são exercidos serviços de embaixada não é inviolável no sentido do princípio da extraterritorialidade, mas em função da imunidade dos representantes.

Portanto, se for cometida infração por pessoa que não goza do privilégio, o fato ficará, sim, sujeito à jurisdição territorial.



Chefes de Governo.

Em regra, os monarcas são invioláveis, em razão de seu cargo, não respondendo por suas infrações. O mesmo não podemos dizer dos presidentes de repúblicas, que respondem pelos delitos, só que de maneira especial.

No Brasil, nosso Presidente somente será submetido a julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (se o crime for comum) ou pelo Senado Federal (em crimes de responsabilidade), depois que a Câmara dos Deputados declarar procedente a acusação pelo voto de 2/3 de seus membros.



Imunidades parlamentares.

Existem, também, imunidades parlamentares. Elas se diferenciam das imunidades diplomáticas, porque, enquanto as primeiras constituem, em parte, prerrogativa processual e, em outra, causas funcionais de exclusão de pena, essas últimas não excluem o crime e a pena, apenas colocando seus titulares fora da jurisdição criminal do Estado onde estão acreditados, submetendo-os, no entanto, à jurisdição de seus países.

A imunidade parlamentar pode ser material, que constitui causa funcional de isenção de pena, a ser estudada na extinção de punibilidade, ou formal, que constitui prerrogativas processuais, a ser apreciada na ação penal.



DISPOSIÇÕES FINAIS.

Contagem do prazo.

O prazo (espaço de tempo), sempre tem um início e um final. O termo (instante determinado no tempo) inicial é denominado termo "a quo" ("dies a quo") e o final, termo "ad quem" ("dies ad quem").

Nosso Código Penal traz regras a respeito da contagem dos prazos. Seu artigo 10 estabelece que: "o dia do começo inclui-se no cômputo do prazo".

A fração de dia do começo é contada como um dia inteiro. Assim, se o sujeito começa a cumprir a pena privativa de liberdade às 21 horas, esse dia é contado por inteiro, pouco importando que, nesse dia, ele ficou somente três horas preso.

Damásio dá o seguinte exemplo: o sujeito é condenado a 20 dias de prisão. É detido às 22 horas do dia 6 de janeiro. Terá cumprido a pena às 24horas do dia 25.

Já, de acordo com o Código de Processo Penal (artigo 798, parágrafo 1° ), o dia do começo não se inclui na contagem dos seus prazos, computando-se, no entanto, o dia do vencimento.

Tal diferença existe com vistas a beneficiar o réu. Afinal, no processo penal, quanto mais longo o prazo ou mais demorado o seu início, melhor será para o acusado. Quanto mais tempo tiver o acusado para apresentar sua defesa ou interpor recursos, mais irá se favorecer.

Já, quanto aos prazos determinados pelo CP, quanto mais curtos, mais favoráveis serão ao agente. Assim, quanto menores os prazos de cumprimento de pena, de suspensão condicional de sua execução, de livramento condicional, de prescrição, de medidas de segurança, melhor será para o acusado.

E quando os dois estatutos (CP e CPP) tratarem da mesma matéria, como no caso da representação ou da decadência? O que fazer?

Nesse caso, há de se aplicar o artigo 10 do CP, já que o fundamento da diversidade de tratamento reside, justamente, no favorecimento do réu.

Ainda, os dias, meses e anos são contados pelo calendário comum (gregoriano).

O dia é o lapso temporal entre meia-noite e meia-noite. O mês é contado de determinado dia à véspera do mesmo dia do mês seguinte, terminando às 24 horas, pouco importando quantos são os dias de cada mês.

Exemplo: 6 meses a partir de abril terminará em setembro, pouco importando se esse mês possui 30 ou 31 dias.

Da mesma forma, o ano é contado de certo dia às 24 horas da véspera do dia de idêntico múmero do mesmo mês do ano seguinte, não importando seja bissexto qualquer deles.

Assim, cinco anos depois de janeiro de 1994 será janeiro de 1999.

Imagine que o sujeito seja condenado a pena de um ano e quatro meses de reclusão, iniciando o cumprimento da pena às 20 horas de 3 de janeiro de 1999. Terminará às 24 horas de 2 de maio de 2000.


Veja como fica fácil resolver todas as questões.

Um sujeito começa o cumprimento da pena às 17h10min do dia 5 de agosto de 1993. Sua pena é de 6 anos, 9 meses e 23 dias de reclusão. Quando terá cumprido integralmente a pena?

O mais fácil, como ensina Fernando Capez, é dividir em três colunas os dias, meses e anos, adicionando, em seguida, os valores a serem cumpridos.

Dia Mês Ano
5 8 1993

Na primeira etapa, adicione o número de anos. O início do cumprimento se deu em 1993. Assim, 1993 + 6 = 1999.

Dia Mês Ano
5 8 1999

Na segunda etapa, vamos somar o número de meses. Assim, somando-se 9 meses a agosto de 1999, chegamos a maio de 2000 (agosto de 1999 + 9 meses = maio de 2000)

Até agora, nossa pena termina em 5 de maio de 2000.

Agora, só falta mesmo somar os dias.


Dia Mês Ano
5 5 (maio) 2000

+23 dias

Dia Mês Ano
=28 dias 5 2000

Veja! Pela soma, a pena deveria terminar em 28 de maio de 2000. No entanto, não podemos nos esquecer de que temos de retirar o último dia, uma vez que somente se computa o dia do começo e não do final.

Portanto, a pena do sentenciado estará cumprida em 27 de maio de 2000.

É bom, ainda, observar que os prazos de natureza penal são fatais, não se prorrogando mesmo quando terminem em domingos e feriados.




Frações não computáveis da pena.

O artigo 11 do CP determina que: "Desprezam-se, nas penas privativas de liberdade e nas restritivas de direitos, as frações de dia, e, na pena de multa, as frações de cruzeiro."

Nélson Hungria dá como exemplo o caso do juiz que deve aumentar de metade a pena de 15 dias de detenção. Sabemos que, metade de 15 dias é 7 dias e 12 horas. No entanto, essa fração de dia deve ser desprezada. Assim, o sujeito deverá ser condenado somente a 22 dias.

O mesmo ocorre no caso de frações de reais. Os centavos devem ser sempre desprezados na fixação e liquidação da pena pecuniária.

Também, entende-se que, na fixação da pena pecuniária, devem ser desprezadas as frações de dias-multa.

Imagine que o sujeito seja condenado 13,33 dias-multa. Os 0,33 dias-multa devem ser desprezados.



LEGISLAÇÃO ESPECIAL.

Como já dissemos outrora, as infrações penais não estão somente descritas no Código Penal, mas, também, em leis extravagantes, como é o caso, por exemplo, da Lei de Entorpecentes, ou da Lei da Contravenções Penais.

O artigo 12 do nosso Código Penal preceitua que as suas regras gerais são aplicáveis aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispõe de modo diverso.

Mas o que seriam regras gerais?

Regras gerais do Código são, justamente, as normas permissivas ou complementares (normas não incriminadoras), previstas tanto na parte geral quanto na parte especial do Código Penal.

Verifica-se que as normas contidas nos artigos 1° a 120 do CP, mais as normas não incriminadoras previstas na Parte Especial, aplicam-se a toda a legislação especial, salvo se essa trouxer regras gerais diversas das do Código.

Dessa forma, excepcionalmente, quando a legislação penal especial ditar princípio diverso do contido no CP, prevalece a disposição diversa.

Como exemplo, podemos mencionar a tentativa, prevista no artigo 14, II e parágrafo único do CP. Tal artigo não se aplica às contravenções penais, por expressa disposição legal ( art.4° da LCP).
Quando o Código e a lei especial ditam regras gerais sobre o mesmo assunto, a regra contida na lei especial prevalece sobre a determinada pelo Código Penal, em razão do princípio da especialidade.



TEORIA GERAL DO CRIME.

Conceito.

Entre nós, o termo "infração" é genérico, abrangendo "crimes" (ou "delitos") e as "contravenções".

Mas o que é crime?

Hoje, predominam dois sistemas de conceituação do crime: o sistema formal (analítico) e o material.

Formalmente, conceitua-se o crime sob o aspecto da técnica jurídica, do ponto de vista da lei. Já, materialmente, tem-se o crime sob o ângulo ontológico. Procura-se explicar a razão porque o legislador colocou determinada conduta como infração, sujeitando-a a uma sanção penal.

Para Manzini, no sentido material (substancial), o delito é a ação ou omissão, imputável a uma pessoa, lesiva ou perigosa a interesse penalmente protegido, constituída de determinados elementos e eventualmente integrada por certas condições, ou acompanhada de determinadas circunstâncias previstas em lei.(Tratado de Derecho Penal, v.1, p.496)

Tal conceito visa aos bens protegidos pela lei penal, podendo-se afirmar que o crime nada mais é que a lesão a um bem penalmente protegido.

Já, sob o aspecto formal, o crime é um fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade, um pressuposto para a aplicação da pena.



Características do crime sob o aspecto formal.

Para que exista o crime mostra-se necessária uma conduta humana positiva (ação) ou negativa (omissão). Ainda, essa conduta deve estar descrita na lei como infração penal (exigência do princípio da legalidade, que já estudamos outrora). Ainda, só haverá crime se o fato for antijurídico,ou seja, contrário ao direito, uma vez não protegido por causa de exclusão de ilicitude.



Dessa forma, são características do crime a tipicidade e a antijuridicidade.

Fato típico é o comportamento humano que provoca, em regra, um resultado previsto como infração.

Fato antijurídico é aquele que contraria o ordenamento jurídico. Assim, não haverá crime se houver qualquer das causas excludentes da culpabilidade (legítima defesa, estado de necessidade...), que permitem, em determinadas hipóteses, a prática da conduta.
A culpabilidade, considerada pelos doutrinadores causalistas como componente do crime, é conceituada pelos finalistas como a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico. É a contrariedade da vontade da norma e do agente. Ela não é característica do crime, mas mera condição para imposição da pena pela reprovabilidade da conduta do agente.

Também, a punibilidade não passa de uma conseqüência do delito, não sendo sua característica.


Requisitos, elementos e circunstâncias do crime.

Em razão do conceito formal de crime, como vimos, para que um comportamento seja considerado delituoso e possa, sim, ser aplicada uma sanção ao agente, mostra-se necessário que constitua um fato típico e antijurídico.

Assim, o fato típico e a antijuridicidade são verdadeiros requisitos para a existência do crime, pois, faltando um deles, não haverá crime algum.

Verifica-se que esses dois requisitos são exigidos para a existência de qualquer delito, seja ele qual for. Por isso, são chamados de requisitos genéricos.

No entanto, temos, ainda, os requisitos específicos, que são as elementares ou elementos do tipo, que são as várias formas que assumem os requisitos genéricos nos diversos tipos penais. São o verbo que descreve a conduta, o objeto material, os sujeitos ativos e passivos, todos inscritos na figura penal. São pecinhas que, se retiradas, fazem desaparecer o crime (atipicidade absoluta) ou o transformam em outro (atipicidade relativa).

Já as circunstâncias são dados que, agregados à figura típica fundamental, têm a função de aumentar ou diminuir as conseqüências jurídicas. Mexem, portanto, na pena do delito.

Enquanto a ausência de um elemento faz com que o fato não possa ser mais considerado crime (ou, pelo menos, aquele determinado crime), a falta de uma circunstância não influi sobre a existência do delito. O crime continua existindo, sem aquela determinada circunstância.


Imagine o caso do furto, descrito como o fato de alguém subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Se o sujeito subtrair coisa própria, o fato será considerado atípico, pois falta um de seus elementos. Assim, não haverá crime, porque só há crime quando o fato é típico, ou seja, quando estão presentes todos os elementos descritos na figura delitiva.

Verifica-se, entretanto, que o parágrafo 1° do artigo 155 do CP determina que a pena deverá ser aumentada de 1/3 se o fato é praticado durante o repouso noturno. Trata-se de uma circunstância e não de um elemento do crime de furto. Afinal, o furto pode ocorrer, independentemente, de ter sido praticado durante o repouso noturno. Se o crime for praticado durante o dia, haverá o delito de furto, da mesma maneira, pois a ausência de uma circunstância (sempre acessória) não faz desaparecer o crime.

A ausência de uma elementar, como mencionado pode gerar duplo efeito: a atipicidade absoluta e a relativa.

Ocorre a atipicidade absoluta quando, excluída a elementar, o sujeito não responde por nenhuma infração. Por exemplo, se no furto, faltar o intuito de assenhoramento, como já vimos, no caso do sujeito que pega um carro "emprestado" para levar sua "mina" ver estrelas na Serra do Japi, nesse caso, haverá a atipicidade absoluta, porque, excluído o intuito de assenhoramento, o sujeito não terá cometido crime algum.

Já, a atipicidade relativa ocorre quando, excluída a elementar, não subsiste o crime de que se cuida, mas há a desclassificação para um outro crime.

Imagine, por exemplo, que o sujeito esteja sendo processado por crime de peculato (art.312). Verifica-se, no entanto, no transcorrer da instrução processual, que o sujeito não era funcionário público ao tempo da prática da infração, elemento necessário para a configuração desse crime.

Nesse caso, acabará desaparecendo o crime inicial de peculato, subsistindo, entretanto, o delito de apropriação indébita, previsto no artigo 168 do CP.



ILÍCITO CIVIL E ILÍCITO PENAL.

Inexiste diferença substancial (de natureza, ontológica) entre o ilícito penal e o civil, uma vez que ambos ferem o ordenamento jurídico.

A diferença está, justamente, na conseqüência da prática desses ilícitos. Isso porque o ilícito penal é sancionado com pena, enquanto o ilícito civil produz somente sanções civis.

O legislador há sempre de verificar se as sanções civis se apresentam suficientes para a proteção da ordem legal. Se essas não lograrem colocar fim à agressão, faz-se necessária a proteção penal.

Hungria muito bem colocava que o ilícito penal é a violação do ordenamento jurídico, contra a qual, pela sua intensidade ou gravidade, a única sanção adequada é a pena, enquanto o ilícito civil é a violação da ordem jurídica, para cuja debelação bastam as sanções atenuadas da indenização, da execução forçada, da restituição em espécie, da breve prisão coercitiva, da anulação do ato etc. (Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1977, v.1, t.2, p.35).

Nada impede, no entanto, que, além da sanção penal imposta ao autor de um determinado crime, possa também ser imposta uma sanção civil ou administrativa.

No caso do furto, além da pena, pode ser imposta a indenização ou restituição (sanção civil). Também, no crime de peculato, pode haver sanção administrativa (exoneração do serviço público).



O CRIME NA TEORIA GERAL DO DIREITO.

O crime é um fato jurídico (acontecimento capaz de produzir efeitos jurídicos). Como fato jurídico é uma ação (ou omissão) humana de efeitos jurídicos involuntários (porque o sujeito não deseja ser punido). Nessa categoria, encontra-se entre os atos ilícitos penais.



SUJEITO ATIVO DO CRIME.

Conceito.

Sujeito ativo do delito é aquele que pratica o fato descrito na norma penal incriminadora.

Deve-se lembrar de que somente o homem pode delinqüir, não podendo ser sujeitos ativos de crimes animais ou coisas.

Assim, se um sujeito utiliza seu cão de guarda para matar um desafeto, esse somente servirá de instrumento para a prática do delito, uma vez que o animal não pode ser agente ativo de crime.


TERMINOLOGIA DA LEI.

O CP e o CPP empregam várias denominações para expressar o sujeito ativo do delito.

O Código Penal, geralmente, vale-se da expresssão "agente". Na fase do inquérito, o sujeito é denominado "indiciado". Durante o processo, recebe o nome de acusado, denunciado ou réu. Já, aquele que sofreu sentença condenatória, é chamado "sentenciado", "preso", "condenado" , "recluso" ou "detento".
Sob o ponto de vista biopsíquico, recebe o nome de "criminoso" ou "delinqüente".



Direitos e obrigações.

A prática da conduta punível cria para o Estado o direito concreto de punir e a obrigação de impor a sanção penal. Por outro lado, cria para o cidadão a obrigação de não obstacularizar a imposição da pena.

Ainda, o sujeito ativo tem o direito de liberdade, somente podendo o Estado punir o agente de acordo com os moldes determinados pela sanção jurídica.



Capacidade Penal.

Capacidade penal é o conjunto de condições necessárias para que alguém possa tornar-se titular de direitos ou obrigações no campo do Direito Penal.

A capacidade penal se refere a momento anterior ao crime, enquanto a imputabilidade verifica-se no momento da prática do delito (tempo da ação).



Incapacidade penal.

Ocorre nos casos em que não há a qualidade de pessoa humana viva e quando a lei não se aplica a determinada classe de pessoas.

Lembre-se sempre que os seres inanimados (uma cadeira, por exemplo) e os animais não possuem capacidade penal.


Capacidade penal das pessoas jurídicas.

E a pessoa jurídica? Tem capacidade penal? É capaz de cometer crimes?

A questão era bastante discutida. Havia duas posições a respeito.

Aqueles que acreditavam que a personalidade jurídica era uma ficção legal diziam que a pessoa jurídica não poderia cometer crimes, já que não possuía vontade própria. Sua vontade era, justamente, a de seus membros diretores e representantes. Assim, esses é que eram penalmente responsáveis pelos crimes cometidos em nome da pessoa jurídica.


Por sua vez, a teoria da realidade enxergava a pessoa jurídica como um ser real, com vontade própria, acreditando que ela poderia, de fato delinqüir. Ainda, acreditava que a pessoa jurídica apresentava tendência criminológica especial, face aos poderosos meios e recursos que tinha em mãos.

A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 173, parágrafo 5° , e 225, parágrafo 3° , determinou que a legislação infraconstitucional estabelecesse punições para as pessoas jurídicas, nos crimes cometidos contra economia popular, a ordem econômica e financeira e o meio ambiente.

A Lei de Proteção Ambiental (lei n.9605, de 12-2-98) prevê essa responsabilidade, em seus artigos 3° e 21 a 24, devendo-se, hoje, reconhecer que, de fato, a lei brasileira admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica.



Capacidade especial do sujeito ativo.

Há crimes que podem ser praticados por qualquer pessoa imputável, como o homicídio, o furto, o estelionato, a lesão corporal. No entanto, existem outros que exigem determinada posição jurídica ou de fato do agente. É o caso, por exemplo, dos crimes praticados por funcionário público. Para sua configuração, exige-se que o delito seja praticado por um funcionário público (condição jurídica do sujeito ativo). Também, no auto-aborto, exige-se a qualidade de gestante (condição de fato).

Nessas hipóteses, dizemos que o sujeito ativo deve possuir capacidade penal especial, recebendo os delitos a denominação de crimes próprios, diferindo, assim, dos crimes comuns, que podem ser cometidos por qualquer pessoa imputável, sem qualquer condição especial.

Esses sujeitos ativos, dos quais se exige capacidade penal especial, são denominados pessoas qualificadas (intralei).

Veremos, mais para frente, que o fenômeno da capacidade penal especial do sujeito ativo será bastante importante para solucionar os problemas de concurso de agentes, porque, embora os crimes de infanticídio e peculato sejam próprios, respondem por eles não só a mãe ou o funcionário público, mas também o estranho que dele participe.

Existem, ainda, os chamados crimes de mão própria ou de atuação pessoal. São aqueles que somente podem ser praticados pelo autor em pessoa. No caso do crime de falso testemunho, por exemplo, ninguém poderá mandar outra pessoa praticar falso testemunho em seu lugar.




Capacidade penal especial em face das normas permissivas.

Para alguns casos de exclusão de crime ou penal, a lei pode exigir certas qualidades do agente. É o caso do aborto legal, previsto no artigo 128, que somente pode ser praticado por médico, e da difamação e injúria praticadas em juízo pela parte ou seu procurador (art.142, I).

Também, a escusa absolutória (causa de exclusão de pena), prevista nos crime contra o patrimônio, somente ocorre quando o fato é praticado em prejuízo do cônjuge (na constância do casamento), de ascendente ou descendente.

Assim, sempre que exigida uma condição própria do agente, essa deve estar presente.



SUJEITO PASSIVO DO CRIME.

É, justamente, o titular do interesse protegido.

Assim, deve-se, a priori, perguntar qual o interesse tutelado pela lei penal incriminadora, para depois chegarmos ao seu titular.

Ocorrendo um crime de homicídio, resta claro que o bem atingido será a vida. Mas a vida de quem? Do homem. Veja que, no caso de um aborto, também, há a proteção do bem vida. No entanto, protege-se a vida do feto, e não do homem.


Espécies de sujeito passivo.

Como já vimos, o crime, sob o aspecto puramente formal, é a violação de uma norma penal. Assim, sempre haverá um sujeito passivo juridicamente formal em todo o crime, que é o Estado, titular da regra proibitiva desrespeitada.

Já, se considerarmos o crime sob o seu prisma material, o sujeito passivo será sempre aquele que teve seu bem jurídico lesionado.

Assim, podemos afirmar que existem dois tipos de sujeito passivo: o sujeito passivo constante (genérico, formal, geral), que é o Estado, e o sujeito passivo eventual (particular, acidental ou material), que é o titular do interesse protegido.

Questão do incapaz, da pessoa jurídica, do morto, do feto, dos animais e coisas inanimadas.

Todo homem, como criatura viva, pode ser sujeito passivo material de crime. Assim, é evidente que o incapaz (recém-nascido, menor de idade, demente etc) pode ser sujeito passivo do delito, uma vez que é titular de direitos, como a vida, a integridade física e psíquica etc..
Também, a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo material do delito, desde que o tipo não exija a qualidade de pessoa física. Assim, uma empresa pode ter seu patrimônio subtraído.

Discute-se, entretanto, se a pessoa jurídica pode ou não ser sujeito passivo dos crimes contra a honra, sejam eles, a calúnia, a difamação e a injúria.

Mais uma vez, temos várias posições. Manzini ensinava que a pessoa jurídica não tem sentimento de dignidade própria. Afirmava que somente seus diretores e representantes, como pessoas físicas, podiam se sentir ofendidos em sua honra.

Alguns autores, entretanto, afirmam ser perfeitamente possível que as pessoas jurídicas sejam vítimas de difamação ou injúria, já que possuem patrimônio particular e até mesmo honra.

Há, ainda, aqueles que entendem que ela não pode ser sujeito passivo de calúnia e injúria, pois não pode ser sujeito ativo de crime, nem possui honra subjetiva, podendo, entretanto, ser vítima de difamação em face de possuir, inegavelmente, reputação, boa fama.

Verificando-se, entretanto, que hoje admite-se a prática, pelas pessoas jurídicas, de crimes ambientais, devemos aceitar que elas podem ser sujeitos passivos de calúnia.

Modernamente, tem-se entendido que as pessoas jurídicas podem, perfeitamente, figurar como sujeito passivo de delitos contra a honra.

A questão, entretanto, será abordada, de maneira minuciosa, quando do estudo dos crimes contra a honra.

E o homem morto? Ele pode ser sujeito passivo de delito? Não, o homem morto não pode ser sujeito passivo de delito, porque não é mais titular de direitos e obrigações (não tem mais personalidade jurídica), podendo ser somente objeto material do delito.

Havendo ultraje à memória dos mortos, a ofensa recairá sobre seus parentes, que são considerados sujeitos passivos. Nos casos de destruição, ocultação, subtração a cadáver, o sujeito passivo será toda a coletividade e, especialmente, a família do morto.

Como já vimos, entretanto, o homem, mesmo antes de nascer, pode ser sujeito passivo de crime, uma vez que a lei penal protege a vida intra-uterina, prevendo punição para a prática do delito de aborto.

E os animais e coisas inanimadas? Podem ser sujeito passivo de delito? Não. Eles somente podem funcionar como seu objeto material. Assim, no caso de lesões a coisas ou animais, sujeitos passivos são seus proprietários, ou a própria coletividade.

Pergunta-se se pode o sujeito ativo ser, ao mesmo tempo, sujeito passivo do delito.


Em verdade, não pode o homem cometer crime contra si mesmo. Entretanto, existem certas condutas praticadas pelo pessoa contra si mesma que são previstas como crime. No entanto, nessas hipóteses, o sujeito passivo do delito não é o seu agente, mas terceiro, que é o verdadeiro titular o bem lesionado.

É o caso das seguradoras. Imagine que o segurado lesione o próprio corpo, com vistas a receber indenização ou valor do seguro. Nesse caso, não pratica crime contra si mesmo, mas contra a seguradora. Assim, além de ferir a si próprio, ainda responderá pela fraude.



Sujeito passivo e prejudicado pelo crime.

Embora, geralmente, o sujeito passivo e o prejudicado sejam a mesma pessoa, há casos em que isso não ocorre.

Um exemplo típico é o do homicídio. Afinal, o sujeito passivo é o homem que teve seu direito à vida retirado, enquanto o prejudicado é o cônjuge ou o parente do falecido.

No furto, considera-se sujeito passivo aquele contra o qual o ato é praticado, mesmo que não seja o proprietário da coisa.

Assim, verifica-se que prejudicado é aquele a quem o crime tenha causado qualquer prejuízo, tendo, por conseqüência, direito ao ressarcimento. Já o sujeito passivo é o titular do interesse jurídico violado, que também tem esse direito, salvo exceções.



Objeto do delito.

É aquilo contra que se dirige a conduta humana criminosa.

O objeto jurídico do crime é o bem ou interesse que a norma penal tutela, como a vida, a integridade física, a honra, o patrimônio, os costumes.

Já o objeto material é a coisa ou pessoa sobre a qual recai a conduta criminosa, como o homem vivo, no homicídio, a coisa, no furto, o documento, na falsificação.

Algumas vezes, o sujeito passivo coincide com o objeto material, como no crime do homicídio, em que o homem é o titular do objeto jurídico (sujeito passivo) e, ao mesmo tempo, o objeto material sobre o qual recai a conduta.

Pode haver crime sem objeto material, como o falso testemunho ou o ato obsceno, mas nunca haverá crime sem objeto jurídico.


Título do delito.

É a denominação jurídica do crime, que pressupõe todos os seus elementos.

Encontra-se sempre na indicação marginal da figura típica fundamental. No artigo 121, "caput", por exemplo, temos o nome jurídico "homicídio simples", que contém as elementares "matar alguém". Já em seu parágrafo 2° , temos a indicação marginal "homicídio qualificado", onde são acrescentadas determinadas circunstâncias, como o motivo fútil, torpe, a traição, a emboscada etc.

Qual a importância do título do delito?

O disposto no artigo 30 do CP, que trata da comunicabilidade das elementares de natureza subjetiva, só se aplica ao título do crime (figura típica fundamental), não incidindo sobre os privilegiados ou qualificados.

Como exemplo, podemos citar o caso do funcionário público que, em concurso com um amigo, comerciante, resolve praticar peculato (art.312). Em face do artigo 30, ambos respondem por peculato, uma vez que a elementar funcionário público, de caráter pessoal, é comunicável.

Agora, imagine que Felipão e Parreira pratiquem homicídio, e que o primeiro tenha a seu favor motivo de relevante valor moral (art.121, parágrafo 1° ). Felipão responderá por homicídio privilegiado e Parreira pelo homicídio simples, uma vez que, como vimos, o privilégio não se encontra no título do delito, sendo incomunicável entre os co-autores.


Classificação das infrações penais.

Nosso Direito adotou o sistema da bipartição da infrações, segundo o qual as infrações se dividem em crimes (descritos no CP e em leis extravagantes) e contravenções, descritas na LCP e em leis especiais.

Qual seria a diferença entre ambas? Como já vimos, não há diferença substancial. Diferenciam-se somente pela sua maior ou menor gravidade.

As contravenções são condutas que, comparadas com os crimes, são de menor gravidade, sendo apenadas mais brandamente.



Qualificação legal e doutrinária dos crimes.

A qualificação é, justamente, o nome dado ao fato ou à infração, podendo ser legal ou doutrinária. Verifica-se que a qualificação legal pode se referir tanto ao fato, como à infração.

A qualificação do fato seria o nome jurídico da infração, como, por exemplo, homicídio, furto, lesões corporais, porte de arma. Já as infrações, como já visto, podem ser divididas em crime ou contravenção. Assim, o homicídio é considerado um crime, enquanto o jogo do bicho é uma contravenção.

Existe, também, como adiantamos, a qualificação doutrinária, que é o nome dado pela doutrina ao fato delituoso, através do trabalho de sistematização científica da teoria do crime.

A lei e a doutrina elencam várias espécies de crimes. Vejamos cada um deles.



CRIMES COMUNS E ESPECIAIS.

Os crimes comuns são aqueles descritos no Direito Penal Comum, enquanto os especiais encontram-se definidos no Direito Penal Especial.



CRIMES COMUNS E PRÓPRIOS.

Crime comum é aquele que pode ser praticado por qualquer pessoa, como as lesões corporais, o roubo, o estelionato (art.171).

Já os crimes próprios somente podem ser praticados por determinada categoria de pessoas, uma vez que exigem que o agente possua uma particular condição ou qualidade pessoal (ver "capacidade especial do sujeito ativo").

Essa condição especial pode ser jurídica (funcionário público, no peculato), de parentesco ( mãe, por exemplo, no infanticídio), profissional (médico, no caso da notificação compulsória de doença) etc.

Decisão do TRF (1° Região), referente à crime próprio:

"Concorrência desleal - Crime próprio - Qualidade de concorrentes dos sujeitos ativo e passivo - Inexistência - Atipicidade." (RT-738/703)


CRIME DE MÃO PRÓPRIA OU DE ATUAÇÃO PESSOAL.

São aqueles crimes que somente podem ser cometidos pelo sujeito, pessoalmente. Somente o próprio agente pode cometer a infração, como no caso do falso testemunho, em que uma pessoa não pode testemunhar, falsamente, por outra. Só a própria testemunha pode cometer o crime de falso testemunho.


Os estranhos, nos crimes de mão própria somente podem intervir como partícipes, mas não como autores. Assim, o advogado que induz a testemunha a mentir, pode responder como partícipe, mas nunca como autor do crime de falso testemunho.


CRIMES DE DANO E DE PERIGO.

De acordo com a intensidade do mal objetivado pela conduta, os delitos podem ser de dano ou de perigo.

Crimes de dano (ou de lesão) são aqueles que somente se consumam com a efetiva perda do bem jurídico, como o homicídio e a lesão corporal, enquanto os crimes de perigo se consumam com a simples possibilidade de lesão ao bem jurídico, bastando que se produza uma situação de perigo para que se proteja o bem jurídico.

Os crimes de perigo, ainda, subdividem-se em:

(1) Crime de perigo presumido (abstrato): consuma-se com a simples conduta, sendo desnecessária a demostração da situação de perigo. É o caso da omissão de socorro ou do crime de quadrilha ou bando.

Tratando desses crimes, decisão do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo:

"Crime contra o Consumidor - Produto exposto à venda com prazo de validade vencido - Violação ao art.7° , IX, da lei 8137/90, c.c. art.18, parágrafo 6° , I, da lei 8078/90 - Não comprovação da impropiredade material ou real da mercadoria - Irrelevância - Crime de perigo abstrato ."(RT-730/566)

(2) Crime de perigo concreto: é o que só se consuma quando efetivamente se demonstra o perigo. Pergunta-se se, de fato, houve probabilidade de dano, como no caso do perigo de vida (art.132) e do incêndio (art.250).

Tratando dos crimes de perigo concreto, decisão do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul:

"Periclitação da vida ou da saúde - Imputação genérica - Crime de perigo concreto - Responsabilidade objetiva proibida no Direito Penal ."(RT-728/648)

(3) Crime de perigo individual: é a infração que atinge um número determinado de pessoas, como os previstos no art.130 a 137.

(4) Crime de perigo comum ou coletivo: é aquele que somente se consuma se o perigo atingir um número indeterminado de pessoas, como no caso do incêndio e da explosão.



Tratando dos crimes de perigo comum, decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

"Crime de Perigo Comum - Incêncio - Fogo ateado em prédio localizado no perímetro urbano da cidade e em região densamente habitada - Delito do art.250, do CP, caracterizado - Voto vencido."(RT-715/437)

1.. Crime de perigo atual, que é aquele que está acontecendo.

(6) Crime de perigo iminente, que é aquele que está prestes a ocorrer. Para alguns, entretanto, se a probabilidade do dano está prestes a acontecer, já há situação de perigo.

(7) Crime de perigo futuro ou mediato: é o que pode ainda advir da conduta, como, no caso do porte de arma de fogo, ou de quadrilha ou bando.



CRIMES MATERIAIS, FORMAIS E DE MERA CONDUTA.

De acordo com a relação entre a conduta e o resultado, os delitos podem ser materiais, formais ou de mera conduta.

Para entendê-los, falemos um pouco do resultado.

O resultado pode ser apreciado sobre dois aspectos: pelo naturalístico e pelo jurídico. O resultado naturalístico é a modificação no mundo ocasionada pelo comportamento do homem. Já, no sentido jurídico, o resultado se identifica com a ofensa ao interesse tutelado pela norma penal.

Assim, podemos afirmar que não há crime sem resultado jurídico, já que todo o crime descrito na lei ofenderá a algum bem jurídico. Por outro lado, poderá haver crime sem resultado naturalístico, ou seja, sem qualquer transformação no mundo dos fatos.

Nos crimes materiais, o tipo descreve tanto a conduta do agente como a modificação exterior causada por ele, exigindo a ocorrência do resultado naturalístico para a sua consumação. Como exemplo, podemos mencionar o homicídio, que exige a ocorrência da morte da vítima para sua consumação. Outros exemplos: lesões, dano, furto etc...

Por sua vez, os delitos formais (ou de consumação antecipada) são os que trazem, no tipo legal, um resultado naturalístico, mas não exigem a sua ocorrência para a consumação. Podemos exemplificar com os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), rapto etc....

Decisões reconhecendo alguns crimes como formais:



"Auto-acusação falsa - Crime formal - Consumação no momento em que a autoridade policial ou judiciária toma conhecimento dela - Impossibilidade de arrependimento eficaz."(TJMG, RT-718/447)

"Corrupção passiva - Crime formal - Consumação no momento em que o agente solicita a vantagem indevida, sendo irrelevante a concordância do indivíduo a quem dirigida a solicitação."(TJSP, RT-718/372)

"Incitação ao crime - Delito formal - Consumação com a incitação pública, desde que percebida por um número indeterminado de pessoas - Inteligência do art.286, do CP."(TJSP, RT-718/378)

Por último, temos os crimes de mera conduta ou simples atividade. Eles, simplesmente, descrevem a conduta, não introduzindo, em seu tipo legal, nenhum resultado, nem exigindo qualquer resultado naturalístico. Exemplificando: reingresso de estrangeiro expulso (art.338) e quase todas as contravenções.


Analisemos alguns crimes.

Primeiramente, o crime de extorsão. Seria ele um crime formal ou material?

O artigo 158 do CP descreve tanto a conduta do sujeito quanto o resultado pretendido. No entanto, não exige que o agente obtenha a indevida vantagem econômica, uma vez que emprega a expressão "com intutito de obter" vantagem. Assim, resta claro ser o caso de crime formal, que se consuma com a simples ação do agente, pouco importando a entrega ou não da vantagem exigida (resultado naturalístico).

Neste sentido, decisão do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo:

"Extorsão - Crime formal - Delito que se consuma com o constrangimento da vítima, independentemente da vantagem ilícita - Inteligência da Súmula 96 do STF."(RT-716/454)

E o estelionato, previsto no artigo 171 do CP? É crime formal ou material?

Tal tipo descreve a conduta (induzir ou manter alguém em erro, mediante ardil, artifício ou qualquer outro meio fraudulento) e o resultado (vantagem ilícita em prejuízo alheio).

O legislador, aqui, não usou a expressão "com o intuito de obter" vantagem, como o fez no delito de extorsão. Assim, não basta a intuito, exigindo-se, pois, que o agente receba a vantagem reivindicada.

Portanto, não há dúvidas de que se trata de crime material.


CRIMES COMISSIVOS E OMISSIVOS.

Crimes comissivos são aqueles praticados mediante ação. O sujeito age, realiza alguma coisa . Já os omissivos são cometidos por meio da inação, ou seja, o sujeito nada faz.

Imagine que o genro mate a sogra, ministrando gotas de veneno na sopa da velha. Nesse caso, estamos diante de um crime comissivo, pois, através de uma conduta positiva (ação), livrou-se dela.

Agora, imagine outra situação. A mãe, querendo matar seu próprio filho, fruto de um amor frustrado, deixa de alimentá-lo e esse vem a falecer. Trata-se de crime omissivo, uma vez que a mãe deixou de agir (deixou de alimentar o menino).

Os delitos omissivos podem ser:

(1) Próprios (puros), quando a omissão é descrita no próprio tipo penal, como no caso da omissão de socorro (Art.135), em que o agente deixa de prestar assistência ao necessitado. Basta a simples abstenção do ato, pouco importando ocorra resultado posterior.

Outros exemplos são a notificação compulsória de doença, o abandono intelectual etc.

(2) Omissivos impróprios (comissivos por omissão ou espúrios) são aqueles em que o tipo penal descreve uma ação, mas a inércia do agente, que descumpre o dever jurídico específico de agir, permite venha ocorrer o resultado naturalístico. É o caso da mãe que deixa, propositalmente, de alimentar o filho, ou de um policial que nada faz ao ver uma criança morrer afogada.

(3) Crimes de conduta mista: são aqueles em que o tipo legal descreve uma fase inicial ativa e uma segunda fase final omissiva. No caso, por exemplo, da apropriação indébita de coisa achada (art.169). Há uma primeira fase positiva, em que o sujeito encontra a coisa, consumando-se o delito, entretanto, quando ele deixa de restituí-la ao seu dono ou de entregá-la à autoridade competente.



CRIMES INSTANTÂNEOS, PERMANENTES E INSTANTÂNEOS DE EFEITOS PERMANENTES.

Segundo o tempo da consumação, os delitos podem ser instantâneos, permanentes e a prazo.

Delitos instantâneos são os que se consumam num só momento, não havendo continuidade temporal. Assim, o fato estará consumado e acabado quando verificado o seu resultado típico. É o caso do homicídio, em que a morte ocorre num momento certo.


Já os crimes permanentes são aqueles em que a consumação se prolonga no tempo, por vontade do agente. Assim, mantém-se a situação contrária ao direito por algum tempo, sendo o bem jurídico continuamente agredido. Sua principal característica é que o agente pode fazer cessar a situação ilícita a qualquer instante, bastando que o queira.

O exemplo mais comum é o do seqüestro. Enquanto a vítima não recupera sua liberdade, o crime está se consumando.

O crime permanente se divide em necessariamente permanente e eventualmente permanente. Os crimes necessariamente permanentes são os delitos que exigem a manutenção da conduta ilícita por tempo juridicamente relevante, como no caso do seqüestro.

Já os delitos eventualmente permanentes são delitos normalmente instantâneos, mas que, no caso concreto, por vontade do agente, ocorre a manutenção da situação ilícita, como na hipóteses de furto de energia elétrica.

Ao lado dos instantâneos e permanentes, temos os crimes instantâneos de efeitos permanentes, que são delitos em que a permanência dos efeitos não depende do agente. É o caso do homicídio, furto, bigamia. Na verdade são crimes instantâneos que se caracterizam pela duração de suas conseqüências.

Decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, reconhecendo um crime instantâneo de efeitos permanentes:

"Crime contra a economia popular - Divulgação de uniformização falsa quanto à incorporação - Levado a conhecimento dos compromissários compradores que o condomínio estava sendo regularizado junto às repartições competentes, jamais tendo os denunciados promovido o registro da incorporação - Violação ao art.65, caput, da Lei 4591/64 - Crime instantâneo de efeitos permanentes - Ocorrência, porém, da prescrição, com fulcro no art.107, IV, do CP, declarando-se extinta a punibilidade - Declaração de voto."(RT-723/570)



CRIME CONTINUADO.

O artigo 71 do CP determina que há crime continuado "quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro."

Neste caso, aplica-se a pena de um só dos crimes, quando idênticas, ou a mais grave, quando distintas, aumentada, em qualquer dos casos, de um sexto a dois terços.



CRIMES PRINCIPAIS E ACESSÓRIOS.

De acordo com o seu pressuposto de existência, os delitos podem ser principais ou acessórios.

Os crimes principais são aqueles que independem de outros delitos, tendo existência autônoma. É o caso do homicídio. Já os acessórios (de fusão ou parasitários) são os que pressupõem a existência de outro crime, como o caso da receptação, do favorecimento real.

Assim, se houver um furto e uma receptação, o primeiro será o crime principal, e o segundo, o acessório.



CRIMES SIMPLES E COMPLEXOS.

Conforme a estrutura da conduta típica, os delitos podem ser simples ou complexos.

Crime simples é aquele que se encaixa em um único tipo legal, como o homicídio, a lesão corporal e crimes contra a honra; enquanto o crime complexo é o formado pela fusão (junção) de dois ou mais tipos legais, como o latrocínio, formado do roubo mais homicídio, da extorsão mediante suqüestro, formado pela extorsão e pelo seqüestro.



CRIME PROGRESSIVO.

Ocorre o crime progressivo quando o sujeito, visando a alcançar resultado mais grave, passa por outro menos grave.

O exemplo típico é o do homicídio, uma vez que, antes da produção da morte, há sempre lesões à integridade física da vítima.

No caso, o evento menos grave (lesão) é absorvido pelo de maior gravidade (morte). O sujeito só irá responder por homicídio e não pelas lesões, porque o crime de lesões (consumido ou, também chamado, de ação de passagem) é absorvido pelo crime de homicídio.









DELITO PUTATIVO.

Conceito e espécies.

O delito putativo ocorre naquelas hipóteses em que o agente considera, erroneamente, que a conduta por ele realizada constitui um crime, quando, em verdade, trata-se de fato atípico. O crime, aqui, somente existe na cabeça do agente, não havendo crime porque não há infração à norma penal.

Estudemos as três hipóteses de crime putativo em sentido amplo.

A primeira é o delito putativo por erro de proibição. Ocorre quando o agente supõe violar uma norma penal que, em verdade, inexiste. O fato é atípico, porque não é considerado crime.

Um exemplo: o agente seduz mulher virgem, com 20 anos de idade, acreditando estar praticando o crime de defloramento (art.267 da antiga CLP, não mais em vigor).

A segunda hipótese de delito putativo é o por erro de tipo, que ocorre quando a errônea suposição do agente não recai sobre a norma, mas sobre os elementos do crime.

O agente acha que está violando uma determinada norma existente, mas falta à sua conduta algumas elementares do tipo. É o caso de mulher que, supondo-se, por erro, grávida, ingere substância abortiva. Ora! Uma mulher que não está grávida não pode praticar auto-aborto.

A terceira espécie de crime putativo é o crime putativo por obra do agente provocador (crime de ensaio, de experiência ou de flagrante provocado). Ocorre quando alguém, de forma insidiosa, provoca o agente à prática de um crime, tomando, ao mesmo tempo, providências para que ele não se consume.

Um exemplo: o dono de um supermercado, desconfiando de um de seus empregados, manda que ele selecione algumas mercadorias, sozinho. Coloca, entretanto, de vigia, alguns de seus seguranças, espreitando a ação, tornando impossível a consumação do delito.

Nesse caso, o agente não passa de um protagonista inconsciente de uma comédia, agindo dentro de pura ilusão, uma vez que a vigilância torna impraticável a consumação do delito.

Mas onde encaixar a situação acima descrita, em nosso Código Penal?

O artigo 17, que trata dos crimes impossíveis, diz respeito somente à ineficácia absoluta do meio ou a impropriedade absoluta do objeto. No entanto, por se tratar de norma permissiva, que determina a atipicidade da conduta, podemos aplicar, no caso, as regras da analogia "in bonam partem".

Assim, também a inidoneidade do conjunto das circunstâncias preparadas pelo agente provocador impedem a consumação do delito.

Neste sentido, decisão do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul:

"Furto - Tentativa - Agente que tenta levar mercadorias de supermercado - Vigilante que controla desde o início a atividade da ré - Detenção desta quando procurava sair do estabelecimento - Meio inidôneo para lograr o propósito delitivo - Apelação provida para absolver a ré - Inteligência do art.17 do CP."(RT-722/534)

A Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal trata do delito putativo por obra de agente provocador, determinando que: "Não há crime quando a preparação do flagrante pela Polícia torna impossível a sua consumação."

Tal hipótese, entretanto, difere do crime de flagrante esperado, porque, nesse caso, não há provocação. Não é criada uma situação para que o sujeito pratique o crime. O indivíduo, simplesmente, sabe que será vítima de um crime e resolve avisar a Polícia, que coloca seus homens de sentinela. No momento da ação, o sujeito é apanhado.



CRIME CONSUMADO E TENTADO.

O crime é chamado consumado quando nele restam reunidos todos os elementos de sua definição legal (art.14, I). Já o crime tentado é aquele que, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente (art.14, II).

Decisões referentes a crimes consumados:

"Furto - Consumação - Posse tranqüila da 'res furtiva' pelo agente, ainda que por pouco tempo - Tentativa inadmissível."(STJ, RT-714/444)

"Roubo - Consumação - Posse exclusiva da 'res' pelo agente, ainda que por pouco tempo, porto que preso em flagrante - Tentativa descaracterizada."(TACRIMSP, RT-711/348)

"Estelionato - Consumação - Obtenção de vantagem ilícita em prejuízo alheio, ainda que por pouco tempo - Tentativa descaracterizada - Voto vencido."(TACRIMSP, RT-712/428)


Decisão reconhecendo a tentativa:

"Furto - Tentativa - Acusado que não tem plena disponibilidade da coisa quando surpreendido - Hipótese em que a 'res' não saiu da esfera da vigilância da vítima."(TACRIMSP, RT-716/451)





CRIME FALHO.

É a denominação dada à tentativa perfeita ou acabada, em que o sujeito fez tudo o que estava ao seu alcance para consumar o crime, mas o resultado incorreu por circunstâncias alheias à sua vontade.




CRIMES UNISSUBSISTENTES E PLURISSUBSISTENTES.

Conforme o aspecto numérico dos atos executórios, os crimes podem ser unissubsistentes ou plurissubsistentes.

O crime unissubsistentes é aquele que se realiza com um só ato, como os cometidos verbalmente.

Já os plurissubsistentes ocorrem quando a conduta se exterioriza em dois ou mais atos executórios, como o caso do estelionato, que não se consuma simplesmente com o emprego da fraude, exigindo que o agente obtenha vantagem ilícita em prejuízo alheio.




CRIME DE DUPLA SUBJETIVIDADE PASSIVA.

São crimes que têm dois sujeitos passivos, em razão do próprio tipo.

Um exemplo é a violação de correspondência (art.151), onde são sujeitos passivos tanto o remetente quanto o destinatário.



CRIME EXAURIDO.

Crime exaurido é aquele que, depois de consumado, atinge suas últimas conseqüências, que podem constituir um indiferente penal ou condição de maior punibilidade.




CRIMES DE CONCURSO NECESSÁRIO.

São os que exigem mais de um sujeito. Dividem-se em crimes coletivos (de convergência ou plurissubjetivos) ou crimes bilaterais (ou de encontro).

Crimes plurissubjetivos ou coletivos são aqueles que possuem como elementar o concurso de várias pessoas para um fim único, como a quadrilha ou bando (art.288), enquanto os bilaterais são os que exigem o concurso de duas pessoas, mesmo que uma não seja culpável, como no caso da bigamia e do adultério (art.235 e 240).

Ainda, temos os unilaterais (unissubjetivos ou monossubjetivos) que podem ser cometidos por uma só pessoa, como o furto, o estelionato, o homicídio.



CRIMES DOLOSOS, CULPOSOS E PRETERDOLOSOS OU PRETERINTENCIONAIS.

O crime é chamado doloso quando a agente quer ou assume o risco de produzir o resultado, de acordo com o disposto no art.18, I, do CP.

Já, o crime é considerado culposo quando o sujeito dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (art.18, II).

Por último, haverá crime preterdoloso (preterintencional), quando houver uma ação com resultado mais grave que o pretendido. Nesse caso, haverá sempre dolo na ação (antecedente) e culpa no resultado agravador (conseqüente).

Decisão reconhecendo a ocorrência de crime preterdoloso:

"Atentado violento ao pudor - Morte da vítima - Crime preterdoloso - Imputabilidade que depende da culpa do agente - Aplicação do art.223, parágrafo único do CP."(TJSP, RT-741/602)



CRIMES SIMPLES, PRIVILEGIADOS E QUALIFICADOS.

O crime simples é aquele descrito em sua forma fundamental. É o tipo simples, que contém todos os elementos específicos do delito (ex: "caput"do art.121 do CP).

No entanto, algumas vezes, o legislador, depois da descrição fundamental do crime, acaba acrescentando circunstâncias de natureza objetiva ou subjetiva, com função de diminuir a pena. Nesses casos, diz-se que o crime é privilegiado. É o caso do parágrafo primeiro do artigo 121 do CP.

Ainda, pode ser agregado ao tipo fundamental, circunstâncias que aumentam a pena. Essas são denominadas qualificadoras e o delito passa a ser chamado qualificado (parágrafo 2° , do art.121, do CP).



CRIMES SUBSIDIÁRIOS.

Crimes subsidiários são aqueles que têm aplicação subsidiária em relação a outro, ou seja, somente se aplicam se não constituírem delito mais grave.



CRIMES VAGOS.

São os que têm por sujeito passivo entidades sem personalidade jurídica, como a família, o público, a sociedade. É o caso do ato obsceno.




CRIMES COMUNS E CRIMES POLÍTICOS.

Crimes comuns são aqueles que lesam bens jurídicos do cidadão, da sociedade ou da família, enquanto os políticos atacam a segurança interna ou externa do Estado, ou sua própria personalidade.

Há dois critérios para diferenciar os crimes comuns dos políticos: o objetivo e o subjetivo.

De acordo com o critério objetivo, há delito político quando o comportamento lesa ou ameaça o ordenamento político do país (objeto jurídico).

Para os subjetivistas, o que importa é a motivação do agente. Se há motivo de natureza política, existirá crime político. Caso contrário, será comum.

Os crimes políticos se dividem em crimes políticos próprios (que ofendem a organização política do Estado) e crimes políticos impróprios (que ofendem um interesse político do cidadão). Também são divididos em puros (de exclusiva natureza política) e relativos (que ofendem simultaneamente a ordem política-social e um interesse privado).




CRIME MULTITUDINÁRIO.

É o praticado por multidão em tumulto contra coisa e pessoas. Trata-se de circunstância atenuante, prevista no artigo 65, III, "e".





CRIMES DE OPINIÃO.

São crimes praticados em abuso de liberdade do pensamento (seja por palavra, imprensa ou qualquer meio de transmissão).



CRIME DE AÇÃO MÚLTIPLA (ou de conteúdo variado).

São crimes que descrevem várias modalidades da ação, como o caso da instigação, auxílio e induzimento ao suicídio ( art.122). Aqui, mesmo que as três ações sejam praticadas, serão consideradas fases de um único crime. Outros exemplos: art.234, 289, parágrafo 1° .



CRIMES DE FORMA LIVRE E DE FORMA VINCULADA.

Crimes de forma livre são aqueles que podem ser cometidos através de qualquer comportamento que cause o resultado, como no caso do homicídio, que pode ser praticado de qualquer maneira.

Já os crimes de forma vinculada devem ser praticados da forma particularizada descrita na lei. É o caso do art.284.

A descrição vinculada ou casuística pode ser cumulativa, quando o tipo prevê várias ações do sujeito, ou alternativa, quando prevê mais de uma ação, mas exije a prática só de uma delas.



CRIMES DE AÇÃO PENAL PÚBLICA E DE AÇÃO PENAL PRIVADA.

O artigo 100 do nosso Código Penal esclarece que "ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a delcara privativa do ofendido."

Assim, podemos dizer que há tanto crimes de ação penal pública como privada.

Nos crimes de ação penal pública, o procedimento penal se inicia mediante denúncia do Ministério Público, enquanto, nos de ação penal privada, através de queixa do ofendido ou de seu representante legal (art.100, parágrafos 1° e 2° ).

O critério para que possamos diferenciar um do outro está, justamente, no transcrito artigo 100. O critério é o da exclusão. Se não houver disposição afirmando que a ação somente procede mediante queixa, a ação será penal pública.


Mas os crimes de ação penal pública, ainda, subdividem-se em: de ação penal pública condicionada e de ação penal pública incondicionada.

As primeiras, para que o Ministério Público ofereça a denúncia, exigem a representação do ofendido (art.147, parágrafo único, por exemplo) ou a requisição do Ministro da Justiça ( art.7° , parágrafo 3O, a, por exemplo).

Já, nas ações incondicionadas, a iniciativa do MP não se condiciona à manifestação de vontade de ninguém.



CRIME HABITUAL E PROFISSIONAL.

Crime habitual é a reiteração da mesma conduta reprovável, que acaba constituindo um estilo de vida. Podemos exemplificar com o curandeirismo, previsto no artigo 284 do CP.

No entanto, se o agente pratica as ações com intenção de lucro, estaremos diante de um crime profissional, como o rufianismo (art.230), por exemplo.

Mas como diferenciar o crime habitual do continuado? Bem, verifica-se que, no crime continuado, as ações que o compõe já constituem, separadamente, crimes. Já, no crime habitual, as ações, se consideradas por si só, não são considerados delitos.

Os crimes habituais podem ser próprios, quando somente a reiteração da conduta faz surgir o crime, ou impróprio, quando basta um ato de incitação, tendente aos fins descritos no tipo, para sua integração.



CRIMES CONEXOS.

Pode acontecer que o mesmo sujeito pratique vários crimes ligados entre si. Por exemplo: pode o sujeito cometer uma infração com vistas a esconder outra. Nesse caso, dizemos que estamos diante de crimes conexos.

A conexão pode ser: ideológica (teleológica), conseqüencial (causal), ou ocasional.

Há conexão teleológica quando o sujeito comete o delito com vistas a assegurar a execução de um outro, como, por exemplo, no caso do sujeito que mata o marido para estuprar sua esposa.

Veja! O agente cometeu dois delitos. O primeiro (homicídio) é denominado crime-meio e o segundo (estupro), crime-fim. Responderá, entretanto, na hipótese, por crime de homicídio qualificado pela conexão teleológica, previsto no parágrafo 2° , inciso V, do artigo 121 do CP.

Nos casos de conexão, os crimes estarão ligados pela causa e efeito, devendo-se aplicar as regras do concurso material, previsto no caput do artigo 69 do CP.

Por sua vez, ocorre a conexão conseqüencial quando um delito é praticado com vistas a assegurar a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro. Exemplifiquemos: Imagine que o sujeito, após furtar um documento, coloque fogo na casa para que ninguém dê falta do mesmo. Ou que o agente, depois de cometer um crime de estupro, mate a testemunha presencial para que ela não possa apontá-lo como autor do delito, caso em que o homicídio é praticado com vistas a assegurar a impunidade no crime de estupro. Ainda, imagine que dois sujeitos, em concurso, pratiquem um crime de furto e um deles mate o outro para ficar com o produto da subtração.

Por último, temos, também, a conexão ocasional, que ocorre quando um crime é cometido por ocasião da prática de outro, como no caso de subtração de dinheiro da vítima estuprada.

O artigo 61, II, "b", do CP, traz uma agravante, proveniente de conexão teleológica ou conseqüencial, determinando que a pena será agravada pela circunstância de "ter o agente cometido o crime para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime".

Ainda, a conexão ideológica ou conseqüencial pode constituir, ainda, qualificadora do homicídio, quando o crime-meio é cometido com vistas a assegurar a execução, ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime.




CRIMES FUNCIONAIS.

São aqueles que somente podem ser praticados por pessoas que exercem funções públicas.

Dividem-se em crimes funcionais próprios, em que a ausência da condição referente ao exercício da função pública leva à atipicidade absoluta (passa a não existir mais crime algum), ou os impróprios, em que, faltando tal qualidade, há a atipicidade relativa, encaixando-se a conduta do agente em um tipo de crime comum.



CRIMES A DISTÂNCIA E PLURILOCAIS.

Crime a distância é aquele em que a conduta ocorre um país e o resultado em outro. Por exemplo: o sujeito atira na vítima, no Paraguai, e essa vem a falecer no Brasil.

Delito plurilocal, por sua vez, é aquele que a conduta é realizada num local e a produção do resultado ocorre em outro, dentro do mesmo país. É o caso da professora que leva uma facada em Campinas e vem a falecer em Jundiaí.
CRIMES PLURIOFENSIVOS.

São aqueles que lesam ou expõem a perigo de dano mais de um bem jurídico.



CRIMES A PRAZO.

São aqueles que exigem a passagem de um certo período de tempo, como no caso do artigo 129, parágrafo 1° , I (trinta dias), 169, parágrafo único (quinze dias).



CRIME GRATUITO.

É o praticado sem qualquer motivo.



CRIME DE CIRCULAÇÃO.

Praticado por meio de automóvel.




CRIME TRANSEUNTE.

É aquele que não deixa vestígios.




CRIME DE ATENTADO (ou de empreendimento).

É aquele em que o legislador prevê , para a tentativa, a mesma pena do crime consumado, sem a atenuação prevista no artigo 14 do CP.




CRIME EM TRÂNSITO.

Crime em que o sujeito desenvolve a atividade em um país, sem atingir o bem jurídico de seus cidadãos. Imagine, por exemplo, que uma carta-bomba, enviada de Paris, atravesse o Brasil e vá explodir na Argentina.
CRIMES INTERNACIONAIS.

São aqueles previstos no artigo 7° , II, a, do CP. Como exemplo, podemos mencionar o tráfico de mulheres, a danificação de cabo submarino, entorpecentes.



QUASE-CRIME.

Denominação dada ao crime impossível (art.17) e à participação impunível (art.31) .




CRIMES DE TIPO FECHADO E DE TIPO ABERTO.

Os crimes de tipo fechado são os que apresentam a definição completa, como o caso do furto. Já os de tipo aberto são aqueles que não apresentam descrição típica completa, não restando claro o mandamento proibitivo.

Como exemplo, podemos mencionar os delitos culposos, em que é preciso estabelecer o cuidado objetivo necessário descumprido pelo agente, os crimes omissivos impróprios, que dependem do descumprimento do dever jurídico de agir, ou, ainda, os crimes cuja descrição apresenta elementos normativos, como "indevidamente", "honesta", casos em que a tipicidade do fato depende da ilicitude do comportamento, a ser apreciada pelo juiz.



TENTATIVA BRANCA.

Caso em que o objeto material não sofre lesão.

Imagine que o agente, querendo matar a vítima, dispara tiros de revólver na vítima, sem, no entanto, acertá-la.



CRIME CONSUNTO E CONSUNTIVO.

Crime consunto é o crime absorvido (crime-meio), enquanto o consuntivo é o que absorve (crime-fim).

Imagine, por exemplo, que um sujeito invada uma residência, com vistas a furtá-la. No caso, a subtração será o crime consuntivo, e a violação do domicílio, o crime consunto.


CRIMES DE RESPONSABILIDADE.

Tal expressão, no direito brasileiro, possui sentido ambíguo, já que se refere a crimes e infrações político-administrativas não sancionadas com penas de natureza criminal.

Em sentido amplo, a expressão atinge tipos criminais propriamente ditos (crimes de responsabilidade próprios) e fatos que lesam a deveres funcionais, sancionados com pena política ( impróprios).

Restritivamente, entretanto, refere-se às normas que descrevem crimes praticados com violação de cargo ou função, apenados com sanção criminal, presentes no CP (crimes comuns) e na legislação especial (crimes especiais).

Os crimes de responsabilidade impróprios, que corresponde às infrações político-administrativas, estão definidos na Lei n.1097, de 10-04-1950. São crimes de responsabilidade do Presidente da República, de Ministros de Estados, dos Ministros do Supremo, do Procurador-Geral da República e dos Governadores dos Estados e seus Secretários. Também, encontram-se presentes na Lei n.7.106, de 28-6-1983, que trata dos crimes de responsabilidade do Governador do Distrito Federal.

Os crimes de responsabilidade próprios estão descritos no CP, correspondendo aos crimes funcionais, cometidos por funcionários públicos no exercício do cargo ou função (art.312 a 326).

Já na legislação especial, os crimes de responsabilidade propriamente ditos estão definidos no Decreto-lei n.201, de 27-2-1967, que trata dos crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores, na Lei n.4.898, de 9-12-1965, que se refere ao abuso de autoridade, e em outras leis que estabelecem penas aos funcionários públicos que cometem delitos no exercício da função.



CRIMES HEDIONDOS.

Referem-se a delitos repugnantes, sórdidos, decorrentes de condutas que, pela forma de execução, ou pela gravidade objetiva de seus resultados, mostram-se repugnantes.

Restam previstos no artigo 1° da lei 8072/90, alterada pela lei 8930/94. Dentre eles, temos o crime de homicídio simples (desde que cometido em ação típica de grupo de extermínio), o homicídio doloso qualificado, o latrocínio, a extorsão qualificada pela morte, a extorsão mediante seqüestro, o estupro, o atentado violento ao pudor, a epidemia com resultado morte e o genocídio, tentados ou consumados.

Esses crimes não possibilitam a clemência soberana, a fiança, a liberdade provisória, devendo a pena ser cumprida integralmente em regime fechado.

FATO TÍPICO.

Como já estudamos, pelo aspecto formal, o crime se compõe de um fato típico e antijurídico.

Estudemos, primeiro, o fato típico, que consiste, justamente, no fato que se enquadra às condutas descritas na lei penal.


Elementos do fato típico.

Para integração do fato típico, é necessária a presença de alguns requisitos, sejam eles: a ação ou omissão (comportamento humano), o resultado (nos crimes materiais), o nexo causal entre a conduta e o resultado, e a tipicidade.

Assim, imagine que Felipão mata Marcelinho Carioca com tiros de revólver. Temos, no caso, a conduta (desfechar tiros), o resultado (morte), e o nexo causal entre eles ( já que a vítima falece, justamente, em razão dos ferimentos produzidos pelas balas). Todos esses elementos restam descritos pela lei como crime de homicídio, no artigo 121 do CP, sendo que o fato se enquadra direitinho em um dos modelos definidos pelas normas incriminadoras.

Podemos dizer, portanto, que são componentes do fato típico (1) a conduta dolosa ou culposa, (2) o resultado (salvo nos crimes de mera conduta), (3) o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado (salvo nos crimes de mera conduta e nos formais), e (4) a tipicidade.

Faltando um dos elementos (componentes) do fato típico, estaremos diante de um fato atípico.

Lembra-se da historinha do sujeito que, no Dia dos Namorados, pega um carro "emprestado", compra uma garrafa de Sangue de Boá, e leva sua "mina" ver estrelas na Serra do Japy? Pois bem... Nessa hipótese, embora todos tenham ficado horrorizados, eu afirmei que se tratava de um fato atípico, uma vez que o agente não tinha a intenção de se apoderar do bem. Trata-se de simples crime de uso, que não é punido, em virtude da ausência de uma elementar do crime de furto, seja ela, a intenção de apossar do bem para si ou para outrem.



Conduta.

A conduta é a ação ou omissão humana consciente e voluntária, dirigida à determinada finalidade.

Vejamos, então, suas características.

(1) A conduta diz respeito somente ao comportamento do homem, e não de animais irracionais.

1.. Somente as condutas corporais externas constituem ações. O Direito Penal não se preocupa com a simples cogitação, atividade puramente psíquica.

2.. Só interessa ao Direito Penal a conduta humana voluntária e não os atos reflexos.

3.. O comportamento consiste em uma movimento ou em uma abstenção de movimento.


Os elementos da conduta, portanto, são:

1.. um ato de vontade dirigido a uma finalidade.


(2) atuação positiva ou negativa dessa vontade no mundo externo.

Como vimos acima, o primeiro elemento é justamente um ato de vontade voltado a um fim. Segundo Welzel, a vontade abrange o objetivo pretendido pelo sujeito, os meios usados na execução e as conseqüências secundárias da prática.

O segundo elemento é a manifestação da vontade, ou seja, a atuação, que consiste no movimento corpóreo ou em sua abstenção. A conduta é a fase final de um processo ativo que começa no campo puramente intelectual e termina na esfera muscular.


Ausência de conduta.

Verificado que a vontade é elemento da conduta, parece claro que essa última não ocorre quando o ato é involuntário.

O ato, portanto, deve ser espontâneo, deve vir de dentro do agente, não podendo ser, pois, forçado. Ainda, o fim deve ser conhecido como tal, caso contrário o ato não será voluntário, mas natural e instintivo.

Os atos reflexos não são relevantes para o Direito Penal, pois se tratam de uma reação automática. Dessa forma, se alguém, em razão de um simples reflexo vier, por exemplo, danificar um objeto, não cometerá o crime de dano, em virtude da ausência de um elemento do fato típico, seja ele, a conduta.

O mesmo não podemos dizer dos atos instintivos, que são verdadeiras formas de reação espontânea motivada por uma necessidade interna, podendo ser acompanhados de um elemento psíquico, como o sentimento, requerendo a participação de vários órgãos, e podendo ser controlados pela atenção.



Assim, havendo um querer, mesmo que primitivo, produzindo o movimento corpóreo, não se exclui, a priori, a conduta.

Quanto à coação irresistível, não podemos nos esquecer de que ela se divide em coação física (vis absoluta) e moral (vis compulsiva).

No primeiro caso, dizemos que o sujeito somente praticou o movimento em razão de força corporal exercida sobre ele. Ele agiu, forçadamente, não havendo, dessa forma, conduta. Por outro lado, se a coação é moral, a conduta existe, no entanto, não recai sobre o agente a censura (culpabilidade).

Outros exemplos de ausência de conduta: movimentos praticados durante o sonho ou sonambulismo, sob sugestão ou hipnose, e em estado de inconsciência.


TEORIAS DA CONDUTA.

São três as teorias mais difundidas sobre a conduta. São elas: a teoria naturalista, a social e a finalista. Apreciemos cada uma delas.


TEORIA NATURALISTA OU CAUSAL DA AÇÃO.

Essa teoria afirma que a conduta é um comportamento humano voluntário exteriorizado, consistente em um fazer ou não fazer, sendo prescindível qualquer valoração (finalidade).

De acordo com Beling: "a ação é um comportamento corporal (fase objetiva da ação), produzido pelo domínio sobre o corpo (liberdade de energia muscular, fase subjetiva da ação), isto é, o comportamento corporal voluntário consistente já num fazer (ação positiva), ou seja, um movimento corporal, como levantar a mão etc., já num não fazer (omissão), isto é, distensão dos músculos."

Para essa teoria, a conduta é puro fator de causalidade, uma simples produção do resultado, mediante o emprego de forças físicas. É tratada como simples exteriorização de movimento ou abstenção de comportamento, desprovida de qualquer finalidade, pouco importando se o resultado foi produzido pela vontade do agente ou se decorreu de sua atuação culposa, interessando somente saber quem foi o seu causador material.

Dessa forma, se, por exemplo, um sujeito estivesse conduzindo seu veículo, prudentemente, pela via pública, e um suicida se jogasse sob as rodas do seu carro, imprevisivelmente, e viesse a falecer, o sujeito teria cometido um homicídio, ficando a análise do dolo e da culpa para um momento posterior ( análise da culpabilidade ).

Hans Welzel teceu críticas ferrenhas a essa Teoria, afirmando que ela deixava perigosa margem para o arbítrio, ao mesmo tempo em que permitia o total esvaziamento do conteúdo normativo do direito.

De fato, não podemos equiparar ações humanas a reações autômatas, desprovidas de vontade. Afinal, as pessoas que agem ou se omitem sempre buscam um fim ou a satisfação de um desejo, não havendo conduta sem que a voluntariedade seja sua força propulsora. Os homens não se conduzem, cegamente, como se não tivessem inteligência ou vontade. Todo comportamento tem a vontade em sua base, entendendo-se, pois, superada tal teoria.

Ainda, essa teoria não resolve o problema da omissão. Afinal, se nada pode ser produzido do nada, não se sabe como a omissão pode sofrer a incidência da relação de causalidade.

Também, não soluciona a questão da tentativa, já que afirma que o conteúdo da vontade não pertence à conduta (ação), sendo que essa última é somente a causa do resultado.

No entanto, para que se possa dizer que há tentativa de um determinado crime, é necessário que haja uma conduta tendente à produção de um certo resultado, que não se produziu por circunstâncias alheias à sua vontade. Ora, se a conduta é somente a produtora de um resultado, como afirmar isto na tentativa, que não traz qualquer resultado?

Como diz Welzel, "a tentativa não é um mero processo causal que não produz seu efeito, mas uma conduta que aponta a um resultado escolhido previamente; por conseguinte, uma ação na qual o conteúdo da vontade é um elemento constitutivo. Como se poderia definir de outro modo a tentativa de homicídio, a não ser como uma ação com a qual o autor quer matar um homem? Se o conteúdo da vontade é uma parte integrante, necessária, da ação, na tentativa, seguirá sendo assim quando se produz o resultado. Em face desse fato, fracassa toda interpretação causal da ação."



TEORIA SOCIAL DA AÇÃO.

Segundo Maurach, "o fato de a ação produzir uma modificação no mundo exterior físico não tem, pois, qualquer importância; essencial é que ela implique uma relação valorativa com o mundo circundante social."

Assim, a ação é, portanto, a causa de um resultado típico socialmente relevante, devendo o Direito Penal cuidar somente das condutas voluntárias que produzam resultados típicos de relevância social.

Não basta que o agente tenha a vontade de produzir um resultado descrito na lei. Deve, ainda, querer comportar-se de modo socialmente inadequado, produzindo um dano ou perigo de relevância social.

Dessa forma, se o comportamento, mesmo típico, não afrontar o sentimento de justiça, o senso de normalidade ou de adequação social do povo, não se pode considerá-lo relevante para o Direito Penal.

Tal teoria é perigosa, porque, uma vez que uma determinada conduta prevista como crime pelo legislador passa a ser aceita pela sociedade, o juiz pode passar a não mais reprimi-la, passando a enxergá-la como atípica, porque se entende que, para o enquadramento da norma, não basta a vontade de concretizar os elementos do tipo, mas é necessária a inadequação social.

No entanto, como já vimos, em nosso sistema, o costume não revoga a lei (somente uma lei pode revogar outra lei), assim como ao julgador não cabe legislar, revogando regras postas pelo Legislativo.

Sabemos que é função do Poder Legislativo, e não do Judiciário, eleger, de acordo com a nocividade social, os comportamentos que devem ser tidos como criminosos. Da mesma forma, o desuso de uma determinada norma pelo costume deve levar o Legislador (e não ao juiz) a afastar determinada norma do ordenamento jurídico.

Ainda, vislumbra-se que essa teoria não deixa, também, de ser causal. De fato, começar a explicar o crime pelo resultado socialmente relevante é inverter a ordem normal das coisas, pois a finalidade que orienta a conduta deve ser anterior ao resultado.

Essa Teoria merece as mesmas críticas da teoria causal da conduta, não resolvendo, de maneira satisfatória, a questão da tentativa e do crime omissivo.

Também, dá muita importância ao desvalor do resultado, quando o que importa é o desvalor da conduta. Ora, se a ação é a simples causação de um resultado socialmente relevante, então concluímos que não há diferenças entre o homicídio doloso e o culposo, uma vez que, em ambos os casos, o resultado é o mesmo. Entendem que essa diferença deve ser feita não na ação ou fato típico, mas no campo da culpabilidade.

Essa teoria foi repudiada pela doutrina penal.




TEORIA FINALISTA DA AÇÃO.

A adoção da teoria causal da ação, como já verificamos, levava à perplexidade, uma vez que não lograva diferenciar uma ação dolosa de uma culposa, já que o resultado era idêntico.

Verificou-se, então que o desvalor do resultado não servia como elemento diversificador. A diferença, em verdade, estava na ação. Era o desvalor da conduta que fazia com que um homicídio doloso fosse apenado mais severamente que um culposo, sendo o resultado morte elemento de ambos os delitos.

Welzel criou a teoria finalista da ação, afirmando que a ação humana é o exercício da atividade finalista. Trata-se de um acontecimento finalista, e não somente causal.

A finalidade finalista da ação baseia-se em que o homem, consciente dos efeitos causais do acontecimento, pode prever as conseqüências de sua conduta, propondo, dessa forma, objetivos de distinta índole. O sujeito, conhecendo a causa e o efeito, pode dirigir sua atividade no sentido de produzir determinados efeitos.

Daí podemos diferenciar um homicídio de um raio mortal. No homicídio, há uma série de condutas humanas que visam à produção do resultado morte da vítima, como, por exemplo, a compra da arma, a escolha do local, emboscada, pontaria e disparo. Já no caso do raio mortal, a morte é efeito cego dos componentes causais dispostos pela natureza.

Assim, verifica-se que a vontade tem conteúdo, ou seja, ela tende à produção de determinado fim. Assim, podemos dizer que o vontade abrange: o objetivo que o agente pretende atingir, os meios empregados para tal e as conseqüências secundárias.

O nexo finalista da ação somente se estende aos resultados propostos pela vontade. Em relação ao não proposto pela vontade, rege o princípio causal. Mas a doutrina finalista da ação não se preocupa somente com o conteúdo da vontade, o dolo, que é a vontade de concretizar as características objetivas do tipo penal, tratando, também, da culpa.

O Direito não se preocupa somente com as condutas dolosas, mas, também, com as condutas culposas, que ocorrem quando há a inobservância do mínimo de direção finalista no sentido de impedir a produção de conseqüência danosas.

Verificando-se que uma ação pode ser contrária ou de acordo com o Direito, de acordo com a atitude subjetiva do agente, a doutrina finalista sentiu a necessidade de incluir o dolo na ação (conduta) e no tipo penal.

Assim, se eu vejo um homem atirando em um outro com um fuzil, e produzindo-lhe a morte, pela simples apreciação objetiva, não posso afirmar qual o crime cometido. Pode tratar-se de homicídio doloso, se ele desejou a morte (dolo direto) ou assumiu o risco de produzi-la (dolo eventual). Pode tratar-se de erro de tipo invencível, se foi levado a crer que era o vulto de um animal selvagem. Pode ser um homicídio culposo ou um erro provocado por terceiro, ou até mesmo disparo de arma de fogo.

Em verdade, somente depois de analisar o conteúdo da vontade é que poderemos fazer qualquer afirmação. Portanto, parece claro que a vontade final, ou seja, o dolo, faz parte do tipo, funcionando como elemento subjetivo do tipo.

Podemos, dessa forma, afirmar que a figura típica possui duas partes: uma subjetiva (de cunho final) e outra objetiva (de cunho causal), que é dirigida pela primeira.

Verifica-se que, por essa teoria, o dolo foi retirado da culpabilidade, tornando-se elemento subjetivo do tipo, integrando, dessa forma, a conduta, que é o primeiro elemento do tipo.

Por sua vez, no crime culposo, a conduta descrita no tipo (por exemplo: "se o homicídio é culposo") está integrada pela inobservância do dever de diligência na vida em sociedade. Assim, quem tem habilidade para realizar uma conduta adequadamente deve fazê-lo. Quem não tem, deve abster-se de realizar o comportamento desejado.

No caso, realiza-se uma comparação entre o comportamento adequado e o efetivo comportamento do agente, com vistas a verificar se ele é típico no sentido de um crime culposo. Toda ação que não corresponder a tal comportamento tido como adequado é típico no sentido do crime culposo.



FORMAS DE CONDUTA: AÇÃO E OMISSÃO.

AÇÃO.

A ação se manifesta através de um movimento corpóreo, tendente a uma finalidade.

A maior parte dos verbos (núcleos) dos tipos se consubstancia em modos positivos de agir, como destruir, subtrair, matar, apropriar-se, obter etc. Quando o crime é cometido por essa forma positiva, dizemos que foi praticado mediante comissão.

No entanto, mesmo quando o verbo indica uma forma positiva de cometer o crime, esse pode ser praticado mediante omissão. Nesse caso, fala-se em crime comissivo por omissão. É o caso da mãe que mata o filho mediante privação de alimentos.


OMISSÃO.

Teorias.

Há duas teorias sobre a natureza da omissão. A primeira é a naturalística e a segunda é a normativa.



Teoria naturalística.

Para essa teoria, a omissão é um fenômeno causal, é uma forma de comportamento que pode ser apreciada pelos sentidos, ou seja, é claramente perceptível no mundo dos fatos, uma vez que, ao invés de ser considerada uma inatividade, caracteriza-se como uma espécie de ação.

Constitui-se, pois, em um fazer, uma vez que quem se omite faz alguma coisa. A omissão acaba provocando modificações no mundo dos fatos, na medida em que o omitente, ao não agir, faz coisa diversa da que deveria ser feita. Assim, aquele que se omite dá causa a um resultado, devendo, pois, por ele responder.

Tal posição foi bastante criticada, entendendo-se que, em verdade, a omissão é um nada e um nada não pode causar coisa alguma.

Sustentam, em outras palavras, que, dentro da lei de causa e efeito, a inatividade não pode ser provocadora de nenhum resultado.

Imagine que qualquer um de vocês esteja saindo da faculdade, veja uma velhinha ser atropelada e nada faça. Não podemos dizer que você causou a sua morte, pois inexiste nexo de causalidade material entre a sua inação e as múltiplas fraturas que levaram ao óbito. Somente existe ligação entre a conduta do motorista e as lesões.

Assim, fica claro que a omissão não causa nada (não produz qualquer resultado). É claro que o omitente poderia ter interferido no processo causal e evitado o resultado, mas isso é bem diferente de ser ele o causador do resultado.

O erro da teoria é que, no caso, o omitente responderia por homicídio, por tê-lo causado. Mas não foi ele que causou o resultado.

No entanto, como veremos mais tarde, nosso ordenamento não se filiou a essa teoria, e o omitente responde somente pela sua própria omissão.

Na historinha relatada, pela teoria adotada pelo Código Penal, o sujeito responderia pela omissão de socorro "qualificada" pelo resultado morte (artigo 135, parágrafo único, Segunda parte, do CP) e não pelo homicídio.



Teoria normativa.

Para essa teoria, a omissão é um nada, e um nada não pode causar coisa alguma. Quem se omite nada faz e, portanto, nada causa. Portanto, não deve responder pelo resultado, uma vez que não o provocou.

Excepcionalmente, entretanto, embora não haja nexo causal entre a omissão e o resultado, essa teoria admite que aquele que se omitiu seja responsabilizado pela ocorrência do fato.

Para que isso ocorra, entretanto, mostra-se necessária a presença do "dever jurídico de agir".

Assim, a omissão penalmente relevante é aquela que possui dois elementos: (1) não fazer (2) aquilo que tinha o dever jurídico de fazer. Portanto, não basta o não fazer. É preciso que haja norma determinando o que devia ser feito. E essa norma, aqui, é muito mais do que o mero dever previsto em lei, envolvendo todos os casos em que o senso comum da sociedade impuser a realização do comportamento comissivo.

Nosso Código prevê três hipóteses em que estará presente o dever jurídico de agir. São elas: a) quando houver determinação específica prevista em lei (dever legal), b) quando o omitente tiver assumido, por qualquer outra forma, a obrigação de agir (dever do garantidor), e c) quando o omitente, com seu comportamento anterior, criou o risco para a produção do resultado e não o impediu (dever por ingerência na norma).


FORMAS DE CONDUTAS OMISSIVAS.

Crimes omissivos próprios.

São aqueles que se perfazem com a simples conduta negativa do sujeito, pouco importando ocorra ou não o resultado.

No caso, inexiste o segundo elemento da omissão, que é o dever jurídico de agir. Assim, o omitente só praticará crime se houver um tipo incriminador descrevendo a omissão como infração formal ou de mera conduta. Como exemplo, podemos mencionar os artigos 135 e 269 do CP.

Geralmente, os tipos penais dos crimes omissivos próprios iniciam-se com o verbo "deixar", descrevendo, dessa forma, a conduta omissiva que, realizada, dá vida ao crime.


Crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão.

Nesses casos, o agente tinha o dever jurídico de agir para evitar o resultado. Entretanto, nada fez, devendo, pois, responder pelas lesões produzidas. A omissão, na hipótese, somente tem relevância causal porque há uma norma dizendo que ele deveria agir.

O omitente, aqui, não responderá somente pela omissão como uma simples conduta, mas sim pelo resultado produzido, exceto se esse não lhe puder ser atribuído nem por dolo, nem por culpa.


Requisitos da omissão.

Para que se caracterize a conduta omissiva, mostra-se necessário se analisar se o omitente, nas circunstâncias em que se encontrava, tinha condições de executar a ação exigida.

Assim, exigem-se os seguintes requisitos:

1.. conhecimento da situação típica.

2.. Consciência de seu poder de ação para a execução da ação omitida.

3.. Possibilidade física de executar a ação exigida.
CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR.

Fortuito é o que se mostra imprevisível ou inevitável. Chega sem ser esperado e por força estranha à vontade do homem, que não o é capaz de impedir. Podemos exemplificar com o incêndio provocado por um cigarro que cai de um cinzeiro, por ação de um vento forte.

Por outro lado, a força maior também é um fato imprevisível, mas da qual participa a vontade humana. O exemplo mais comum é o da coação física irresistível.

O caso fortuito e a força maior excluem o dolo e a culpa e, conseqüentemente, a conduta, não havendo, dessa forma, crime. Ocorre, pois, a atipicidade do fato.


Resultado.

Resultado é a modificação do mundo externo gerada pela conduta (comportamento humano voluntário).


Teorias.

Há duas teorias sobre o resultado: a naturalística e a jurídica ou normativa.


Naturalística.


Para essa teoria, resultado é a modificação provocada no mundo exterior pela conduta.

Como exemplo, podemos mencionar a perda patrimonial, no crime de furto; a conjunção carnal, no estupro; a morte, no homicídio; a ofensa à integridade física, nas lesões corporais.

Como já vimos, quando da classificação dos crimes em materiais, formais e de mera conduta, nem sempre o crime traz um resultado naturalístico.


Jurídica ou normativa.

Para essa teoria, resultado é toda lesão ou ameaça de lesão a um interesse penalmente relevante. Assim, todo crime terá um resultado jurídico, porque sempre agride um bem jurídico tutelado pelo Estado.

De fato, se não houver resultado jurídico (se nenhum bem tutelado pelo Estado for lesionado ou ameaçado de lesão) não haverá crime.

Portanto, o resultado jurídico será, justamente, a lesão ou ameaça de lesão aos bens protegidos pelo Estado, como a vida, a honra, o patrimônio etc..



NEXO CAUSAL.

O nexo de causalidade entre a conduta e o resultado (modificação no mundo exterior) é o terceiro elemento do fato típico. Trata-se da ligação existente entre a conduta e o resultado naturalístico.

Imagine que Felipão tenha esfaqueado Marcelinho Carioca. O juiz irá perguntar se a morte de Marcelinho foi produzida pelo comportamento de Felipão, ou seja, pelos ferimentos oriundos dos golpes de faca. Se o for, estará presente o nexo de causalidade.



Teoria da Equivalência dos antecedentes causais.


Nosso Código, ao abordar o nexo de causalidade, adotou a Teoria da conditio sine qua non (condição sem a qual não...), denominada, também, de equivalência dos antecedentes causais.

O artigo 13, caput, segunda parte, deixa claro que considera-se causa qualquer antecedente que tenha contribuído para a produção do resultado.

Para essa teoria, tudo aquilo que não pode ser excluído da linha de desdobramento causal do resultado é considerado sua causa. Assim, causa é toda condição do resultado, sem o qual esse não teria acontecido.

Assim, para sabermos se uma ação é causa de um resultado, devemos, mentalmente, retirá-la da série causal. Se, com a sua exclusão, o resultado não se produziria, podemos afirmar que trata-se de uma causa.

Para que se compreenda tal raciocínio, suponha que Felipão tenha matado Marcelinho, com tiros de revólver. Para que o resultado se produza, na hipótese, é necessária a ocorrência de vários fatos, como, por exemplo: (1) a produção da arma pelo fabricante, (2) a venda, pelo comerciante, dessa arma, ao agente, (3) a tomada de refeição pelo homicida, minutos antes da prática do crime, (4) a emboscada, (5) o disparo contra a vítima e (6) o resultado morte.

Verifique que, retirados os fatos de números 1, 2, 4 e 5 da cadeia causal, o resultado (6) não teria acontecido do modo como ocorreu, no momento em que aconteceu. No entanto, se excluirmos o fato número 4 (tomada de refeição), mesmo assim o resultado teria se produzido. Assim, tal fato não pode ser considerado causa.

Vejamos um outro exemplo: o genro encontra a sogra mortalmente envenenada pela nora. Faz com que a mesma ingira água, antecipando-lhe a morte.

Se suprimíssemos, mentalmente, a ingestão da água, a velha morreria ou não morreria? De fato, ela teria morrido. Só que a morte ocorreria mais tarde. Assim, aparentemente, a conduta não poderia ser considerada causa do resultado morte, não é mesmo?

Entretanto, verifica-se que, sem a conduta do genro, a morte da sogra não teria ocorrido da maneira como ocorreu, e no momento (antecipado) em que ocorreu. Então, sua ação deve ser considerada causa do resultado morte.

Veja! O genro deve ser responsabilizado pela morte, como ela ocorreu.

Moral da história: se a sogra estiver morrendo em razão de seu próprio veneno, não queira apressar a sua morte, fazendo-a ingerir água, sob pena de dar causa ao resultado antecipado, tendo que responder por sua conduta.

A crítica mais severa que se faz à teoria da conditio sine Qua non é a que diz respeito à sua extensão. Ora! Se a fabricação da arma usada pelo agente é causa do resultado, deveria o fabricante, também, responder pelo delito de homicídio, praticado com a arma por ele produzida? E a mãe que colocou o delinqüente no mundo? Ela, também, deve ser responsabilizada?

Ora! Essa teoria nos leva à responsabilização de todos os que colaboraram para o evento último.

Entretanto, não podemos aceitar os excessos dessa teoria. No caso, o fabricante e a mãe não responderiam por crime algum, face à ausência de dolo ou culpa, elementos necessários para que haja conduta, fato típico e, conseqüentemente, crime.


Aplicação da Teoria da Equivalência dos Antecedentes.

Diz o artigo 13 que o resultado somente é imputável a quem lhe deu causa. Assim, verifica-se que o nexo causal somente tem aplicação nos casos de crimes que exigem resultado (materiais). Acompanhando esse resultado, concluímos que não haverá nexo causal, nos crimes de mera conduta ou nos crimes formais.


Causalidade na omissão.

O problema da causalidade na omissão somente tem pertinência nos crimes comissivos por omissão (impróprios), uma vez que nos delitos omissivos próprios (puros) , basta a prática da conduta descrita no tipo (Deixar de...), para que esse se consume, não se prevendo ou exigindo qualquer resultado naturalístico. Assim, inexistindo resultado, não há que se falar em nexo causal entre a conduta e aquele.
Tratemos, pois, dos crimes omissivos impróprios (a historinha da mãe que não alimenta o bebê...). Não se fala em nexo causal objetivo nos crimes omissivos, uma vez que não existe causalidade física entre a omissão e o resultado. Afinal, como já mencionamos, a omissão não dá causa ao resultado, uma vez que do nada, nada pode surgir (teoria normativa).

Como já vimos, a conduta omissiva é normativa (e não naturalística). A causalidade ocorre entre o resultado e a conduta que o sujeito estava juridicamente obrigado a realizar, mas omitiu. Ele responde pelo resultado não porque o causou com sua omissão, mas sim porque não impediu tal resultado, realizando uma conduta a que estava obrigado.

O artigo 13, parágrafo 2° , do CP, tratando da relação de causalidade normativa, nos delitos omissivos impróprios (comissivos por omissão) , adotou a teoria da omissão normativa, determinando que:

"A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever incumbe a quem:

1.. tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

2.. de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

3.. com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado".

Portanto, verifica-se que, nos delitos omissivos impróprios somente há de responder pelo resultado aquele que tinha o dever jurídico de agir, e não agiu para impedir o resultado. Não responde porque causou o resultado, mas porque não o impediu, podendo fazê-lo sem qualquer risco pessoal.

Entretanto, se analisarmos o caput do mesmo artigo 13, teremos a impressão de que não foi , em verdade, adotada a Teoria normativa do resultado, mas, sim, a naturalística. Tal artigo determina:

"Art.13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido."

Temos a impressão de que a omissão, no caso, foi equiparada à ação, ou seja, a um "fazer", ambas dando causa ao resultado.

Não é bem assim. Tal dispositivo não pode ser interpretado restritivamente. Deve ser apreciado em conjunto com as demais disposições. No caso, deve-se levar em conta o parágrafo segundo do mesmo artigo que deixa claro que a omissão somente tem relevância quando presente o dever jurídico de agir.

Assim, como já dito, o omitente, embora não tenha dado causa ao resultado, uma vez que o nada pode causar, será responsabilizado, excepcionalmente, nas hipóteses em que tinha o dever jurídico de agir.

Caso contrário, como bem acentua Enrique Cury: "qualquer um poderia ser acusado de não haver feito algo, para evitar um certo resultado. Por não haver imprimido à educação do filho a direção adequada, inculcando-lhe o respeito pela vida humana, castigar-se-ia o pai do homicida; o transeunte, por não haver prestado mais atenção ao que ocorria ao seu redor, e por não ter, em conseqüência, prevenido oportunamente a quem iria ser vítima de um acidente; o arquiteto, por não haver projetado maiores cautelas, para impedir o acesso ulterior de ladrões. Assim, a extensão dos tipos não teria limites, e a prática por omissão se transformaria num instrumento perigoso nas mãos de todo poder irresponsável."(Orientación para el estudio de la teoría del delito, Santiago, Nueva Universidade, 1973, p.297-8)

Neste sentido, ainda, orientação do Supremo Tribunal Federal : "A causalidade, nos crimes comissivos por omissão, não é fática, mas jurídica, consistente em não haver atuado o omitente, como devia e podia, para impedir o resultado."(RTJ 116/177)

O primeiro caso de dever jurídico de agir ocorre quando existe um mandamento legal determinando a realização da conduta que impediria o resultado.

É, justamente, a historinha da mãe que deixa de alimentar seu filho, que vem a morrer de inanição.

Ora! O Código Civil, em seu art.384, impõe tal obrigação aos genitores. Tal obrigação de cuidado, proteção ou vigilância origina-se das relações de pátrio poder, família, tutela, curatela, adoção...

No segundo caso, temos a posição do garantidor. Aqui, o sujeito se obriga a evitar a ocorrência do resultado, se coloca na posição de garante, pouco importando se o fez através de contrato ou não. Podemos exemplificar com o guia alpino e o alpinista, o enfermeiro e o doente, o salva-vidas e o mau nadador.

Imagine que a babá, descuidando-se de sua condição de cuidar da criança, permite que essa caia na piscina e morra afogada. Ou a vizinha que resolve tomar contas das crianças, mas omite-se, deixando que essas coloquem o dedo na tomada.

Em todos esses casos, o omitente responderá pelo resultado, não porque o causou com a sua omissão, mas porque não evitou o resultado danoso, a não ser que este não lhe possa ser atribuído nem por dolo nem por culpa, caso em que não haverá crime, por falta de conduta.

A terceira forma é a denominada de "ingerência da norma", em que a pessoa, com seu comportamento anterior, acabou criando o risco da produção do resultado.

Como exemplo, podemos mencionar o caso de um amigo que joga o outro na piscina, de brincadeira. Se esse estiver se afogando, ele tem o dever de salvá-lo, sob pena de responder pelos danos causados.



SUPERVENIÊNCIA CAUSAL.

Vimos, em outras palavras, que causa é toda condição que atua paralelamente à conduta, interferindo no processo causal.

As causas podem ser classificadas, basicamente, em duas espécies: (a) dependentes e (b) independentes.

A causa dependente é aquela que, originando-se da conduta, insere-se (encontra-se) na linha normal de desdobramento causal da conduta. Há uma relação de dependência entre os fenômenos, de forma que, sem o anterior, não haveria o posterior, e assim por diante.

Assim, para que haja causa dependente, mostra-se necessário que a causa tenha origem na conduta, sem a qual ela não existiria, e que ela atue com absoluta dependência da causa anterior, da qual resulta como uma conseqüência natural e esperada.

A causa dependente não exclui o nexo causal. Pelo contrário. Ela é necessária para que haja o resultado.

Como exemplo, podemos mencionar os desdobramentos normais de causa e efeito, produzidos pela conduta de atirar na vítima. São eles: perfuração de órgão vital produzido pelo impacto do projétil contra o corpo, a lesão cavitária, a hemorragia interna aguda traumática, a parada cardiorespiratória e a morte.

Todos esses fenômenos estão interligados, de modo que um não aconteceria sem o outro.

Quando a causa for dependente da conduta, o que ocorre? Ocorre nexo causal entre a conduta e o resultado. Afinal, foi a conduta que causou o resultado (existe um elo, uma ligação entre ambos).

A conduta e todas as causas dependentes, que se seguiram foram a causa do resultado, devendo haver a responsabilização do agente se agiu com dolo ou culpa.

A segunda espécie de causa são as independentes, que são aquelas que se destacam da conduta, produzindo por elas mesmas o resultado. Assim, parece claro que as causas independentes não se encontram dentro da linha de desdobramento normal da conduta. Elas se destacam dessa linha e têm seu rumo próprio. Produzem por si só o resultado.

As causas independentes, ainda, dividem-se em (a) absolutamente ou (b) relativamente independentes.
(a) As causas absolutamente independentes são aquelas que produzem, por si só, o resultado, e, além disso, tem origem totalmente diversa, destacada, da conduta.

(b) Por sua vez, as relativamente independentes produzem por elas mesmas o resultado, mas se originam da conduta (nascem com a conduta, destacam-se desta mais tarde).

Dependendo, ainda, do momento em que acontecem (antes, durante ou depois), elas podem ser preexistentes (quando anteriores à conduta), concomitantes ( quando simultâneas à conduta) e supervenientes (quando posteriores à conduta).

Estudemos cada uma delas.

(1) Causa preexistente absolutamente independente (que tem origem diversa da conduta e produz por si só o resultado).

Imagine que o genro deseje matar sua sogra por envenenamento. No jantar, insidiosamente, ministra gotas de um veneno fatal na sopinha da velha. Ela toma a sopa com sofreguidão e, logo após ter dado as primeiras colheradas, cai morta no chão.

O genro se assusta: "Meu Deus! Acho que eu exagerei na dose... Esse veneno leva duas horas para fazer efeito..." Entretanto, descobre-se que, em verdade, a nora já havia envenenado a velhinha no chá da tarde.

Veja! A conduta anterior a do agente (envenenamento pela nora) é preexistente, ou seja, existia antes da sua conduta. Mais, o envenenamento vespertino não tem nada a ver com o noturno, tendo produzido, por si só, o resultado.

Qual, então, a conseqüência dessa causa preexistente absolutamente independente? Ou ainda, qual a conseqüência dessa causa que existia antes ainda da conduta do agente, que estava totalmente desvinculada dessa, e mais, produziu, por si mesma, o resultado?
A causa preexistente quebra o nexo causal. Não foi o genro que matou a sogra. Em verdade, rompeu-se o nexo causal entre a sua conduta e o resultado morte. Ele, então, não responderá por homicídio doloso consumado, mas, sim, pela tentativa do homicídio.

(2) Causa concomitante absolutamente independente.

Imagine, agora, que, na mesma situação, no momento em que o genro está envenenando a sogra (no caso, não houve envenenamento anterior), entrem quatro assaltantes na casa e matam-na com um tiro certeiro na cabeça.

Veja! Os tiros mataram a velha, não havendo qualquer influência da conduta do agente (colocar o veneno) no desdobramento causal. A causa surgiu do nada e produziu por si só o resultado.

Desse modo, mais uma vez, houve a quebra do nexo causal, devendo o sujeito responder somente por tentativa.

(3) Causa superveniente absolutamente independente.

Imagine, mais uma vez, que tenha o genro acabado de envenenar a sogra (ela já tomou toda a sua sopinha) e, nesse instante, cai um lustre enorme na sua cabeça.

Veja que, novamente, a causa não tem nada a ver com a conduta do agente. Em verdade, aconteceu uma causa superveniente (posterior à conduta do genro), que produziu, sozinha, a morte da digníssima senhora. Há, portanto, a quebra do nexo causal, respondendo o sujeito só por tentativa de homicídio.

Note que, nos três primeiros casos, em que a causa é absolutamente independente, ou seja, não se originou da conduta, há a quebra o nexo causal, não respondendo o sujeito pelo resultado ocorrido.

(4) Causa preexistente relativamente independente.

Temos uma vítima hemofílica. Luxemburgo, discutindo com ela, pega um estilete e risca o seu braço. Em verdade, aquele cortinho jamais levaria uma pessoa normal à morte. No entanto, no caso, sendo a vítima portadora de tal doença, causa já existente no momento em que foi praticada a conduta (lesão mínima), acaba ela perdendo sangue até cair desfalecida no chão.

A causa já existia, certo? No entanto, somente começou a atuar depois da conduta. Assim, podemos afirmar que ela se originou da conduta do agente (riscar o braço da vítima com o estilete), despreendendo-se e produzindo, por si só, o resultado.

Qual a conseqüência, no caso? Veja que, aqui, não é quebrado o nexo causal, uma vez que a causa já existente foi deflagrada, ou seja, começou a produzir seus efeitos em razão da conduta do agente. Assim, podemos dizer que ele deu causa ao resultado, devendo responder se concorreu com dolo ou culpa.

Afinal, hoje, de acordo com o disposto no artigo 19 do CP, somente pode responder pelo resultado quem o causou dolosa ou culposamente.


Vejamos as hipóteses que podem ocorrer:

(a) Pergunta-se se o agente sabia ou não que a vítima era hemofílica. Se sabia, mas mesmo assim agiu, querendo sua morte, ou assumindo o risco de produzi-la, responde por homicídio doloso (dolo direto ou eventual).



(b) Sujeito sabia que a vítima era hemofílica, mas não aceitou que a vítima pudesse morrer com um simples arranhãozinho. Trata-se de crime preterdoloso, em que a vítima queria somente riscar, mas podia prever que, por ser a vítima doente, o resultado agravador poderia ocorrer. Responderá, então, por lesão corporal dolosa seguida de morte.

(c) Se, entretanto, não houver dolo, nem culpa, em relação ao resultado agravador, responde pelo que fez e não pelo resultado. Ou seja, responderá pela lesão corporal dolosa.

Afinal, ninguém pode responder por um resultado se não agiu com dolo ou culpa (art.19, já mencionado).

(5) Causas concomitantes relativamente independentes.

Luxemburgo, desempregado depois de suas constantes derrotas na seleção brasileira, está sem dinheiro e resolve assaltar um velhinho de 70 anos. Arma-se com um revólver calibre 38 e, em dado momento, depara-se com a vítima. Coloca a arma na sua cabeça e fala bem baixinho: "E aí, vovô? Passa a grana aí!"

O coroa, muito assustado, durante a empreitada criminosa, tem um ataque cardíaco e cai duro no chão. Como classificar a conduta, nesse caso?

Não podemos ignorar que o infarto no miocárdio se originou, justamente, em razão da conduta de Luxemburgo. O assalto é que deu início ao ataque. No entanto, embora a causa tenha sido posta em funcionamento em virtude da conduta do agente, mais tarde, desvinculou-se da mesma, produzindo-se, por si só, o resultado morte.

Assim, estamos diante de uma causa concomitante relativamente independente, que não tem o poder de quebrar o nexo de causalidade. Assim, entende-se que o agente, de certa forma, deu causa ao resultado. Afinal, foi justamente em razão da conduta do agente que a vítima morreu.

Mas precisamos discutir, no caso, qual o crime ocorrido. Mais uma vez, entretanto, dependerá da hipótese em concreto.

Se houver dolo eventual em relação à morte, o sujeito responderá tanto por homicídio doloso como por roubo. Afinal, ele quis cometer um crime contra o patrimônio. E mais: aceitou o risco de produzir a morte do velhinho. No caso, não haverá latrocínio porque esse crime somente ocorre quando a morte decorre da violência e não de ameaça, como no caso retratado. Luxemburgo não chegou ao ponto de esbofetear o pobre velhinho.

Se, entretanto, só houver culpa, em relação ao resultado agravador (morte), o agente responderá por homicídio culposo mais roubo.

Se, por último, não houve nem dolo, nem culpa, em relação ao resultado mais grave, Luxemburgo responderá por roubo qualificado pelo emprego de arma.

Veja que não há a quebra do nexo causal nas hipóteses de causas relativamente independentes preexistentes ou concomitantes.

(6) Causa Superveniente relativamente independente.

Luxemburgo dá três tiros em Felipão. Essa cai ao chão, mas ainda está vivo. Um palmeirense pede socorro, chamando uma ambulância. Entretanto, quando se dirigem ao hospital, a ambulância bate em um poste e Felipão acaba morrendo.

Não podemos negar que o fato da vítima estar na ambulância se originou, justamente, da conduta de Luxemburgo. Afinal, se ele não tivesse atirado em Felipão, esse último não estaria na ambulância, não é mesmo? No entanto, verifica-se que a conduta desvinculou-se e agiu por si mesma, produzindo o resultado.

No hipótese, haverá ou não a quebra do nexo causal? O legislador, expressamente, afirma que sim. Diz que, no caso, a ligação existente entre a conduta e o resultado é quebrada, respondendo o agente somente pelo resultado causado até o momento em que a vítima entrou na ambulância.

É o que determina o artigo 13, parágrafo primeiro: "a superveniência de causas relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou.

No caso, Luxemburgo responderá pelo quê? Por lesões corporais dolosas, uma vez que causou os ferimentos em Felipão.

Ainda, é bom que façamos uma última observação. Quando a vítima é levada ao hospital e morre por infecções hospitalares, não há a quebra do nexo de causalidade, porque a infecção é resultado das lesões, sendo, pois, causa dependente . Assim, o sujeito responderia por homicídio.



TIPICIDADE.

Introdução.

A tipicidade, como já visto outrora, é o último componente do fato típico.

A priori, poderíamos dizer que ela é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de uma infração contida na lei penal incriminadora.

A tipicidade é composta pelo tipo legal e pela conduta, denominando-se "adequação típica" o enquadramento da conduta no tipo penal.

Assim, poderíamos dizer que a tipicidade é, portanto, uma verdadeira conseqüência da adequação típica, uma vez que, se a conduta do sujeito se encaixar em um dos tipos legais descritivos, haverá esse componente.


Tipicidade e Antijuridicidade.

Praticado um fato típico, esse também é presumido antijurídico, uma vez que a tipicidade é indício de antijuridicidade. No entanto, tal presunção é relativa, cedendo face à existência de qualquer das causas excludentes de ilicitude.

Imagine que Marcelinho mate Luxemburgo em legítima defesa. Não podemos negar que houve tipicidade, uma vez que sua conduta se amoldou perfeitamente ao tipo penal do artigo 121 do CP. No entanto, embora o fato revista-se de tipicidade, no caso, não há antijuridicidade em razão da existência da justificativa prevista no art.25 do CP.

Assim, verifica-se que pode haver tipicidade sem antijuridicidade. Basta a presença de qualquer excludente de ilicitude. Também, pode um comportamento, contrário ao ordenamento jurídico, não ser típico, por ausência de previsão legal. É o caso do furto de uso (historinha da Serra), que gerou tanta perplexidade. Não há como negar que, tal fato ("empréstimo" do veículo para levar a "mina" ver estrelas na Serra do Japy, no dia dos namorados), acaba atingindo, momentaneamente, o bem jurídico patrimônio. No entanto, o legislador não descreveu o furto de uso como um crime.




Ausência de tipicidade.

Inexiste tipicidade quando a conduta praticada não resta descrita em nenhum tipo legal. Afinal, como vimos, para que o fato seja típico, mostra-se necessário que a conduta se encaixe em um dos tipos descritivos legais.

Ainda, por ser a tipicidade um dos componentes do fato típico, ausente essa, não haverá crime.


Teoria do Tipo

O tipo legal é, justamente, a descrição das condutas tidas pelo legislador como socialmente inadequadas. Assim, podemos dizer que ele tem uma função seletiva, já que descreve exatamente condutas repugnantes, socialmente indesejáveis.

Em verdade, o homem, reunido em sociedade, passou a adotar certos padrões de comportamento, selecionando as condutas normais e aquelas que o senso comum entende anormais.

Como já vimos no início do curso, a norma, que deflui do senso comum, é sempre proibitiva. A sociedade espera que as pessoas não matem, não subtraiam etc. Mas, na hora que o legislador resolve transformar essa norma em lei, ele deve se submeter ao princípio da legalidade ("não há crime sem lei anterior que o defina").

Podemos dizer que o tipo legal foi criado, exatamente, para obedecer a esse princípio, descrevendo as condutas que merecem sanção penal.

Veja que quem age contrariamente à norma, por outro lado, pratica exatamente o comportamento descrito na lei penal. Assim, podemos dizer que, no tipo penal, encontram-se descritas todas as condutas anti-normativas, ou seja, contrárias ao que a sociedade acredita normal.

Assim, sempre que o legislador se preocupa em descrever a conduta como crime, colocando-a em um tipo legal, essa é tida como socialmente indesejável.

O tipo é, portanto, um modelo que descreve todas as condutas inadequadas, repugnantes ao senso comum.

Verifica-se, entretanto, que o legislador irá servir-se tanto de elementares como de circunstâncias para descrever o crime. Mas qual a diferença entre ambas?

Embora já tenhamos visto a diferença, outrora, mostra-se necessário recordá-la, no momento. Assim, vamos estudá-la.


Elementar (ou elemento).

A palavra "elementar" vem de "elemento", que é, justamente, o que integra a essência de uma substância, sendo que, se você retirá-lo, a substância ou desaparece ou se transforma em outra.

Por sua vez, elementos do tipo são componentes essenciais da figura típica, sem os quais essa desaparece (atipicidade absoluta) ou se transforma em outra ( atipicidade relativa).

Para que o conceito se torne mais claro, o que seria essencial para a configuração de um crime de homicídio? "Matar"(retirar a vida) e "alguém" (pessoa humana viva). Esses são os requisitos que compõem o tipo penal do art.121 do CP.

E para a ocorrência do crime de furto? Quais as pecinhas que se mostram essenciais?

"Subtrair", que é retirar contra a vontade; "coisa alheia móvel" ( a coisa não pode ser própria, nem deve ser impossível de transportar); "para si ou para outrem", que é a finalidade.

Assim, verifica-se que, se houver o consentimento da vítima, não haverá qualquer subtração.
Uma dica útil: os elementos essenciais do tipo estão sempre no "caput" do artigo, que é chamado de tipo fundamental.


CIRCUNSTÂNCIA.

A palavra "circunstância" vem de círculo, ou seja, é tudo aquilo que está ao redor.

Assim, a circunstância é um dado acessório da figura típica, cuja função é a de influir na sanção penal, atenuando-a ou a agravando. Trata-se, pois, de um ornamento, e não da essência.

Como já mencionado, existem circunstâncias que diminuem a pena, como, por exemplo, o privilégio do parágrafo 1° do artigo 121 do CP. Por sua vez, existem aquelas que servem para aumentá-la, sendo denominadas de qualificadoras, como aquelas previstas no parágrafo 2° do mencionado artigo.

Nesses casos, dizemos que temos tipos derivados. Neles estão, justamente, as circunstâncias agravadoras ou privilegiadoras, que podem ser perfeitamente excluídas sem que se afaste o crime.



Espécies de elementos que integram o tipo.

Existem três espécies de elementos que integram o tipo: os elementos objetivos (referentes ao aspecto material do fato), os subjetivos (concernentes ao estado anímico ou psicológico do agente) e os normativos (referentes, em regra, à antijuridicidade). Vamos estudar cada um deles.



Elementos objetivos (descritivos).

São os meramente descritivos. Aqueles cujo significado se extrai da mera observação sem que haja necessidade de qualquer juízo valorativo. Referem-se à materialidade da infração penal, no que concerne ao tempo, lugar, forma de execução do crime, dentre outros.

Quando, por exemplo, observamos o crime descrito no artigo 121 do CP, verificamos que ele não exige qualquer interpretação mais acurada.

Possuindo um tipo legal somente elementos objetivos, ele é chamado de tipo normal, uma vez que não exige do juiz um juízo de valor, diminuindo, pois, o seu arbítrio, e se aproximando mais do princípio da legalidade.

Assim, a análise do juiz será objetiva e não subjetiva.
Elementos normativos.

São aqueles cujo significado depende de um juízo de valoração, haja vista que, sem esse, não se sabe qual o significado do elemento.

Imagine, por exemplo, o termo "mulher honesta", previsto no artigo 219 do CP. O que significa "mulher honesta"? Isso dependerá da cabeça do juiz, que exercitará um juízo de valoração de ordem social, consuetudinária, cultural, levando em conta o contexto político, econômico e religioso.

Também exigirão um juízo de valor as expressões "indevidamente", "sem justa causa", "fraudulentamente", "documento", "função pública" ,"dignidade", dente outros.

Quando o tipo possui algum elemento normativo, que demanda interpretação, ele é denominado "tipo anormal", porque suscita certa insegurança social, já que o juízo de valor dependerá do juiz.


Elementos Subjetivos.

O elemento subjetivo consiste na finalidade especial do agente, exigida expressamente pelo legislador, no tipo.

É o caso, por exemplo, do artigo 219 do CP (rapto), em que o legislador exigiu que o sujeito agisse com especial finalidade, seja ela, "para fim libidinoso". Assim, mostra-se necessário que o agente, além da vontade de raptar a mulher (dolo), possua, também, a intenção da prática de um ato libidinoso.

O legislador, em alguns tipos, acabou inserindo elementos referentes ao estado anímico do sujeito, como o fim colimado pelo agente, sua intenção, o intuito que o encoraja a praticar o fato etc.. Incluiu, portanto, em diversos tipos penais, expressões como "com o fim de", "em proveito próprio ou alheio", "por motivo de", "para satisfazer"...

Trata-se o dolo de elemento subjetivo do tipo, uma vez que, de acordo com a teoria finalista da ação, ele integra a conduta, e não a culpabilidade, como entendia a doutrina tradicional.



Adequação típica.

A adequação típica é a correspondência, o enquadramento perfeito entre a conduta praticada concretamente pelo agente e o tipo legal, descrito abstratamente.

Existem duas espécies de adequação típica: a adequação típica de subordinação direta ou imediata e a de subordinação mediata.

A primeira (direta) ocorre quando entre a conduta e o tipo há uma total e perfeita correspondência.

Imagine, por exemplo, que Luxemburgo pegue o seu revólver, dê um tiro na cabeça de Felipão, tirando-lhe a vida. Ora! Se assim agiu, cometeu um crime de homicídio, havendo um justo encaixe entre a conduta descrita e a realizada.

Nos casos de consumação e autoria, dizemos que há a adequação típica de subordinação imediata (direta).

Por sua vez, haverá adequação típica de subordinação mediata (indireta) quando não houver essa perfeita correspondência, sendo, então, necessário, na hipótese, uma norma de extensão (ampliação) pessoal (participação) ou temporal (tentativa).

Imagine que Luxemburgo queira matar Marcelinho, mas não tem uma arma. Felipão, então, entra em cena para emprestar um 38. Veja! Felipão não praticou o núcleo (verbo) do tipo legal do homicídio. No entanto, colaborou para isso. Responderá como partícipe, em razão da existência da norma de extensão prevista no artigo 29 do CP.


Tipo do Crime Doloso.

Como já colocamos outrora, o dolo é o elemento psicológico, subjetivo, anímico da conduta, que integra o fato típico. Assim sendo, podemos concluir que o dolo é um dos elementos do fato típico.

Mas o que seria dolo? O dolo é, justamente, a vontade e a consciência de realizar os elementos constante do tipo legal. Em sentido amplo, é a vontade manifestada pelo homem de realizar a conduta descrita.



Elementos do dolo.

Os elementos do dolo são: a consciência, ou seja, o conhecimento do fato que constitui a ação típica, e a vontade, que é o elemento volitivo de realizar esse fato.

Aníbal Bruno acreditava que a consciência da ilicitude era um dos componentes do conceito de dolo. No entanto, de acordo com a teoria finalista adotada pelo nosso Código, o dolo abandonou a culpabilidade e passou a fazer parte do fato típico, integrando a conduta. Portanto, não podemos confundi-lo com a consciência da ilicitude, que será apreciada em um terceiro momento, quando da análise da culpabilidade.




Fases da conduta.

Primeiro, temos uma fase interna, que se opera no pensamento do autor. Se o comportamento, no entanto, não se exteriorizar, entretanto, podemos dizer que se trata de um irrelevante penal.

Assim, se o agente somente se propõe a matar o inimigo, se somente seleciona os meios para realizar seu fim (escolhe, por exemplo, o veneno a ser utilizado), ou simplesmente prevê que sua ação poderá ensejar outros resultados, além daquele, a princípio, desejado, não haverá fato típico, porque a execução ainda não se iniciou.

Depois, temos a segunda fase, que é a fase externa.. Trata-se da exteriorização da conduta, em que o agente vai utilizar os meios selecionados, executando o comportamento descrito como infração. Assim, tendo consciência e vontade de realizar todos os elementos do fato típico, deverá responder pelas conseqüências diretas de sua ação.


Teorias sobre o dolo.

Três teorias dão as bases para que firmemos o conceito de dolo. São elas: a teoria da vontade, da representação e do assentimento.


Teoria da vontade.

Para essa teoria, o dolo é, justamente, a consciência e vontade de praticar a conduta e de produzir o resultado.


Teoria da representação.

A teoria da representação afirma que dolo é a simples representação, ou seja, a simples previsão do resultado. Assim, basta que o sujeito possa prever o efeito de seu comportamento para que haja dolo.


Teoria do Assentimento.

Para ela, o dolo é assentimento, ou seja, é a previsão do resultado e a aceitação dos riscos de produzi-lo.


Teorias adotadas pelo Código Penal.

O artigo 18, inciso I, do Código Penal pátrio, adotou duas teorias, sejam elas, a teoria da vontade e a teoria do assentimento.
Assim, o dolo é tanto a vontade de realizar o resultado (dolo direito) como a aceitação dos riscos de produzi-lo (dolo eventual).


Espécies de dolo:

a.. DOLO NATURAL: é o dolo dos finalistas. É concebido como um elemento puramente psicológico, desprovido de qualquer juízo de valor. É um simples querer, independentemente de o objeto da vontade ser lícito ou ilícito, certo ou errado, pouco importando se o sujeito tem consciência ou não de que aquele fato praticado é contrário ao direito. Está, portanto, dissociado da consciência da ilicitude.

Corresponde, portanto, à vontade de concretizar os elementos objetivos do tipo, pouco importando a consciência da ilicitude.


b.. DOLO NORMATIVO: é o dolo da teoria clássica ou tradicional (teoria naturalista ou causal). Ao invés de ser elemento da conduta, é considerado requisito da culpabilidade.

Para essa corrente, o dolo possui três elementos: a consciência, a vontade e a consciência da ilicitude. Assim, para que haja dolo, não basta que o agente queira realizar a conduta, mas é preciso, ainda, que saiba que ela é ilícita, injusta, errada.

Veja! No caso, houve o acréscimo de um elemento normativo ao dolo. E esse elemento, como vimos outrora, exige uma apreciação valorativa, que, no caso, é a consciência da ilicitude. Assim, só haverá dolo se o sujeito souber que está praticando algo censurável.

Nas palavras de Fernando Capez: "o dolo normativo, portanto, não é um simples querer, mas um querer algo errado, ilícito (dolus malus). Deixa de ser um fenômeno puramente psicológico (um simples querer), para ser um fenômeno normativo, que exige juízo de valoração (um querer algo errado)." (Curso de Direito Penal, Parte Geral, Volume 1, Editora Saraiva, página 155)

c.. DOLO DIRETO (determinado): é a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado (conforme teoria da vontade). Ocorre quando o agente quer, diretamente, atingir aquele resultado.

Referindo-se ao dolo direto, José Frederico Marques leciona que: "Diz-se direto o dolo quando o resultado no mundo exterior corresponde perfeitamente à intenção e à vontade do agente. O objetivo por ele representado e a direção da vontade se coadunam com o resultado do fato praticado."(Tratado de direito penal, Bookseller, 1991, v.2, p.198)

d.. DOLO INDIRETO (indeterminado): é aquele em que o agente não quer diretamente produzir o resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo (dolo eventual), ou não se importa em produzir este ou aquele resultado (dolo alternativo).

Assim, verifica-se que o dolo indireto pode ser tanto alternativo quanto eventual.

No dolo eventual, o agente não tem a intenção de produzir nenhum resultado, mas, prevendo a possibilidade de sua ocorrência, aceita plenamente os riscos de sua produção.

É como se o sujeito dissesse: "Eu não quero o resultado, mas se ele ocorrer, tudo bem. Não é por esse risco que eu vou parar de praticar minha conduta. Não quero, mas também não me importo com a sua ocorrência."

Imagine que Edmundo conduza seu veículo em velocidade incompatível com o local e realizando manobras arriscadas. Mesmo prevendo que pode perder o controle do carro, atropelando e matando alguém, não se importa, pois acha que é melhor correr tal risco, que interromper o prazer de dirigir perigosamente. Na verdade, ele pensa: "Não quero atropelar ninguém, mas, se acontecer, que se dane..."

Veja que, no dolo eventual, o agente, na dúvida a respeito de um dos elementos do tipo, arrisca-se a concretizá-lo, como no caso em que o sujeito pratica atos libidinosos com jovem na dúvida de ser ela maior de 18 anos, cometendo crime de corrupção de menores.

Também são casos de dolo eventual praticar roleta-russa e participar de inaceitável disputa automobilística (racha), ocasionando morte.

Por sua vez, o dolo alternativo é aquele onde o agente dirige a sua conduta para a produção de um ou de outro resultado. Veja, no caso, ele quer produzir qualquer resultado: um ou outro.

Exemplo: Luxemburgo desfere golpes de faca na vítima com intenção ou de matar ou de ferir.


e.. DOLO DE DANO: é a vontade de produzir uma lesão efetiva a um bem jurídico.

No caso do crime de homicídio, por exemplo, o sujeito quer produzir a morte do inimigo, quer causar a lesão ao bem jurídico vida.



f. DOLO DE PERIGO: agente quer produzir um resultado de perigo.

Já, no dolo de perigo, o agente não quer o dano, mas ele quer produzir um resultado de perigo. Ele quer expor o bem jurídico a perigo de dano.

Para que fiquem mais claros os conceitos, tratemos do artigo 130 do CP, que trata do crime de perigo de contágio venéreo, descrevendo a seguinte conduta: "Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado."
Nesse crime, levando-se em conta a expressão "de que sabe", deverá o sujeito agir com dolo de perigo, ou seja, ele deve querer produzir o perigo de dano (perigo de contágio).

Ele, no caso, não quer o contágio, porque, se assim o quisesse, haveria dolo de dano, hipótese que vem expressamente prevista no parágrafo 1° do mesmo dispositivo ("se é intenção do agente transmitir a moléstia"). Assim, ele só deve desejar submeter a vítima ao perigo de ser contaminada.


g.. DOLO GENÉRICO: é a consciência e a vontade de praticar a conduta para produzir o resultado, sem qualquer fim especial.

Assim, o sujeito somente pratica a conduta descrita no tipo penal, sem querer atingir qualquer finalidade específica. Se o tipo não trouxer qualquer finalidade especial (utilizando expressões como"para o fim de", "para" etc.), podemos dizer que ele é genérico.

Um exemplo é o próprio homicídio, em que basta a simples vontade de matar alguém para que a ação seja típica, não se exigindo nenhuma finalidade especial do agente.


h.. DOLO ESPECÍFICO: é a vontade de produzir um resultado, com uma finalidade especial.
Como exemplo, podemos citar o caso do rapto, que exige o fim libidinoso. Assim, não basta retirar a menina da esfera de vigilância do pai, mas exige-se que o faça com o fim específico de praticar atos libidinosos (de conotação sexual).


i.. DOLO GERAL (também conhecido como erro sucessivo ou, ainda, "aberratio causae").
Ocorre quando o agente, na suposição de já ter consumado o crime, empreende nova conduta, imaginando tratar-se de um outro crime ou de mero exaurimento e, nesse instante, atinge a consumação.

Imagine que Luxemburgo, desejando matar Felipão, envenena-o .Supondo estar ele morto, empacota-o num saco de estopa e joga o cadáver em uma represa.

O corpo é encontrado e o laudo necroscópico aponta morte por afogamento. Por que crime responderá ?

Trata-se de caso de dolo geral. Veja! Houve um erro na causa da morte da vítima, mas a vontade era matar. No caso, o dolo há de alcançar toda a conduta, toda a situação, inserindo-se o afogamento dentro da conduta de Luxemburgo.

Portanto, ele irá responder por homicídio doloso qualificado por envenenamento, uma vez que deve-se levar em conta o meio que o agente quis empregar para matar (envenenamento) e não o que matou (afogamento).


DOLO E DOSAGEM DA PENA.

Verifica-se que a quantidade de pena abstratamente estabelecida no tipo não varia de acordo com a espécie de dolo. No entanto, o juiz, ao aplicar a pena, deve levar em conta o grau de culpabilidade, ou seja, a intensidade do dolo e ao grau de culpa, circunstâncias judiciais previstas no art.59 do Código Penal.

Não se deve, entretanto, confundir culpabilidade (juízo de reprovação do autor da conduta) com grau de culpabilidade (circunstância a ser aferida no momento da dosagem da pena e dentro da qual se encontram a espécie de dolo e o grau de culpa).



TEORIA DO CRIME CULPOSO.

Conceito de culpa.

A culpa é o chamado elemento normativo da conduta, uma vez que sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, sem o qual não podemos dizer que ela esteja presente.

Em verdade, é absolutamente impossível ao legislador prever todas as hipóteses do mundo de conduta culposa. Por essa razão, o único meio de se avaliar a existência da culpa é realizando uma comparação. Só assim é que conseguimos saber se houve ou não conduta culposa.

Mas o que comparamos? Que comparação deve ser feita? É preciso que sejam comparadas a conduta do agente no caso concreto com a conduta que uma pessoa normalmente teria naquele mesma hipótese.

A distância entre as condutas quer dizer que a pessoa quebrou com o dever objetivo de cuidado, imposto a todas as pessoas, sendo a conduta normal aquela ditada pelo senso comum e prevista na norma.

Imagine que Edmundo conduza bêbado um veículo. Basta procedermos a um juízo de valor de acordo com o senso comum para sabermos se essa não é uma conduta normal, isto é, não é o que a norma recomenda.

Assim, a culpa é o elemento normativo da conduta, que surge da comparação entre a conduta do agente no caso concreto e a conduta que uma pessoa de diligência normal teria naquele mesmo contexto.

A conduta ideal está descrita na norma. Sempre que a conduta do agente se afastar da conduta descrita na norma, haverá culpa. Daí ser chamada de elemento normativo.



TIPO ABERTO.

O tipo culposo é chamado de aberto, porque a conduta não vem descrita. De fato, devemos admitir que seria impossível descrever todas as hipóteses de culpa, uma vez que seria necessário, em cada caso, comparar a conduta do caso concreto com a que seria ideal naquelas circunstâncias. Provavelmente, mesmo que o legislador quisesse descrever todas as hipóteses, não esgotaria o rol.

Diante dessa impossibilidade, o crime culposo só descreve o seguinte: "se o crime é culposo: pena de tanto a tanto".

Podemos citar alguns exemplos de condutas culposas: dirigir em excesso de velocidade, brincar com arma carregada, distrair-se enquanto criança vai para o meio da rua, soltar cão bravio em parque movimentado etc..



CRIMES MATERIAIS.

Importante observarmos que não existe crime culposo de mera conduta, sendo imprescindível a produção de um resultado naturalístico involuntário para seu aperfeiçoamento típico.


Requisitos do fato típico culposo.

1.. Conduta humana voluntária.

2.. Resultado involuntário.

3.. Nexo causal entre a conduta e o resultado.

4.. Tipicidade.

5.. Previsibilidade objetiva

6.. Ausência de previsão (elemento que inexiste na culpa consciente).

7.. Quebra do dever objetivo de cuidado (por meio da imprudência, da imperícia ou negligência).



Estudemos cada um dos elementos do tipo culposo.

A previsibilidade objetiva é, justamente, a possibilidade de qualquer pessoa, de prudência mediana, prever o resultado.

Assim, estão fora da previsibilidade objetiva dos delitos culposos aqueles resultados imprevisíveis para um homem razoável (homem médio), não sendo culposo aquele ato que somente poderia ser evitado por uma pessoa de extrema prudência.

E o perfil subjetivo do agente, suas características pessoais e particularidades? Não devem ser analisadas? Nessa fase, podemos dizer que não. No entanto, o direito não ignora a diferença de certas pessoas que, por algum motivo, estão aquém do perfil fictício do homem médio. Essas pessoas, que deixam de prever o que era previsível, podem ser absolvidas, não por exclusão da tipicidade, mas da culpabilidade, por ausência de consciência da ilicitude do fato.

Imagine um rústico aldeão, sem qualquer instrução, que adquire mercadoria criminosa, pagando preço desproporcional ao seu valor. Na verdade, ele realiza receptação culposa, porque o homem médio poderia facilmente prever que se tratava de produto de crime. No entanto, em razão de seus atributos individuais, pode até ser absolvido, se a culpabilidade, na hipótese, a culpabilidade puder ser excluída.

Por sua vez, a previsibilidade subjetiva é a possibilidade que o agente tinha, dadas as suas condições peculiares, de prever o resultado. Aqui, não importa se uma pessoa de mediana diligência poderia ter previsto, verificando-se apenas se o agente podia ou não prevê-lo. Caso esse requisito não esteja presente não haverá exclusão da culpa, mas da culpabilidade, havendo, pois, um fato típico.

Existem comportamentos perigosos que se mostram imprescindíveis, não podendo, pois, ser evitados, dado seu caráter emergencial. Assim são tidos como lícitos e devem ser praticados. É o caso do médico que realiza uma cirurgia em circunstâncias precárias, podendo causar a morte do paciente. Trata-se da aplicação do princípio do risco tolerado.

Ainda, a previsibilidade está sujeita ao princípio da confiança, segundo o qual as pessoas agem de acordo com a expectativa de que outras atuarão dentro do que lhes é normalmente esperado. De fato, não se pode exigir que todos ajam desconfiando do comportamento de seus semelhantes.

Assim, se o motorista conduz seu veículo na confiança de que o pedestre não atravessará a rua em local ou momento inadequado, inexiste culpa, não havendo que se falar em resultado previsível.


QUEBRA DO DEVER OBJETIVO DE CUIDADO.

São as cautelas mínimas que qualquer pessoa normal tomaria. Manifesta-se por meio de três modalidades de culpa, previstas no art.18, II, do CP (imprudência, imperícia e negligência).

A imprudência é o descuido de quem está agindo, ou seja, aquela que surge durante a realização de um fato sem o cuidado necessário. Pode ser definida como a ação descuidada.

Uma característica fundamental da imprudência é que, nela, a culpa se desenvolve paralelamente à ação. Assim, enquanto o agente pratica a conduta positiva, ao mesmo tempo, vai ocorrendo a imprudência.

Como exemplos podemos mencionar o dirigir em excesso de velocidade, manejar arma carregada, ultrapassar em local proibido, trafegar na contramão de direção.

Por sua vez, a negligência é a omissão na cautela, ou seja, é a culpa de quem se omite. Consiste em deixar de tomar o cuidado devido antes de começar a agir. Assim, o negligente deixa de tomar, antes de agir, as cautelas que deveria.

Segundo Magalhães Noronha, negligente é quem, podendo e devendo agir de determinado modo, por indolência ou preguiça mental, não age ou se comporta de modo diverso.

Como exemplo podemos citar: deixar de reparar os pneus e verificar os freios, antes de viajar, não sinalizar devidamente em cruzamento perigoso, deixar arma ou substância tóxica ao alcance de criança, dentre outros.

Por sua vez, a imperícia é a demonstração de inaptidão em profissão ou atividade. Consiste na incapacidade, falta de conhecimento ou habilitação para o exercício de determinada função.

O engenheiro, o médico, o motorista, o químico, o eletricista, dentre outros, precisam de aptidão teórica e prática para o exercício de suas atividade. Se, em razão da falta de conhecimento técnico ou de prática, essas pessoas, desempenhando sua atividade, acabem causando dano a alguém, fala-se em imperícia. Entretanto, se realizarem conduta fora de sua arte, ofício ou profissão, tratar-se-á de imprudência ou negligência.

Verifica-se, pois, que a imperícia pressupõe que o fato tenha sido cometido no exercício desses misteres. No entanto, é possível que, não obstante tenha sido o fato cometido no exercício da profissão, ocorra imprudência ou negligência.

Ainda, a imperícia não pode ser confundida com o erro médico, em que, empregados os conhecimentos normais da medicina, por exemplo, o médico chega a conclusão errada quanto ao diagnóstico, à intervenção cirúrgica.

Não podemos, também, confundir imperícia com negligência ou imprudência cometida no exercício de arte, profissão ou ofício. Na imperícia, o profissional inobserva a regra técnica ou prática que, devido ao despreparo, ele desconhecia. Na negligência, o profissional inobserva, por desleixo uma regra que ele conhecia. É, por exemplo o caso do médico que esquece uma pinça dentro do abdômen do paciente.

Na imprudência, o profissional pratica um ato perigoso, como no caso do médico que realiza a cirurgia por um processo complexo quando poderia efetuá-la por um outro simples. Portanto, se o médico se arrisca em técnica desconhecida, havendo uma conhecida, será caso de imprudência.

Somente não se pode esquecer de que a imperícia sempre ocorre no exercício de uma atividade (arte, profissão ou ofício) que o agente esteja autorizado a exercer. Caso contrário, haverá negligência ou imperícia.

Assim, o motorista que tem habilitação legal, mas não sabe dirigir o veículo que conduz, será imperito. Se, além de não saber dirigir, ainda não tem carteira de habilitação, será imprudente.

Mirabete, ainda, explica que "além de imprecisos os limites que distinguem essas modalidades de culpa, podem elas coexistir no mesmo fato. Poderá haver imprudência e negligência (pneus gastos que não foram trocados e excesso de velocidade), a negligência e a imperícia ( profissional incompetente que age sem providências específicas), a imperícia e a imprudência (motorista canhestro recém-habilitado que dirige em velocidade incompatível com o local)."(Manual de direito penal, parte geral, v.1, p.146)


ESPÉCIES DE CULPA.

a.. CULPA INCONSCIENTE (sem previsão): é aquela em que o agente não prevê o que era previsível. É a culpa comum, que manifesta-se pela imprudência, negligência ou imperícia.

b.. CULPA CONSCIENTE ou com previsão: é aquele onde o agente prevê o resultado previsível, embora não o aceite. Há no agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta, de pronto, por entender que a evitará e com sua habilidade, evitará o evento lesivo previsto.

De acordo com a lei penal, inexiste qualquer diferença entre a culpa consciente ou inconsciente, uma vez que tanto vale não ter consciência da anormalidade da própria conduta, quanto estar consciente dela, confiando, sinceramente, em que o resultado não se produzirá ( Exposição de Motivos do CP de 1940). Também, não há diferença quanto à cominação da pena em abstrato.

Entretanto, no momento da dosagem da pena, deverá elevar um pouco mais a sanção de quem age com a culpa consciente, dada a maior censurabilidade desse comportamento.

Qual a diferença entre a culpa consciente e o dolo eventual?

A diferença, de fato, é mínima.

Imagine que Edmundo esteja em uma avenida qualquer, correndo como um animal. Passa em um sinal fechado, sabe que pode até matar alguém, mas pensa: "que se dane..." Veja! Ele assumiu o risco de produzir o resultado.

Geralmente, nos casos de racha, os agentes agem com dolo eventual.

Já, na culpa consciente, o agente prevê o resultado, mas, em momento alguma admite a possibilidade de sua ocorrência. ("Ah! É possível que ocorra o resultado, mas eu não aceito essa possibilidade. Meu santo é forte, eu dirijo muito bem, e, por isso, nada de mal vai acontecer...")

Nesse caso, o sujeito continuou agindo não porque não se importava com o resultado, mas porque acreditava que o resultado não iria se produzir.

Vejamos, entretanto, uma resposta técnica...

No dolo eventual, o agente prevê o resultado e aceita, perfeitamente, os riscos de produzi-lo. Na culpa consciente, há a previsão do resultado, mas o agente não admite sua ocorrência.



c.. Culpa imprópria.

É aquela em que o agente, por um erro de tipo inescusável (evitável), imagina situação de fato que, se existisse, tornaria sua ação legítima, e pratica o crime na errônea suposição de estar acobertada por causa excludente da ilicitude. É a culpa que decorre da descriminante putativa por erro de tipo evitável. Verificado, pois, que esse erro poderia ser evitado com o emprego de diligência mediana, a comportamento culposo continua existindo.

Imagine que um promotor de justiça está andando pela rua, num lugar sombrio, escuro, perigoso e dá de cara com um ex-acusado seu. "Ô, Doutorzinho! Tenho aqui uma coisinha pro senhor... Um presentinho meu..." Ele, então, coloca a mão dentro de sua jaqueta para pegar alguma coisa. O promotor, assustado, saca de uma arma e dispara três tiros no indivíduo, que cai morto no chão.


Mais tarde, entretanto, descobre-se que se tratava de uma carta de agradecimento ao promotor, que teria regenerado o acusado. Não se tratava, como acreditava o promotor, de uma arma.


É um caso de homicídio culposo. Trata-se de culpa imprópria porque atirou dolosamente (queria matar), mas em função de um erro anterior (acreditava estar agindo acobertado pela legítima defesa).

Outro exemplo: uma moça está saindo do banho e ouve barulhos estranhos na escada. Entra no quarto, assustada, porque seu companheiro viajara e ela está só. Abaixa-se ao lado da cama, pega uma arma no criado-mudo e quando vê um vulto passar, atira, pensando tratar-se de um ladrão. Entretanto, mais tarde (tarde demais), verifica que não se tratava de um assaltante, mas de seu próprio namorado, que resolvera voltar dias antes da viagem, com vistas a lhe fazer uma surpresa. Inconformada, vendo o corpo do amado no chão, imóvel e coberto de sangue, ao lado de um buquê de rosas vermelhas, chama uma ambulância e resolve dar cabo à própria vida.

Veja! No caso, há uma figura mista, que não chega a ser dolo, nem propriamente culpa. No momento inicial da formação do erro (quando pensou que o namorado era um ladrão), configurou-se a culpa. A partir daí, no entanto, toda a ação foi dolosa (atirou para matar, em legítima defesa). Logo, há um pouco de dolo e de culpa na ação. Por isso o nome culpa imprópria, porque não se trata de culpa propriamente dita.

No segundo exemplo, morrendo o namorado, a moça (se ela não se suicidasse) iria responder pelo quê? Há duas posições.

1) A moça cometeu homicídio culposo, pois como o erro estava na base da conduta (confundiu o namorado com um ladrão), mesmo que a ação subseqüente tenha sido dolosa (atirou para matar), todo o comportamento é considerado culposo.

Incide o erro de tipo evitável, excluindo o dolo, mas deixando a culpa, que passa a qualificar o crime.

É a posição adotada por Assis Toledo.

2) A moça cometeu, em verdade, homicídio doloso, mas, por um critério de política criminal, o legislador possibilitou a punição com a pena do homicídio culposo.

Para essa corrente, não existe culpa imprópria, uma vez que o sujeito, em verdade, quer mesmo matar. Essa a posição adotada por Luiz Flávio Gomes em sua brilhante monografia "Erro de tipo e erro de proibição".

E se o namorado não morrer? A moça responderá pelo quê?

Bem, embora não exista tentativa nos crimes culposos, na hipótese, como exceção, tem-se aceitado que ela responderá por tentativa de homicídio culposo, uma vez que a ação subseqüente dolosa faz com que ela seja possível. É o único caso em que se admite tentativa em crime culposo.

4) Culpa mediata ou indireta: é a que ocorre quando o agente produz indiretamente um resultado a título de culpa.

Imagine que uma pessoa atropela uma criança e o pai daquela, vendo-a ensangüentada, no meio da rua, tenta prestar-lhe socorro e também é atropelado. Ou que o assaltante, após assustar a vítima, faz com que ela fuja e acabe sendo atropelada.

Para que o sujeito responda, mostra-se necessária que haja nexo causal (que o agente tenha dado causa ao segundo evento) e nexo normativo (que tenha contribuído culposamente para ele). Assim, é necessário que o segundo resultado constitua um desdobramento normal e previsível da conduta culposa, que atua como sua causa dependente. Também, é preciso que o agente tenha culpa com relação ao segundo resultado, que não pode derivar nem de caso fortuito, nem de força maior.



GRAUS DE CULPA.

São três: grave, leve ou levíssima.

Inexiste diferença entre os graus para efeito de cominação abstrata de pena, mas, no momento de dosar a pena, o juiz levará em consideração o grau de culpabilidade (art.59, caput).


Compensação de culpas.

Inexiste em Direito Penal. Desse modo, a imprudência do pedestre que cruza a via pública em local inadequado não afasta a do motorista que, trafegando na contramão, vem a atropelá-lo.

A culpa exclusiva da vítima, por sua vez, exclui a do agente.


Concorrência de culpas.

Ocorre quando dois ou mais agentes, em atuação independente um do outro, causam resultado lesivo por imprudência, negligência ou imperícia. Todos responderm pelos eventos lesivos.

Imagine que dois motoristas se choquem em um cruzamento, produzindo-se ferimentos nos dois motoristas e provando-se que ambos agiram culposamente. Trata-se de concorrência de culpas. Um responde pela lesão que causou ao outro. Os dois respondem por lesão corporal culposa.





Excepcionalidade do crime culposo.

Um crime somente será punido a título de culpa se houver expressa previsão legal. No silêncio da lei, o crime só é punido a título de dolo.


Participação em crime culposo.

É possível a participação em crime culposo?

Há duas posições.

1) No tipo culposo, que é aberto, não havendo, pois, descrição da conduta principal, mas tão-somente previsão genérica ( "se o crime é culposo..."), não se admite participação.

Assim, toda a concorrência culposa para o resultado acabará sendo um crime autônomo.

Imagine que um motorista imprudente é instigado, por seu acompanhante, a desenvolver velocidade incompatível com o local, vindo a atropelar e matar alguém. Ambos os autores responderão por homicídio culposo, porque não há uma conduta principal para se agregar uma acessória.

2) Mesmo no tipo culposo, que é aberto, podemos definir qual a conduta principal. Assim, no homicídio culposo, a descrição é "matar alguém culposamente". Portanto, quem matou é o autor e quem o auxiliou, instigou ou induziu é o partícipe.


CRIME PRETERDOLOSO.

O crime preterdoloso é uma das quatro espécies de crime qualificado pelo resultado.

O legislador, depois de descrever uma conduta típica, com todos os seus elementos (tipo fundamental), acrescenta-lhe um resultado que agrava, abstratamente, a pena imposta. São os denominados crimes qualificados pelo resultado, punidos, muitas vezes, a título de preterdolo ou preterintenção.

Como exemplo, podemos mencionar o caso do art.127, em que o legislador, após descrever a conduta de aborto, determina que se, em conseqüência, a gestante sofrer lesões graves ou vier a falecer, haverá aumento de pena. É caso de crime preterdoloso. O mesmo ocorre no caso das lesões seguidas de morte.

O crime qualificado pelo resultado possui duas etapas: 1) a prática de um crime completo e 2) a produção de um resultado agravador, além daquele que seria necessário para a consumação, denominado de fato conseqüente.

Assim, na primeira parte, temos um crime perfeito e acabado, praticado a título de dolo ou culpa. Na segunda, um resultado agravador produzido dolosa ou culposamente, que acaba por tipificar um crime mais grave.

Esse crime qualificado pelo resultado é, em verdade, um único delito, que resulta da junção de duas ou mais infrações autônomas, tratando, pois, de um crime complexo.

Espécies de crimes qualificados pelo resultado:

Temos quatro espécies de crimes qualificados pelo resultado.

a.. Dolo no antecedente e dolo no conseqüente.

Nesse caso, temos uma conduta dolosa e um resultado agravador também doloso. O agente quer praticar tanto a conduta como o resultado agravador.

Imagine que o marido espanca a mulher até atingir seu intento que é provocar-lhe deformidade permanente. Trata-se de conduta descrita no artigo 129, parágrafo 2° , IV, do C.P..


b.. Culpa no antecedente e culpa no conseqüente.

O agente, além de praticar uma conduta culposamente, acaba produzindo, também, outros resultados, a título de culpa.

Imagine que o sujeito, culposamente, pratique um crime de incêndio (fato antecedente) e venha a ocorrer a morte (resultado agravador) de alguém, também, a título de culpa. É justamente o caso do artigo 258, parte final, do CP, que prevê o incêndio culposo qualificado pelo resultado morte.

3) Culpa no antecedente e dolo no conseqüente.

O agente, após produzir um resultado por imprudência, negligência ou imperícia, realiza uma conduta dolosa agravadora.

Imagine, por exemplo, o caso do motorista que, após atropelar uma pessoa, foge, omitindo-lhe socorro. Essa conduta está prevista no artigo 303, parágrafo único, do Código Nacional de Trânsito.

4) Conduta dolosa e resultado agravador culposo (crime preterdoloso).

O agente, aqui, quer praticar um crime, mas acaba excedendo-se e produzindo, a título de culpa, um resultado mais gravoso do que o desejado.

É o caso, por exemplo, da lesão corporal seguida de morte. Imagine que o sujeito desfere um soco contra o rosto da vítima com intenção de lesioná-la. No entanto, essa perde o equilíbrio, bate a cabeça e morre. Há um só crime: lesão corporal dolosa, qualificada pelo resultado morte culposa.

No caso, o sujeito agiu além do que queria (além do dolo). Por isso se diz que houve preterdolo.


Alguns crimes qualificados pelo resultado.

O latrocínio e as lesões de natureza grave ou gravíssima são crimes qualificados pelo resultado, certo? Pergunta-se, entretanto, se são eles necessariamente preterdolosos?

O crime de latrocínio não é necessariamente preterdoloso, uma vez que a morte pode resultar de dolo, tanto no antecedente como no conseqüente. É o caso, por exemplo, do ladrão que, depois de roubar, atira para matar.

Entretanto, quando a morte for acidental (culposa), poderemos dizer que estamos diante de um latrocínio preterdoloso, caso em que a tentativa não será possível.

O mesmo se aplica às lesões.

Assim, pergunta-se: "É possível haver tentativa na lesão corporal grave ou gravíssima?" Sim, desde que o resultado agravador seja doloso. Quando se tratar, no entanto, de resultado agravador culposo, a tentativa não será admitida.

Ainda, é sempre necessário que o resultado possa ser atribuído ao agente, ao menos, culposamente, porque sem dolo ou culpa não pode haver a imputação (art.19 do CP).





ERRO DE TIPO.

Conceito.

De acordo com o Código Penal, erro de tipo "é o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal." (art.20, caput)

Fernando Capez, por sua vez, conceitua-o da seguinte maneira: "Trata-se de um erro incidente sobre situação de fato ou relação jurídica descritas: a) como elementares ou circunstâncias de tipo incriminador; b) como elementares de tipo permissivo; ou c) como dados acessórios irrelevantes para a figura típica."(Curso de Direito Penal, vol.I, página 174)

Damásio, ainda, apresenta-nos conceito ainda mais amplo, afirmando que erro de tipo "é o que incide sobre elementares, circunstâncias da figura típica, sobre os pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secundários da norma penal incriminadora."(Direito Penal, v.I, página 305)

Luiz Flávio Gomes, em sua monografia sobre o tema, afirma que "estamos perante um erro de tipo, quando o agente erra (por desconhecimento ou falso conhecimento) sobre os elementos objetivos - sejam eles descritivos ou normativos - do tipo, ou seja, o agente não conhece todos os elementos a que, de acordo com o respectivo tipo legal de crime, se deveria estender o dolo."(Erro de tipo e erro de proibição, p.96)

Tal instituto chama-se erro de tipo, justamente, porque o equívoco do agente incide sobre um dado da realidade que se encontra descrito em um tipo penal.


Exemplos de erro de tipo.


1) Erro incidente sobre situação de fato descrita como elementar do tipo incriminador.

Imagine que o agente pega uma caneta alheia, supondo-a ser sua. Seu erro incidiu, justamente, sobre uma situação de fato (pensou que a caneta fosse dele).

Devido ao erro, o agente não podia saber que estava subtraindo coisa alheia e, conseqüentemente, desconhecia a existência de um elemento imprescindível para a caracterização do crime de furto (art.155 do CP).

Veja! No caso, o desconhecimento eliminou a consciência e a vontade de realizar um fato típico, pois, se o sujeito não sabia que estava subtraindo coisa alheia, é óbvio que não poderia querer subtraí-la.

Neste sentido:

"Furto - Ausência de dolo - Erro de tipo - Atipicidade - Absolvição.

Ementa oficial: Restando comprovado que o apelante apropriou-se de coisa que supunha de sua propriedade, desaparece uma das circunstâncias elementares do crime de furto, impondo-se sua absolvição em face do erro de tipo, principalmente quando, por força desse mesmo erro, vê-se que o agente não agiu com dolo."(RT-737/651)

Assim, o erro incidente sobre situação fática definada como elemento de tipo incriminador (que descreve crimes e estipula sanções), exclui o dolo, uma vez que impede que o sujeito saiba que está cometendo crime.


2) Erro incidente sobre relação jurídica descrita como elementar de tipo incriminador.

Imagine, agora, que o agente resolva casar-se com mulher já casada, supondo ser ela solteira, viúva ou divorciada. Veja! Mais uma vez, houve um equívoco. Dessa vez, incidente sobre o estado civil da nubente (situação jurídica). No entanto, a conduta praticada encontra-se descrita, no Código Penal, como crime de bigamia.

Entretanto, o equívoco do agente excluiu sua consciência e, conseqüentemente, sua vontade de realizar a conduta típica, uma vez que, não conhecendo o impedimento absolutamente dirimente, não poderia ter a vontade de cometer o crime de bigamia. Assim, mais uma vez, há a exclusão do dolo.

3) Erro incidente sobre situação de fato descrita como elementar de tipo permissivo.

Como já vimos outrora, o tipo permissivo é aquele que permite a realização de um fato típico, sem que se configure infração penal. Trata-se, justamente, das causas de exclusão de ilicitude, também chamadas de tipos justificadores ou excludentes.

Sempre que o equívoco incidir sobre uma situação que resta descrita como elementar de um tipo permissivo, estaremos diante de um erro de tipo.

Assim, se a vítima enfia a mão no bolso para tirar um lenço e o agente, supondo que ela sacará uma arma, imagina-se em legítima defesa, estará cometendo um erro sobre um dado da realidade que é exigido para a configuração da justificativa. Imagina que existe uma agressão iminente quando essa, em verdade, não existe.

4) Erro incidente sobre circunstância de tipo incriminador.

Imagine, agora, que um ladrão resolva furtar um bem de grande valor (um relógio de ouro). No entanto, por engano, acaba levando um de valor mínimo (relógio de lata pintada). Seu erro, no caso, incidiu sobre uma situação concreta descrita como circunstância privilegiadora do tipo de furto (furto de pequeno valor ).

No caso, não haverá a exclusão do dolo, porque o equívoco não incidiu sobre elementar, dado essencial à existência do crime, mas sobre simples circunstância privilegiadora, que tem como função somente diminuir a sanção penal.

Aqui, há a subsistência do dolo, eliminando-se só a circunstância.

5) Erro sobre dado irrelevante.

Ainda, imagine que o agente, desejando matar seu filho, assassina um sósia dele. No caso, o erro incidiu sobre dado irrelevante do tipo do homicídio, uma vez que pouco importa quem seja a vítima. Importa que o sujeito quis matar alguém. E matou... Assim, o sujeito responderá pelo crime, levando-se em conta as características da vítima que pretendia atingir (seu filho), sendo irrelevante o erro, na hipótese.

Erro de tipo e erro de direito.

Não podemos confundir o erro de tipo com o extinto erro de direito. Afinal, embora o tipo esteja previsto em lei, erro de tipo não é um erro de direito (sobre o que está escrito na lei), já que incide, como vimos, sobre a realidade (situações do mundo concreto) que, se estiver descrita em um tipo penal, será denominada erro de tipo. Assim, o erro de tipo recairá sobre uma situação de fato ou uma situação jurídica, e não sobre o texto legal.

Imagine, por exemplo, que o agente resolva caçar em área permitida. Ele olha uma pessoa, pensando ser um animal bravio. Atira nele, matando-o. O erro não foi de direito, mas sobre uma situação fática (confundiu uma pessoa com um animal). O sujeito sabia muito bem que não poderia matar ninguém. No entanto, acreditou estar matando um animal. O fato, entretanto, sobre o qual recaiu o equívoco está descrito como elementar no tipo de homicídio. Mas o sujeito, em razão de um erro de fato, pensou estar cometendo um irrelevante penal (caçando em local permitido), quando, na verdade, praticava um delito.


Diferença entre erro de tipo e delito putativo por erro de tipo.

Primeiramente, devemos assinalar que, no erro de tipo, o sujeito não sabe que está cometendo um crime e acaba praticando-o. É o caso da subtração de coisa própria, ou do caçador.

Já, no delito putativo por erro de tipo, o sujeito quer praticar um crime, mas, diante do erro, acaba praticando um irrelevante penal. Afinal, como já estudamos, o delito putativo é o delito equivocadamente imaginado, que só existe na cabeça do agente.

Imagine que o sujeito, querendo vender cocaína, acaba vendendo talco. Veja! Ele acha que está vendendo uma droga, mas vende substância sem qualquer princípio ativo. Acha que está cometendo um crime, mas trata-se de um irrelevante penal.

Por sua vez, no caso do erro de tipo, o sujeito não quer cometer qualquer ilícito penal. É o caso, por exemplo, do sujeito que vai à farmácia comprar talco, mas o balconista entrega-lhe um pacote de cocaína.

Ora! Ele não foi à farmácia comprar cocaína. Portanto, não quis cometer crime algum. Houve um equívoco. Portanto, há exclusão do dolo.

Como já estudamos, anteriormente, há três espécies de delito putativo: o delito putativo por erro de tipo, por erro de proibição e por obra do agente provocador.


Formas de erro de tipo.

O erro de tipo pode ser essencial (vencível ou invencível) ou acidental. Estudemos cada um deles.


Erro de tipo essencial.

O erro de tipo essencial incide sobre elementares e circunstâncias.

Vimos que, de acordo com a teoria finalista, o dolo deve abranger todos os elementos constitutivos do tipo. Assim, para praticar um crime, o agente deve ter a consciência e a vontade de realizar todos os elementos que compõem o tipo legal.

O erro de tipo essencial ou impede que o agente saiba que está cometendo um crime (quando o equívoco refere-se a elementar) ou impede que ele perceba a existência de uma elementar.

Chama-se erro de tipo essencial porque, se tal erro não ocorresse, certamente, o agente não teria cometido o crime, ou, pelo menos, não nas circunstâncias em que cometeu.

Vejamos dois exemplos.

Alguém está deixando a sala de aula e, por engano, leva o Código de um colega, que é igualzinho ao seu. Sabemos que há uma grande diferença entre pegar um bem próprio (irrelevante penal) e um alheio (crime de furto). Estamos diante de um caso de erro essencial, porque se o aluno percebesse que o livro era do colega, certamente, não o levaria consigo. Tal erro incidiu sobre uma das elementares do crime de furto, impedindo que o agente conhecesse o caráter criminoso do fato..

Imagine, agora, que um estelionatário, pensando ter aplicado um grande golpe, recebe um veículo com o motor fundido. O pequeno prejuízo da vítima é uma circunstância (dado secundário da figura típica) desconhecida pelo agente. Assim, o autor não terá direito ao privilégio previsto no parágrafo 1° do art.171, porque não sabia que estava agindo sobre circunstância favorável.

Veja que o erro essencial é aquele que é tão relevante que, se o agente o conhecesse, não teria praticado o crime, pelo menos, não daquela maneira.



Característica do erro de tipo essencial.

Qual a característica do erro essencial? Tal erro impede o agente de compreender o caráter criminoso do fato (erro de tipo essencial incidente sobre elementar) ou de conhecer a circunstância ( erro de tipo essencial incidente sobre circunstância).




Formas de erro de tipo.

Temos tanto o erro de tipo essencial invencível (inevitável, desculpável ou escusável), quanto o erro de tipo essencial vencível (evitável, indesculpável ou inescusável).

O erro invencível é aquele que o agente não poderia evitar, nem com o emprego de uma diligência mediana. Já o vencível é aquele que poderia ser evitado se o agente empregasse prudência mediana.

Vejamos seus efeitos.


Efeitos dos erros essenciais vencíveis e invencíveis.

O erro essencial que recai sobre elementar sempre exclui o dolo, sendo evitável ou não. Assim, se o agente não sabia que estava cometendo o crime, por desconhecer a existência de uma elementar, jamais poderia querer praticá-lo. Afinal, se o sujeito não sabe que está cometendo um crime, como dizer que ele queria praticá-lo? Isso seria absurdo.

Ainda, o erro invencível (desculpável, escusável, inevitável), recaindo sobre elementar não exclui somente o dolo, mas também a culpa. Afinal, se o erro não poderia ser evitado, nem mesmo com cautela, não podemos afirmar que o sujeito agiu de forma culposa. Assim, excluído o dolo e a culpa, não haverá conduta, não havendo fato típico, e, conseqüentemente, crime.

Imagine que um artista se vista de veadinho em uma floresta e seja alvejado por um caçador. Ora! A fantasia era tão perfeita que o caçador não poderia imaginar que se tratava de um homem. Assim, houve a exclusão, no caso, até da culpa, uma vez que mesmo com o emprego de uma prudência mediana, ninguém poderia prever que um sujeito iria se vestir de veadinho e sair saltitante pela floresta.

Por sua vez, tratando-se de erro vencível, que recai sobre elementar, haverá a exclusão do dolo, mas não da culpa. Afinal, se o erro poderia ser evitado com um pingo de prudência, não podemos dizer que o agente não agiu com culpa. Dessa forma, havendo a previsão da modalidade culposa do delito, o agente responderá por ela.

Voltemos ao caso do artista no meio da floresta. Imagine, entretanto, que ele não está fantasiado. Mas o caçador, míope, sem óculos, vê somente um vulto perto dos galhos de uma árvore, e, pensando tratar-se de um veadinho, atira, matando um homem.

Veja! O erro de tipo essencial não deixou de existir. Afinal, o caçador se equivocou sobre uma das elementares do tipo (alguém). Entretanto, seu erro poderia ser evitado com um pouquinho de cuidado. Assim, por existir homicídio culposo, o caçador há de responder por ele.

Se, entretanto, o tipo não admitir a modalidade culposa, será irrelevante perguntarmos sobre a evitabilidade ou não do erro, pois, como já frisamos, o erro de tipo essencial sempre excluirá o dolo, e não havendo a possibilidade de crime culposo, na hipótese, não há mais nada a ser analisado.

Assim, se tratar-se, por exemplo, de um crime de furto, que inadmite a forma culposa, não haverá qualquer importância em sabermos se o erro era ou não evitável.

Por último, o erro essencial que recai sobre uma circunstância desconhecida do agente exclui essa mesma circunstância.

Imagine, por exemplo, que o agente queira subtrair um objeto de grande valor (uma escultura caríssima). No entanto, por erro, acaba levando uma imitação sem valor significativo. Mesmo sendo o objeto de pequeno valor (art.155, parágrafo 2° , do CP), o agente não poderá valer-se do privilégio, porque o desconhecia. Em verdade, queria furtar bem de grande valor.


Descriminantes putativas.

As descriminantes são causas que descriminam, ou seja, que excluem o crime, porque retiram a ilicitude do fato típico. Já a palavra putativa, como já visto, significa imaginária. Assim, a descriminante putativa é a causa excludente da ilicitude erroneamente imaginada pelo agente. Em verdade, ela inexiste. No entanto, o sujeito a imagina.

Essas descriminantes englobam a legítima defesa putativa, o estado de necessidade putativo, o exercício regular de direito putativo, e o estrito cumprimento do dever legal putativo.

Como exemplo de legítima defesa putativa, podemos imaginar o caso de sujeito que assiste televisão, quando um primo brincalhão invade sua sala, com um capuz na cara, fingindo-se de um assaltante. Ele, imaginando-se em legítima defesa, mata o primo.

Exemplo de estado de necessidade putativo é o caso do piloto que, diante de um pane, acreditando haver somente um pára-quedas no helicóptero, joga o co-piloto para fora, quando, em verdade, havia outro pára-quedas.

Haverá, também, exercício regular do direito putativo quando o sujeito corta galhos da árvore do vizinho, por imaginar, falsamente, que eles estavam invadindo sua propriedade.

Por último, estaremos diante do estrito cumprimento do dever legal putativo quando o policial, erroneamente, algemar um cidadão honesto que era, em verdade, sósia de um fugitivo.




Espécies.

Temos tanto descriminantes por erro de tipo como descriminantes por erro de proibição. Estudemos ambas.


Descriminantes putativas por erro de proibição.

No caso das descriminantes putativas por erro de proibição, o agente sabe muito bem tudo o que está ocorrendo. Não há, portanto, qualquer engano acerca da realidade. Assim, não há erro qualquer sobre a situação fática. Entretanto, ele supõe que está diante de uma causa que exclui o crime, uma vez que faz uma avaliação equivocada da norma. Pensa que ela autoriza a sua conduta quando, na verdade, ela a proíbe. Ele pensa que está agindo certo, no entanto, age errado, supondo que o injusto é justo.

Essa descriminante é considerada um verdadeiro erro de proibição indireto que leva às mesmas conseqüências do erro de proibição, que estudaremos mais adiante (culpabilidade).

O sujeito imagina estar autorizado pela norma a agir em legítima defesa, ou estado de necessidade, naquela determinada situação.

Imagine o caso do velho e do jovem. Um senhor bastante idoso leva um tapa no rosto de um jovem atrevido. Ele sabe perfeitamente o que está acontecendo, sabe que seu agressor está desarmado e que o ataque já cessou. Tem perfeita noção da realidade. No entanto, por erro, imagina estar autorizado pelo ordenamento jurídico a matar aquele que o humilhou, agindo, assim, em legítima defesa de sua honra.

Veja! No caso há uma descriminante (legítima defesa) putativa (imaginada, porque não existe a situação legitimadora, no caso concreto) por erro de proibição (velhinho pensou que a conduta proibida fosse permitida, na hipótese).

Trata-se de descriminante que só existiu na cabeça do agente, que imaginou que a lei o autorizava a matar, naquelas circunstâncias. Essa suposição equivocada foi provocada por um erro de proibição, ou seja, por erro sobre a ilicitude da conduta praticada.

Qual a conseqüência do erro de proibição indireto? No caso, o dolo não será excluído, porque o engano incide sobre a culpabilidade e não sobre a conduta. Se o erro for inevitável, o agente terá cometido crime doloso, mas não responderá por ela, por ausência de culpabilidade (art.21 do CP). Se, por sua vez, o erro poderia ser evitado, responderá pelo crime doloso, com pena diminuída de 1/6 a 1/3.


Descriminante putativa por erro de tipo.

Ocorre, justamente, quando o agente, por erro, imagina uma situação fática que, se existisse, permitiria sua ação acobertada por uma causa de exclusão da ilicitude.

Trata-se de um erro de tipo essencial que recai sobre as elementares de um tipo permissivo, que é aquele que permite a realização de condutas inicialmente proibidas.

Os tipos permissivos (previstos no art.23 do CP), como os incriminadores, também são compostos de elementos (requisitos). Assim, se o sujeito praticar uma conduta, imaginando, equivocadamente, que está agindo acobertado por uma das causa de justificação.

Assim, imagine que um sujeito, ao ver um estranho colocar a mão no bolso para pegar um lenço e, acreditando que esse vai sacar uma arma para matá-lo, supõe estar em legítima defesa.

Em verdade, a descriminante putativa por erro de tipo é uma espécie de erro de tipo essencial. As suas conseqüências, portanto, serão as mesmas do erro de tipo, previstas no art.20, parágrafo 1° , do CP. Assim, se o erro for evitável, o sujeito poderá responder pelo crime culposo, se esse existir. Se for inevitável, há a exclusão tanto do dolo como da culpa.

Ainda, é bom notar que, a culpa imprópria, já estudada, é a que resulta do erro de tipo vencível.


Erro de tipo acidental.

O erro de tipo acidental é aquele que incide sobre dados irrelevantes da figura típica.

Sua característica é não impedir a apreciação do caráter criminoso do fato. Assim, o agente sabe perfeitamente que está a cometer um delito. Por essa razão é um erro que não traz qualquer conseqüência jurídica. O agente responde como se não houvesse qualquer erro.


Espécies de erro de tipo acidental.

São as seguintes: erro sobre o objeto, erro sobre a pessoa, erro na execução (aberratio ictus), resultado diverso do pretendido (aberratio criminis) e dolo geral (erro sucessivo ou aberratio causae). Estudemos cada uma delas.


Erro sobre o objeto.

Já dissemos que o objeto material é a coisa ou a pessoa sobre qual recai a conduta. Assim, o erro sobre o objeto é o erro sobre a coisa, objeto material do delito.

Trata-se de erro absolutamente irrelevante, uma vez que não traz qualquer conseqüência jurídica. Como exemplo, podemos citar o caso do sujeito que, ao invés de subtrair café, furta feijão. Pelo que responderá? Ora! Responderá pelo mesmo crime, pois seu erro não o impediu de saber que praticava crime de furto.

Quando a coisa, entretanto, estiver descrita como elementar do tipo, o erro será essencial. No exemplo, pouco importa a distinção porque tanto o feijão quanto o café constituem coisa alheia móvel, sendo elementar do tipo. No entanto, se o agente confundisse cocaína com talco, como no exemplo da farmácia, o erro seria essencial, pois, enquanto a cocaína é elementar do crime de tráfico, o talco não.

Também, quando existe diferença de valor entre os produtos furtados, o erro pode passar a ser essencial, pois o pequeno valor da res furtiva é circunstância privilegiadora do crime de furto.


Erro sobre a pessoa.

É aquele que recai sobre a pessoa humana. O agente, equivocadamente, olha um desconhecido e o confunde com a pessoa que deseja atingir. Ou seja, pensa que Manuel é Joaquim.

Tal erro é tão irrelevante, que o legislador determina que o autor seja punido pelo crime que efetivamente cometeu contra o terceiro inocente, como se, em verdade, ele tivesse atingido a pessoa pretendida (vítima virtual), considerando as suas qualidades e não as da pessoa atingida. É o que dispõe o art.20, parágrafo 3° , do CP).

Imagine que o pai queira matar o filho para poder dedicar-se a adúltero romance. No dia dos fatos, posta-se em frente ao colégio de seu filho, com uma arma, aguardando, ansiosamente, a sua saída. Vai saindo um gordinho, baixinho, tênis Nike, boné, camisetão do palmeiras, com uma mochila nas costas. O pai, vendo a oportunidade de eliminá-lo, aponta a arma e atira. O gordinho (vítima efetiva) é atingido na testa e cai morto.

O pai fica feliz, saí de trás da árvore e quando atravessa a rua, em direção ao colégio, vê seu filho, saltitante, correndo em sua direção para o abraço. Leva um susto e percebe, perplexo, que tinha matado um sósia de seu filho (vítima virtual).

Veja! Nesse caso, o sujeito olha terceiro e o confunde. Pensa que "A" é "B". Confunde vítima efetiva com vítima virtual.

Segundo o art.20, parágrafo 3° , do CP, esse erro é irrelevante, respondendo o agente pelo crime que queria cometer, levando-se em consideração as qualidades e a sua relação com a pessoa que queria matar (virtual) e não que matou (vítima efetiva, real).

No caso, o pai responderia por homicídio doloso, qualificado pelo motivo torpe e agravado por ter sido cometido contra descendente.




Erro na execução do crime ou aberratio ictus.

O agente não se confunde quanto à pessoa que pretende atingir, mas realiza o delito de forma desastrada, errando o alvo e atingindo vítima diversa.

Segundo Damásio, pode ocorrer de diversas formas: "por acidente ou erro no uso dos meios de execução, como, p.ex., erro de pontaria, desvio da trajetória do projétil por alguém haver esbarrado no braço do agente no instante do disparo, movimento da vítima no momento do tiro, desvio de golpe de faca pela vítima, defeito da arma de fogo etc." (Direito Penal, página 319)


Formas.

Com unidade simples ou resultado único.

Ocorre quando, em face do erro na execução do crime, o agente não atinge a vítima que queria acertar (vítima virtual), mas somente um terceiro (vítima efetiva). Denomina-se de unidade simples ou resultado único, porque somente a pessoa diversa da visada acaba sendo atingida.


Conseqüência.

Segundo as determinações do artigo 73 do Código Penal, o agente responde do mesmo modo que no erro sobre a pessoa, ou seja, pelo crime efetivamente cometido contra o terceiro inocente, como se esse fosse, entretanto, a vítima virtual (que se pretendia atingir).

Imagine que, no caso do pai que quer matar o filho, ele atire contra o próprio filho, mas, por erro de pontaria, acaba acertando um coleguinha seu.

No caso, responderá da mesma forma que no erro sobre a pessoa, como se tivesse atingido quem pretendia atingir.


Com unidade complexa ou resultado duplo.

Nessa hipótese, o agente acerta tanto a vítima visada (virtual), como terceira pessoa (ou terceiras pessoas).

É o caso do sujeito que, querendo acabar com o devedor pontual, efetua disparos de metralhadora contra o mesmo, matando outras dez pessoas.

Veja! O resultado foi duplo: um querido e outro não previsto (morte de várias pessoas).



Conseqüência.

Aplica-se a regra do concurso formal, impondo-se a pena do crime mais grave, aumentada de 1/6 até metade, variando o acréscimo de acordo com o número de vítimas atingidas.

Se, entretanto, houver dolo eventual em relação ao terceiro ou terceiros inocentes, aplicar-se-á a regra do concurso formal imperfeito, que ocorre quando os resultados diversos derivam de desígnios autônomos, somando-se as penas, como no concurso material. Entretanto, parece claro que não será uma hipótese de aberratio ictus, uma vez que o sujeito quis matar todo mundo, não havendo erro. Ora, ninguém erra por dolo, não é mesmo?

O exemplo que pode ser dado aqui é o carcereiro que joga uma granada em uma cela com trinta presos, matando todos. Houve uma só conduta, com vários resultados, todos eles pretendidos ou, ao menos, aceitos.


Diferença entre erro sobre a pessoa e "aberratio ictus".

No erro sobre a pessoa, o agente faz uma verdadeira confusão mental. Pensa que a vítima efetiva é a vítima virtual. Já no erro na execução do crime, o sujeito não faz qualquer confusão. Ele dirige sua conduta contra a pessoa que quer mesmo atingir, mas acaba cometendo um equívoco, na hora de executar a conduta.

Verifica-se que, no erro sobre a pessoa, a execução do crime é perfeita, enquanto não podemos dizer o mesmo do erro na execução. Dessa forma, no primeiro o erro está na representação mental, e, no segundo, na execução.


Resultado diverso do pretendido (aberratio criminis).

Conceito.

No caso, o agente pretende atingir um bem jurídico, mas, por erro na execução, acaba atingindo um bem diverso. Não se trata de atingir uma pessoa ao invés de outra, mas, sim, de cometer um crime no lugar de outro.

Imagine que alguém saia de uma loja irritado com os preços exorbitantes. Pega uma pedra e joga-a contra a vitrine, acertando uma velhinha que passeava bela e formosa.


Espécies.

Com unidade simples ou resultado único.

Hipótese em que somente é atingido o resultado diverso do pretendido. É o caso da velhinha.
Nesse caso, há de responder somente pelo resultado produzido e, mesmo assim, se houver a previsão de crime culposo. No exemplo, o sujeito responderia por lesões corporais culposas.


Com unidade complexa ou resultado duplo.

O sujeito atinge o bem visado e um outro diverso. Imagine, por exemplo, que o sujeito quebre o vidro e, ainda, atinja a balconista.

Nesse caso, há de se aplicar a regra do concurso formal, com a pena do crime mais grave aumentada de 1/6 até metade, levando-se em conta o número de resultados diverso produzidos.


Erro sobre o nexo causal ou aberratio causae.

Ocorre quando o agente, na suposição de já ter consumado o crime, realiza nova conduta, pensando tratar-se de mero exaurimento, atingindo, nesse momento, a consumação.

Imagine, por exemplo, que o agente, depois de estrangular a vítima, crendo estar ela morta, enforca-a para simular um suicídio. No entanto, fica demonstrado que a vítima morreu em razão do enforcamento. Responde por um só homicídio doloso consumado.

Já estudamos tal matéria, no dolo geral ou sucessivo.



CRIME CONSUMADO.

O artigo 14, inciso I, do nosso Código Penal, traz o conceito de crime consumado, afirmando que o crime se diz consumado "quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal".

Assim, nos casos de crimes consumados, há a total conformidade entre a conduta descrita abstratamente na lei e a conduta tomada pelo agente, no caso concreto.

Não podemos, entretanto, confundir crime consumado com crime exaurido. Afinal, o "iter criminis" (conjunto de etapas que se sucedem, cronologicamente, no desenvolvimento do delito), encerra-se com a consumação, sendo que os acontecimentos posteriores à consumação, geralmente, não têm qualquer influência sobre a valorização do fato praticado.

Dessa maneira, o crime de corrupção passiva (art.317 do CP), por exemplo, consuma-se com a simples solicitação da vantagem indevida, mesmo que a outra pessoa não tenha a intenção de realizar a ação ou abster-se de sua prática. A obtenção da vantagem, no caso, é mero exaurimento.
Consumação nas várias espécies de crimes.

(I) Os crimes materiais (aqueles em que o legislador descreve uma ação e um resultado, exigindo a ocorrência desse último para se consumar) se consumam com a produção do resultado naturalístico.

Como exemplo, podemos mencionar o homicídio, que se consuma com a morte da vítima, ou o aborto, com a do feto.

(II) Nos crimes culposos, a consumação também se dá com a produção do resultado naturalístico involuntário.

Assim, o homicídio culposo também consuma-se com a morte da vítima.

(III ) Já nos crimes de mera conduta, a consumação ocorre com a simples ação.

Assim, se houver violação de domicílio, para que o crime se consume, basta a simples entrada do sujeito no domicílio alheio.

( IV) Os crimes formais, também, consumam-se com a simples atividade, independentemente, da produção do resultado.

Assim, no crime do artigo 154 (violação de segredo profissional), basta a simples revelação do segredo, independentemente, da efetiva produção do dano a outrem, para que o delito se encontre consumado.

(V) Já, nos crimes permanentes, o momento consumativo se protai (prolonga) no tempo. Vai desde o momento em que se reúnem todos os seus elementos até que cesse o comportamento do agente.

Assim, no caso do cárcere privado (art.148 do CP), o momento consumativo perdura até que o ofendido recupere sua liberdade.

(VI) No crime omissivo próprio, a consumação ocorre quando há a abstenção do comportamento devido.

(VII) Enquanto nos crimes omissivos impróprios, ou comissivos por omissão, a consumação se dá com a produção do resultado naturalístico.

É o caso da mãe que mata o filho, deixando de alimentá-lo. A consumação desse delito ocorre quando o filho morre.

(VIII) Por sua vez, os crimes qualificados pela resultado se consumam com a produção do resultado agravador.

(IX) Os crimes complexos somente se consumam quando os crimes componentes estejam integralmente realizados.

(X) Os crimes habituais apenas se consumam com a reiteração de atos, uma vez que cada um deles, isoladamente, é um indiferente penal.

Nesses casos, o momento consumativo é incerto, uma vez que não se sabe quando a conduta se tornou um hábito.



"ITER CRIMINIS".

Segundo Zaffaroni e Pierangeli, "desde que o desígnio criminoso aparece no foro íntimo da pessoa, como um produto da imaginação, até que se opere a consumação do delito, existe um processo, parte do qual não se exterioriza, necessariamente, de maneira a ser observado por algum espectador, excluído o próprio autor. A este processo dá-se o nome de iter criminis ou "caminho do crime", que significa o conjunto de etapas que se sucedem, cronologicamente, no desenvolvimento do delito." (Da tentativa, Doutrina e Jurisprudência, sexta edição, página 13, Editora RT).

Para que o sujeito chegue ao momento consumativo, deve percorrer quatro etapas: (1) a cogitação, (2) a preparação, (3) a execução, e (4) a consumação.

Imagine, por exemplo, que o agente, com intenção de matar a vítima (cogitação), adquire um revólver e se poste de emboscada à sua espera (atos preparatórios), atirando contra ela (execução).

Vejamos cada uma dessas fases.


COGITAÇÃO.

O agente apenas mentaliza, idealiza, planeja, deseja, representa mentalmente a prática de um crime. Nesta fase, o crime é impunível, uma vez que cada um pode imaginar o que bem entender, não é mesmo?

Assim, as idéias criminosas, na cabeça do agente, não são punidas.


PREPARAÇÃO.

A preparação é a prática de atos imprescindíveis (necessários) para a execução de um crime. No entanto, nesta fase, o agente ainda não iniciou a agressão ao bem jurídico, ou seja, o agente ainda não começou a realizar o núcleo (verbo) do tipo.

Nessa etapa, ainda, o crime não pode ser punido, pois não existe concretamente. Maurach dizia que o ato preparatório "é aquela forma de atuar que cria as condições prévias adequadas para a realização de um delito planejado. Por um lado, deve ir mais além do simples projeto interno (mínimo) sem que deva, por outro, iniciar a imediata realização tipicamente relevante da vontade delitiva (máximo)."

Como exemplo de atos preparatórios, podemos mencionar a aquisição de uma arma, no crime de homicídio, a aquisição de uma chave falsa, para a realização do furto qualificado, o estudo do lugar onde o sujeito quer praticar o crime de roubo etc.

Entretanto, devemos ficar atentos porque, às vezes, o legislador transforma atos preparatórios em tipos penais especiais, quebrando a regra acima. É o caso do crime previsto no artigo 291 (apetrechos para falsificação de moeda), que é ato preparatório do crime de moeda falsa, previsto no art.289 do CP.

Para que um crime, ainda, seja punido, exige-se que ele seja, ao menos, tentado, devendo, pois, ter o agente dado início à sua execução. É o que dispõe o artigo 31 do Código Penal: "o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição em contrário, não são puníveis, se o crime não chegar pelo menos a ser tentado."


EXECUÇÃO.

Nessa fase, o bem jurídico começa a ser lesionado, o sujeito começa a realizar o núcleo do tipo (verbo), tornando-se possível a punição do crime.


Fronteira entre o fim da preparação e o início da execução.

Em verdade, trata-se de uma linha muito frágil. No entanto, o melhor critério, adotado por Fernando Capez, o exterminador da torcida organizada do Palmeiras, determina que "a execução se inicia com a prática do primeiro ato idôneo e inequívoco para a consumação do delito."(Curso de Direito Penal, Parte Geral, Editora Saraiva, página 193)

Assim, enquanto os atos realizados não forem aptos à consumação ou quando ainda não estiverem inequivocamente vinculados a ela, o crime permanece na fase de preparação.


Enquanto, por exemplo, o agente aguarda a passagem da vítima, atrás de uma árvore, não está praticando qualquer ato que possa levar a vítima à morte, assim como não podemos estabelecer uma ligação induvidosa entre esse fato e o homicídio a ser praticado. Da mesma forma, quando o ladrão anda pela casa, sem retirar bem algum da vítima, ainda não há a execução do delito.

Só haverá execução quando o agente praticar o primeiro ato capaz de levar ao resultado consumativo e quando não houver dúvidas de que tal ato se destina à consumação daquele delito.


CONSUMAÇÃO.

Por último, temos a consumação do delito, que como já dissemos, ocorre quando realizados todos os elementos descritos no tipo penal.



TENTATIVA.

Conceito.

Segundo Welssels, a tentativa "é a manifestação da resolução para o cometimento de um fato punível através de ações que se põem em relação direta com a realização do tipo legal, mas que não tenham conduzido à consumação."(Direito penal, parte geral, página 133).

Alberto Silva Franco, por sua vez, de forma poética, sustenta que a tentativa "se caracteriza por ser um tipo manco truncado, carente. Se, de um lado, exige o tipo subjetivo completo correspondente à fase consumativa, de outro, não realiza plenamente o tipo objetivo. O dolo, próprio do crime consumado, deve iluminar, na tentativa, todos os elementos objetivos do tipo. Mas a figura criminosa não chega a ser preenchida, por inteiro, sob o ângulo do tipo objetivo. Bem por isso, Zaffaroni e Pierangeli (Da tentativa, p.59) observaram que a tentativa 'é um delito incompleto, de uma tipicidade subjetiva completa, com um defeito na tipicidade objetiva'."(Código Penal e sua interpretação jurisprudencial, 5.ed., São Paulo, RT, 1995, p.152)

Ainda, de acordo com nosso Código Penal (art.14, II), a tentativa é a não-consumação do crime, cuja execução iniciou-se, por circunstâncias alheias à vontade do agente.


Natureza jurídica.

Qual a natureza jurídica da tentativa? Trata-se de norma de extensão temporal da figura típica, que causa a adequação típica mediata ou indireta.

Requisitos necessários para que haja tentativa.

1.. Primeiro, que haja o início da execução de um delito.

2.. Que esse não se consume (senão teremos um crime consumado e não tentado)

3.. Em razão de circunstâncias alheias à vontade do agente .
Início da execução.

Quando, entretanto, podemos afirmar que se iniciou a execução? Bem, como já vimos outrora, a linha divisória dos atos preparatórios e dos executórios é bastante tênue. No entanto, pode ela ser fixada. Para isso, os doutrinadores utilizam alguns critérios (critério lógico-formal, critério subjetivo e critério compositivo ou misto). Estudemos cada um deles.


Critério lógico-formal.

Por esse critério, o ato executivo é aquele que realiza uma parte da ação típica. Assim, existiria começo da execução sempre que houvesse a correspondência formal dos atos executados com a realização parcial do correspondente tipo delitivo.

Esse critério é bastante criticado, pois se estaria a estreitar demais a esfera de incidência da tentativa. Alberto Silva Franco, por exemplo, afirma que "o critério exclusivo de correspondência formal com o tipo mostra-se totalmente ineficaz, em face de tipos que não apresentam uma forma vinculada, isto é, não oferecem uma descrição pormenorizada da conduta criminosa."(Código Penal, cit., p.152).

Esse, entretanto, o critério adotado por Capez, por respeitar o princípio da reserva legal, "uma vez que o único parâmetro para aferição do fato típico é a correspondência entre a conduta humana praticada e a descrição contida na lei."(Curso de Direito Penal, Parte Geral, p.196).

A tipicidade, de fato, somente começa a existir quando se inicia essa correspondência entre a conduta praticada e a descrita abstratamente na lei, não havendo início da execução sem que se comece a realizar o verbo do tipo.


Critério Subjetivo.

Tal critério tem como enfoque, justamente, o momento interno do autor, haja vista que não importa mais verificar se os atos praticados pelo agente correspondem ou não a uma realização parcial do tipo, mas somente se leva em conta o ponto de vista subjetivo do autor desses atos.

Capez afirma que essa posição "foi criticada pela doutrina, porque o agente é apontado, cedo demais, como delinqüente, correndo-se o risco de dilatar ao infinito o esquema de incriminação, de forma que ponha em perigo o próprio princípio da legalidade." Afirma, ainda que torna impossível a incriminação até mesmo em sua fase de cogitação.





CRITÉRIO MISTO.

É uma mistura dos dois anteriores.

Enrique Cury, defende tal critério, afirmando que "as ações são multiformes e, por esta razão, podem prolongar-se mais ou menos, segundo se exteriorizem desta ou daquele forma. É possível matar-se alguém empregando um procedimento complexo e dilatado ou acertar-lhe uma punhalada por causa da ira que provoca, de súbito, sua atitude. É possível subtrair-se uma coisa mediante um só movimento que aproveita a ocasião inesperada ou recorrendo-se a recursos complicados que exigem uma sucessão de operações preconcebidas. Como é lógico, a lei não pode - nem pretende - descrever separadamente todas as formas de exteriorização possíveis. O tipo, em conseqüência, limita-se a apresentar um esquema de conduta que, na prática, pode adotar modos de realização díspares, cada um dos quais, não obstante, satisfaz as linhas gerais por ele contempladas. Resulta daí a conclusão de que o conteúdo executivo dos tipos é muito variável e depende da forma em que o agente se proponha a consumá-lo. Assim o que o determina, em cada caso concreto, é o plano individual do autor. A tentativa começa com aquela atividade com a qual o autor, segundo seu plano delitivo, se põe em relação imediata com a realização do tipo delitivo."(Tentativa y delito frustrado, Ed.Jurídica de Chile, 1977, p.63-4)


CRITÉRIO ADOTADO.

De fato, em respeito ao princípio da reserva legal, acredito seja o critério lógico-formal o mais adequado, somente se caracterizando a tentativa quando o ato mostrar-se idôneo para a consumação do delito.

Assim, se alguém é surpreendido subindo uma escada para entrar em uma residência, não podemos falar em tentativa de furto, uma vez que o sujeito não iniciou a execução (retirada de bem da vítima, contra sua vontade).


Formas de tentativa.

(1) Imperfeita: é aquela em que há a interrupção do processo executório, não chegando o agente a praticar todos os atos executórios do crime, por circunstâncias alheias à sua vontade.

Nesse caso, o agente não chega a praticar todos os atos necessários para a produção do resultado. É o caso do agente que, após ferir levemente a vítima, com um punhal, é impedido de dar a punhalada fatal.

(2) Perfeita ou acabada (crime falho): é aquele em que o agente pratica todos os atos de execução do crime, mas esse não se consuma por circunstâncias alheias à sua vontade.

Nesse caso, o agente realiza tudo o que acha necessário para produzir o resultado, mas esse não se produz. É o caso do sujeito que descarrega seu revólver na vítima que, atingida, é levada ao hospital e sobrevive.


(3)Tentativa branca ou incruenta: é aquela em que a vítima não é sequer atingida, podendo ser perfeita ou não. Seria perfeita quando o agente realizasse a conduta integralmente, mas não conseguisse atingir a vítima. Imagine, por exemplo, que ele erre todos os tiros.

Seria imperfeita se a execução fosse interrompida, sem que a vítima tivesse sido tingida, como no caso do agente ser desarmado no primeiro disparo equivocado.

(4) Cruenta: ocorre quando a vítima é atingida, vindo a lesionar-se. Pode ocorrer tanto na tentativa perfeita, como na imperfeita.

O legislador não faz qualquer distinção, quanto à pena, em relação à tentativa, mas a espécie de tentativa pode servir para dosá-la . Afinal, quanto mais próximo da consumação, menor será a redução.


Infrações que não admitem tentativa.

Algumas infrações não admitem tentativa. São elas:

(1) Delitos culposos (salvo caso de culpa imprópria, segundo parte da doutrina).

(2) Delitos preterdolosos, uma vez que o evento de maior gravidade objetiva, não querido pelo agente, é punido na modalidade culposa.

(3)Nas contravenções, uma vez que o artigo 4° da LCP, que não pune a tentativa de contravenção.

4.. Os crimes omissivos próprios, que são crimes de mera conduta, ou seja, que se consumam com a simples conduta. Ou o indivíduo deixa de realizar a conduta, e o delito se consuma, ou a realiza, e não há qualquer crime.

5.. Crimes que somente são punidos caso ocorra o resultado, como o caso do artigo 122 (participação em suicídio).



6.. Crimes habituais, uma vez que ou há a habitualidade e o crime se consuma ou não há, inexistindo crime.

7.. Crimes em que a lei pune a tentativa como crime consumado (art.352).
Discute-se se os crimes unissubsistentes, que se realizam por único ato, admitem ou não tentativa. Damásio afirma que não, exemplificando com o injúria verbal.

Por seu turno, Capez entende que, em certos casos, é possível a tentativa em crime unissubsistentes, por exemplo quando o agente efetua um único disparo contra a vítima, errando o alvo.

Ainda, alguns crimes de mera conduta admitem tentativa, como o caso da violação de domicílio, em que o sujeito não tem sucesso, ao tentar invadir o domicílio de outrem.



Aplicação da pena.

A punição da tentativa é apreciada por duas teorias: a subjetiva e a objetiva.

Pela teoria subjetiva, a tentativa deve ser punida da mesma forma que o crime consumado, pois o que vale é a intenção do agente.

Já a teoria objetiva afirma que a tentativa deve ser punida de forma mais branda que o crime consumado, uma vez que, concretamente, produziu um mal menor.

A teoria adotada foi a objetiva, não se punindo, portanto, a intenção do agente, mas sim o efetivo caminho percorrido pelo agente.

O Código esclarece que a pena do crime tentado será a do crime consumado, diminuída de 1/3 a 2/3. Entende-se que quanto mais próximo o agente se aproximar da consumação, menor será a redução da pena, de acordo com construção jurisprudencial.

Portanto, na tentativa branca, a redução será sempre maior do que nos casos em que a vítima é lesionada.

Tal critério de redução deverá ser o mesmo para todos os participantes do delito praticado em concurso.


DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ (tentativa abandonada).

Conceito.

A desistência voluntária e o arrependimento eficaz são espécies de tentativas qualificada ou abandonada. Assim, a priori, havia uma tentativa, que foi abandonada. O agente, a princípio, queria produzir o resultado. No entanto, mudou de idéia, impedindo-o com a sua própria vontade.

Veja! No caso, o resultado não se produz em razão da vontade do agente, e não por circunstâncias alheias à sua vontade, como no caso da tentativa comum.


Natureza jurídica.

Qual a natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz?

Trata-se de causa de exclusão da adequação típica indireta, que faz com que o autor não responda pela tentativa, mas somente pelos atos até então praticados, desde que típicos. Gera, portanto, a atipicidade relativa ou absoluta.


Elementos da tentativa abandonada.

Para que possa haver tentativa abandonada é necessária a presença dos seguintes requisitos:

1.. Início da execução.

2.. Não-consumação.

3.. Interferência da própria vontade do agente.

Veja que a tentativa comum diferencia-se da abandonada através desse terceiro elemento, uma vez que vimos que a tentativa simples ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente.



Espécies de tentativa abandonada.

Há duas espécies de tentativa abandonada: a desistência voluntária e o arrependimento eficaz. Vamos tratar de cada uma delas.

Na desistência voluntária, o agente interrompe, voluntariamente, a execução do crime, impedindo, assim, a sua consumação. Portanto, o sujeito inicia a execução e, mudando de idéia, resolve interromper a seqüência de atos executórios, impedindo que o resultado se produza.

Imagine, por exemplo, que eu tenha um revólver com seis projéteis. Querendo matar um desafeto, efetuo dois tiros no sujeito. No entanto, não o acertando e, podendo prosseguir na execução criminosa, resolvo poupá-lo, desistindo do crime.

"O simples fato de haver disparado contra a vítima não deve ser entendido como tentativa perfeita ou acabada de homicídio, se o agente desiste voluntariamente da ação, quando já tinha a mesma vítima à sua mercê." (RF-206/320)

Pouco importa o que me levou a desistir da conduta iniciada, desde que a desistência tenha ocorrido por vontade própria. Afinal, não se exige a espontaneidade da desistência, bastando a voluntariedade.

Portanto, se eu desistir ou me arrepender por sugestão de terceiros, mesmo assim a escolha será minha, sendo o ato, pois, voluntário, como o exige a lei.

É bom que notemos que os crimes unissubsistentes não admitem desistência voluntária. Afinal, quando o sujeito pratica o primeiro ato, já está encerrada a execução, tendo, pois, o crime se consumado.

Por sua vez, no arrependimento eficaz, o agente, após encerrar a execução do crime, impede a ocorrência do resultado.

Nesse caso, não há a interrupção da execução. Esse executa certinho a conduta descrita no tipo legal. No entanto, arrepende-se do que fez e impede que o resultado venha a se produzir.

Imagine, por exemplo, que eu, no mesmo exemplo acima, efetue os seis tiros, lesionando meu desafeto. Entretanto, vendo meu inimigo no chão, gemendo de dor, sinto peninha dele e resolvo prestar-lhe socorro imediato e eficaz, impedindo, assim, a sua morte.

Verifica-se que os crimes de mera conduta e os crimes formais não comportam arrependimento eficaz. Afinal, encerrada a execução, o crime já se encontra consumado, não havendo qualquer resultado naturalístico a ser evitado. Portanto, somente poderá existir nas hipóteses de crimes materiais.

Note que a lei fala em arrependimento "eficaz". Assim, se ele for ineficaz, não trará nenhuma conseqüência, respondendo o sujeito pelo crime praticado.




Distinção entre ambas as espécies de tentativa abandonada.

Na desistência, o sujeito inicia a execução e, podendo nela prosseguir, interrompe-a. Por sua vez, no caso do arrependimento, o sujeito realizou inteiramente a execução, mas arrependeu-se de sua conduta, impedindo o resultado.




Julgados sobre o tema.

"Para aceitação da desistência voluntária impõe-se a prova de gestos e circunstâncias que demonstrem haver o agente desistido da consumação do crime voluntariamente."(RF-225/310)

"Se o agente desiste de consumar a subtração porque ficou com medo, quando se sentiu sozinho no interior da residência, sem o apoio da presença do comparsa, não há dúvida que ocorreu a desistência voluntária."

"A desistência voluntária consiste no fato do agente, por sua vontade, impedir o prosseguimento da atividade delituosa. Se esta cessou em razão de ter sido obstado pela polícia, não há que se falar em desistência voluntária com arrependimento eficaz."(TFR, AC, rel. Carlos Mário Velloso, DJU 29/08/79, p.6375)

"Não há que falar em arrependimento eficaz ou em desistência voluntária se o "inter criminis" foi interrompido por circunstâncias alheias à vontade do acusado. Não há confundir espontaneidade com voluntariedade."(RT-599/325)

"Inocorre desistência voluntária quando o agente, perseguido por terceiros, na iminência da frustração de sua empreitada criminosa, devolve a "res furtiva" tão-somente porque impossível era a consumação do delito."(JUTACRIM 84/348)

"Desistência voluntária - Roubo - Agente que, após graves ameaças à vítima, suspende a execução delituosa em atenção às ponderações do companheiro - Configuração - Absolvição mantida.

Se o agente vem a sustar em definitivo a execução do crime, por sua própria e exclusiva deliberação - muito embora observando as rogativas de terceiro - tem-se por configurada a desistência voluntária."(TACRIMSP, AC 551.661/4 - Rel. Gonçalves Nogueira, BMJ 78/9)

"Não há que falar em arrependimento eficaz face à apresentação espontânea do tóxico à polícia, feita pelo acusado, uma vez que, com a aquisição e guarda do mesmo, já se consumara o delito."(RT 468/363)

"Em se tratando de crime consumado, não há cogitar de arrependimento eficaz."(RT-377/248)

"Ocorre o arrependimento eficaz se, após o furto, mas antes de se tornar conhecido, repõe o agente a coisa subtraída no local de onde a retirou."(RT 485/319).

"Ocorre o arrependimento eficaz quando o agente, tendo já ultimado o processo de execução do crime, desenvolve, voluntariamente, nova atividade, impedindo a produção do resultado."(RT-482/377)

"Ocorre o arrependimento eficaz quando, após subtrair o dinheiro à vítima, o acusado o devolve antes de qualquer diligência policial." (RT-462/437)

"Não há falar em arrependimento eficaz, quando o agente só procurou ressarcir os danos decorrentes do crime, após ser descoberta a autoria."(JUTACRIM-80/545)



Conseqüências da tentativa abandonada.

A tentativa é afastada, respondendo o agente somente pelos atos até então praticados.

Assim, no primeiro caso, eu responderia por periclitação da vida ou disparo de arma de fogo, e, no segundo, responderia por lesões corporais de natureza grave.

Ainda, deve-se ter em conta que o agente somente responderá pelos atos praticados se eles mostrarem-se relevantes para o direito penal. Portanto, se o ladrão, dentro da casa da vítima, desiste de praticar o furto, deverá responder por violação de domicílio, mas, se desiste de matar a vítima, somente responde por lesões, se feri-la.

Ainda, é interessante notar que as causas de exclusão da adequação típica previstas no artigo15 do CP comunicam-se nos casos de concurso de agentes (pessoas), uma vez que ambas as causas excluem a tipicidade, não podendo os partícipes responder por crimes que não se caracterizaram.


Arrependimento posterior.

Não podemos confundi-lo com o arrependimento eficaz, uma vez que sua natureza jurídica é diversa, seja ela, causa obrigatória de diminuição de pena.

Afinal, o arrependimento eficaz aplica-se também aos crimes cometidos com violência ou grave ameaça, enquanto, como veremos, o posterior somente incide sobre os crimes cometidos sem violência ou grave ameaça.

Também, o arrependimento eficaz faz com que o sujeito responda somente pelos atos até então praticados e não pelo resultado, a priori, visado, enquanto no posterior, o agente responde pelo crime, com pena reduzida.

Ainda, note que o arrependimento eficaz é anterior à consumação. Já, o posterior exige a ocorrência do resultado.

Não pode, ainda, o arrependimento posterior ser confundido com a delação premiada ou eficaz, em que se estimula a delação feita por um co-autor ou partícipe em relação aos demais.

Conceito.

O conceito resta previsto no próprio Código Penal, no artigo 16, que determina: "nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços."

Tem como objetivo, é claro, estimular a reparação do dano, nos crimes patrimoniais praticados em violência ou grave ameaça.


Requisitos.

Para que haja a redução da pena, mostra-se necessário:

1) Prática do delito sem violência ou grave ameaça à pessoa.

A lei refere-se somente à violência dolosa. Assim, se a violência advier de culpa, mesmo assim poderá haver a diminuição, como nos casos de homicídio e lesão corporal culposa.

2) Necessidade de reparação do dano ou restituição da coisa.

Essa reparação (ou restituição) deve ser sempre integral, a não ser que a vítima ou seus herdeiros renunciem de parcela do devido.

3) Voluntariedade do agente.

Como nas tentativas abandonadas, não se exige que o ato seja espontâneo, podendo originar-se de conselho ou sugestão de terceiro. Além disso, é possível que o ressarcimento seja feito por parente ou terceiro, desde que autorizado pelo agente.

4) Prazo: exige-se que o arrependimento ocorra até o recebimento da denúncia ou queixa. Afinal, se esse ocorrer após esse momento, teremos somente uma circunstância atenuante genérica (art.65, III, b, CP).


Relevância da reparação do dano.

A reparação do dano, antes do trânsito em julgado, no peculato culposo, extingue a punibilidade. Por sua vez, se doloso, a reparação, até o recebimento da denúncia ou queixa é causa de diminuição de pena, enquanto, depois desse, trata-se de atenuante genérica.

Também, no caso de emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos, havendo reparação até o recebimento da denúncia, há a extinção da punibilidade do agente, de acordo com o disposto na Súmula 554 do STF. Se, entretanto, sua emissão for fraudulenta, a reparação somente terá as conseqüências previstas no art.16 do CP.
Há, ainda, a extinção da punibilidade, no caso de crime contra a ordem tributária. Nessa hipótese, havendo o pagamento do tributo ou contribuição social até o recebimento da denúncia ou queixa, não haverá punição. Da mesma forma, nos crimes de ação penal privada e pública condicionada à representação do ofendido de competência dos Juizados Especiais Criminais (pena não superior a um ano), a reparação na audiência preliminar funciona como renúncia ao direito de queixa ou representação, acarretando a extinção da punibilidade (art.74, parágrafo único da lei).



Aplicação do arrependimento posterior.

Quando ele se aplica? Ou melhor, a que crimes ele se aplica?

Aplica-se aos crimes dolosos e culposos, tentados e consumados, simples, privilegiados ou qualificados.



Redução da pena.

A pena pode ser reduzida de 1 a 2/3, de acordo com a maior ou menor sinceridade ou espontaneidade, e com a maior presteza e celeridade da reparação. Assim, podemos dizer que quanto mais espontânea e rápida for a reparação, maior deverá ser a redução.



Comunicação aos co-autores e partícipes.

Por ser uma causa objetiva de diminuição de pena, o arrependimento posterior estende-se aos co-autores e partícipes condenados pelo mesmo fato.


Delação eficaz ou premiada.

Já vimos que se trata de delação feita por um co-autor ou partícipe em relação aos demais, mediante o benefício da redução da pena.

Ela resta prevista, no artigo 7° e 8° da lei 8072/90 (Crimes Hediondos), no artigo 6° da lei 9034/95 (Crime Organizado) e também na lei 9807/99 ( Lei de Proteção a Testemunhas), exigindo-se que ela seja eficaz.





CRIME IMPOSSÍVEL (tentativa inidônea, tentativa inadequada ou quase-crime).

Conceito.

Resta previsto no artigo 17 do CP, que dispõe: "Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime."


Natureza jurídica.

Trata-se de causa geradora de atipicidade.

Miguel Reale Júnior, tratando do assunto, afirma que "enquanto no crime tentado a consumação deixa de ocorrer pela interferência de causa alheia à vontade do agente, no crime impossível a consumação jamais ocorrerá, e, assim sendo, a ação não se configura como tentativa de crime, que se pretendia cometer, por ausência de tipicidade. Dessa forma, equivoca-se o legislador ao editar: 'não é punível a tentativa' como se tratasse de causa de impunidade de um crime tentado configurado."(Parte Geral do Código Penal - nova interpretação, S.P., RT, 1988, p.80).


Hipóteses de crime impossível.

Há duas hipóteses em que é possível ocorrer crime impossível:

1) Quando há ineficácia absoluta do meio, ou seja, quando o meio empregado ou o instrumento utilizado para a execução do crime jamais levarão à consumação do delito.

Imagine que eu resolva matar outro desafeto e efetue disparos com arma de brinquedo, supondo-a verdadeira, ou que eu resolva exterminá-lo com um palito de dentes.

Observe, entretanto que, se a ineficácia do meio for relativa, haverá tentativa e não crime impossível. Assim, no caso do palito, se eu pretender matar um recém-nascido, poderei perfeitamente furar sua moleira.

2) Quando há impropriedade absoluta do objeto material.

Ocorre quando a pessoa ou coisa sobre a qual recai a conduta é absolutamente inidônea para a produção de algum resultado lesivo.

Imagine que o genro tente matar a sogra que já está morta.. Ou que eu resolva ingerir substância abortiva, acreditando estar grávida. Ou, ainda, que eu tente furtar alguém que não tem um centavo no bolso.

Se a impropriedade for relativa, haverá tentativa. Assim, se o ladrão enfiar a mão no bolso errado, haverá circunstância meramente acidental que não torna impossível o crime, devendo, assim, responder por tentativa. Se, no entanto, a vítima não tivesse dinheiro em nenhum dos bolsos, a impropriedade seria absoluta, impedindo totalmente a consumação do crime, tornando-o, assim, impossível.


Verificação da idoneidade.

Essa verificação deve ser feita no momento em que se realiza a conduta delituosa (ação ou omissão).

Assim, se, concretamente, os meios ou o objeto eram inidôneos para a consecução do resultado já antes de se iniciar a ação executória, o crime é impossível. Se, por sua vez, tornam-se inidôneos concomitantemente ou após o início da execução haverá tentativa de crime, uma vez que, quando o agente praticou o crime, este podia se consumar.

É o caso do genro que bota veneno na sopa da sogra, que já fora envenenada pela nora. Se a velha morrer em decorrência do veneno ministrado pela nora, não podemos falar em crime impossível em relação ao genro, uma vez que a megera ainda estava viva quando ele a envenenou, sendo, portanto, objeto material idôneo (apto) para sofrer a lesão. Responde por tentativa, uma vez que o resultado somente não ocorreu em razão da conduta anterior, que produziu por si só a morte da bruxa.


Teorias relativas à punibilidade ou não do crime impossível.

Existem várias teorias sobre crime impossível: sintomática, subjetiva, objetiva (pura ou temperada). Estudemos cada uma delas e vejamos qual foi por nós adotada.

1) Teoria sintomática.

Para essa teoria, se o agente demonstrou periculosidade, deverá ele ser punido.


2) Teoria subjetiva.

O agente deverá, sim, ser punido, uma vez que revelou vontade de praticar crimes.Note que ambas as teorias não se importam com o fato de o resultado jamais poder ocorrer, preocupando-se somente com a periculosidade do agente ou com sua intenção.


3) Teoria objetiva.

Para essa teoria, o agente não é punido porque, objetivamente, não houve qualquer perigo para a coletividade. Pode tal teoria ser temperada ou pura.

Para a teoria pura, pouco importa sejam a ineficácia e a impropriedade absolutas ou relativas, sendo o crime sempre impossível. Por sua vez, para a temperada somente haverá crime impossível se essas forem absolutas, uma vez que, sendo relativas, haverá tentativa.

Nosso Código adotou a Teoria Objetiva Temperada. O que importa é que a conduta não tenha representado risco algum à coletividade, pouco importando a periculosidade ou intenção do agente. Como o fato não representou nenhum risco objetivo, a lei o considera atípico.



ANTIJURIDICIDADE (ilicitude).

Conceito.

Como já vimos, todo crime é um fato típico e antijurídico. Assim, primeiramente, fazemos uma análise sobre a tipicidade do fato. Se concluirmos que o fato é atípico, sequer perguntamos se é lícito ou não, uma vez que, se não está descrito como crime, trata-se de um irrelevante penal.

Por outro lado, se constatarmos que o fato é típico, passamos à segunda fase de apreciação do crime, analisando sua licitude. Afinal, somente se o fato for típico e ilícito, podemos afirmar que há crime.

Segundo Capez, a ilicitude "é a contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico, pela qual a ação ou omissão típicas tornam-se ilícitas."( Curso de Direito Penal, Parte geral, volume I, página 220)

Por sua vez, Piarangeli e Zaffaroni lecionam que "a antijuridicidade é, pois, o choque da conduta com a ordem jurídica, entendida não só como uma ordem normativa (antinormatividade), mas como uma ordem normativa e de preceitos permissivos.

O método, segundo o qual se comprova a presença da antijuridicidade, consiste na constatação de que a conduta típica (antinormativa) não está permitida por qualquer causa de justificação (tipo permissivo), em parte alguma da ordem jurídica (não somente no direito penal, mas tampouco no civil, comercial, administrativo, trabalhista etc.)."(Manual de Direito Penal Brasileiro, página 568)

Assim, pode ser que um fato típico (descrito como crime) não seja considerado ilícito, como no caso, por exemplo, de um homicídio praticado em legítima defesa.





Caráter indiciário da antijuridicidade.

Como já vimos outrora, a tipicidade é indício de ilicitude, uma vez que, em virtude da função seletiva do tipo, o legislador escolhe somente as condutas mais repugnantes ao meio social para defini-las como figuras incriminadoras. Assim, sendo o fato típico, presumimos a ilicitude da conduta praticada.

De fato, não podemos negar que, sabendo que um conhecido nosso praticou um crime de homicídio, a priori, nós o recriminamos. Temos a impressão de que o sujeito fez algo errado. Até o momento em que ele prove que agiu em legítima defesa ou estado de necessidade, temos a impressão que ele atuou contrariamente à lei.

Isso demonstra que presumimos a ilicitude dos fatos típicos. No entanto, algumas vezes, a antijuridicidade pode não existir, sendo a conduta permitida pelo ordenamento jurídico. De fato, a conduta pode ser considerada lícita sempre que houver qualquer causa de exclusão da ilicitude.



Diferença entre ilícito e injusto.

O ilícito consiste na contrariedade existente entre o fato praticado e a lei, não comportando escalonamentos, sendo, pois, o estupro tão ilícito quanto o furto, uma vez que ambos agridem o ordenamento jurídico. Por sua vez, o injusto é a contrariedade do fato em relação ao sentimento social de justiça (aquilo que o homem médio tem por certo, justo).

Assim, um fato ilícito (contrário ao ordenamento jurídico) pode ser considerado justo por grande parte da sociedade, como os casos de adultério, sedução ou jogo do bicho.

Ainda, o injusto admite graduações, uma vez que a repulsa a alguns crimes é maior do que a outros. Não se duvida, por exemplo, que o crime de estupro agride muito mais o sentimento de justiça da coletividade que o porte de arma.


Espécies de ilicitude.

1) Formal: é a mera contrariedade do fato ao ordenamento jurídico, sem levar em conta se há ou não verdadeira repulsa da sociedade.

2) Material: é a contrariedade do fato ao sentimento de justiça da coletividade. O comportamento afronta o que o homem médio acredita justo, correto, não contrariando somente o texto legal.

3) Subjetiva: o fato somente será ilícito se o agente puder avaliar o seu caráter criminoso, não bastando, assim, que esteja descoberta por uma justificativa.

4) Objetiva: a ilicitude independe da capacidade do agente, bastando que sua conduta não esteja acobertada por causa de exclusão de ilicitude.


Causas de exclusão da ilicitude.

Em regra, sendo o fato típico, será ele, também, ilícito, a não ser que ocorra qualquer causa de exclusão da antijuridicidade.

As causas que excluem a ilicitude podem ser tanto legais (previstas em lei) ou supralegais (aplicadas, analogicamente, haja vista a falta de previsão legal).

Verifica-se que a relação das causas excludentes da ilicitude não são fechadas, taxativas, "numerus clausus", sendo seu rol meramente exemplificativo, uma vez que as fontes justificadoras podem originar-se de qualquer outro ramo do ordenamento jurídico ou até mesmo do costume, apresentando a lei somente alguns casos em que a conduta é permitida, podendo, dessa forma, existir outros.

As causas legais, por sua vez, são quatro: o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular do direito, que estudaremos a seguir.

Como agir caso haja causa de exclusão da ilicitude?

Verificada a presença de qualquer causa justificante, faltará uma condição da ação penal, uma vez que não estamos diante de um crime. Assim, deverá o Ministério Público pedir o arquivamento do inquérito policial, ou o juiz rejeitar a denúncia ou queixa.

No entanto, isso somente ocorrerá se não houver dúvidas acerca da incidência da causa, ou seja, desde que ela esteja cabalmente demonstrada, uma vez que, na fase do oferecimento da denúncia, vigora o princípio "in dubio pro societate".





ESTADO DE NECESSIDADE.

Conceito.

Capez bem define o estado de necessidade, afirmando que "trata-se de causa de exclusão da ilicitude da conduta de quem, não tendo o dever legal de enfrentar uma situação de perigo atual, a qual não provocou por sua vontade, sacrifica um bem jurídico ameaçado por esse perigo para salvar outro, próprio ou alheio, cuja perda não era razoável exigir." (Curso de Direito Penal, parte Geral, volume I, página 224).

Imagine, por exemplo, que eu esteja dirigindo e que um aluno, em protesto às notas baixas que vem tirando, resolve se suicidar, jogando-se na frente do meu carro. Eu, para preservar a vida do meu aluno, jogo o carro para a direita, colidindo com um veículo que está estacionado.

Veja! Entre sacrificar uma vida e um bem material, optei pelo mais razoável. Assim, embora o fato seja típico, não haverá crime de dano, uma vez que, o fato praticado não é ilícito.


Teorias.

Teoria unitária.

É, justamente, a adotada por nosso Código Penal, que sustenta que o estado de necessidade é sempre causa de exclusão de ilicitude, jamais funcionando como causa supralegal ou de exclusão da culpabilidade.

Para essa teoria, o agente deve agir de acordo com o senso comum daquilo que é razoável, não se podendo exigir que ele fique, a todo instante, comparando os valores dos bens em conflito.

A falta de razoabilidade não o exime de responder pelo crime, incidindo, entretanto, causa de diminuição de pena de 1 a 2/3, de acordo com o disposto no art.24, parágrafo 2° , do CP.


Teoria diferenciadora.

Deve ser feita uma ponderação entre os valores dos bens e deveres em conflito, somente sendo o estado de necessidade considerado causa de exclusão da ilicitude quando o bem sacrificado for reputado de menor valor.

Caso o bem destruído seja de valor igual ou maior que o preservado, haverá estado de necessidade, mas como circunstância de exclusão da culpabilidade, como modalidade supralegal de inexigibilidade de conduta diversa (estado de necessidade exculpante).



Faculdade do juiz ou direito subjetivo do réu?

Existe, é claro, certa liberdade para o julgador interpretar o caso concreto. No entanto, temos, também, limites que ele não pode ignorar.

Assim, presentes os requisitos autorizadores do reconhecimento da causa de exclusão da ilicitude, o juiz não pode deixar de reconhecê-la, tratando-se, assim, de um direito subjetivo do autor do fato.


Requisitos.

O estado de necessidade desdobra-se em: situação de perigo (situação de necessidade) e conduta lesiva.

São requisitos da situação de perigo: a atualidade, a ameaça a direito próprio ou alheio, situação não causada voluntariamente pelo agente e a inexistência do dever de enfretar tal perigo.

Por sua vez, são requisitos da prática do comportamento lesivo: a sua inevitabilidade, a inexigibilidade de sacrifício do interesse ameaçado e o conhecimento da situação de fato justificante.

Ausente qualquer dos requisitos, não haverá estado de necessidade.

Estudemos cada um deles.


SITUAÇÃO DE PERIGO.

(1) Perigo atual.

O perigo deve ser atual, ou seja, deve estar se verificando no exato momento em que o agente sacrifica o bem jurídico.

A lei somente trata do perigo atual, não fazendo qualquer referência (alusão) ao perigo iminente, como o faz na legítima defesa. Assim, entende-se que somente haverá estado de necessidade quando o perigo mostrar-se atual.

Nesse sentido, os ensinamentos de Capez: "O perigo atual é, por assim dizer, um dano iminente. Por essa razão, falar em perigo iminente equivaleria a invocar algo ainda muito distante e improvável, assim como uma iminência de um dano que está por vir. Nessa hipótese, a lei autorizaria o agente a destruir um bem jurídico apenas porque há uma ameaça de perigo, ou melhor, uma ameaça de ameaça. Em decorrência disso, entendemos que somente a situação de perigo atual autoriza o sacrifício do interesse em conflito."(Curso de Direito Penal, Parte Geral, volume I, página 226).

Damásio, entretanto, afirma que "não se pode obrigar o agente a aguardar que o 'perigo iminente' se transforme em 'perigo atual'. Se o perigo está prestes a ocorrer, não parece justo que a lei exija que ele espere que se torne real para praticar o fato necessitado."(Direito Penal, Parte Geral, volume 1, página 370)




(2) Perigo a direito próprio ou alheio.

Primeiramente, é bom saber que a palavra "direito", aqui, significa qualquer bem tutelado pelo ordenamento legal, como a vida, a saúde, o patrimônio, a honra, a liberdade, os costumes etc.

Entretanto, mostra-se necessário que o bem a ser salvo reste protegido pelo ordenamento, caso contrário, não haveria qualquer interesse a ser defendido. Assim, não pode o condenado à morte alegar estado de necessidade contra o carrasco, quando determinada sua execução.

Ainda, verifica-se que a defesa de direito de terceiro independe de sua prévia autorização.

Assim, imagine que seu vizinho viaje para Europa. Você, então, percebe que a casa dele será destruída por uma árvore que está prestes a cair. É óbvio que não precisará de sua prévia autorização para invadir seu domicílio.


(3) Perigo não causado voluntariamente pelo agente.

Há divergências na doutrina quanto ao significado da expressão "perigo causado por vontade do agente".

Damásio entende que somente o perigo causado dolosamente impede que o autor se beneficie com o estado de necessidade, enquanto Assis Toledo afirma que pouco importa se o perigo foi causado dolosa ou culposamente, uma vez que a conduta culposa também é voluntária em sua origem. Nesse mesmo sentido, os entendimentos de Nélson Hungria e Frederico Marques.


Para esses autores, se o Edmundo dirige, pela Avenida Atlântica, voando como um animal, não poderá invocar o estado de necessidade se surgir, à sua frente, um outro veículo, que o obrigue a jogar o carro para o lado oposto, apanhando um pedestre. Afinal, o perigo criado pela marcha que imprimia ao carro, resultou de sua vontade.


Capez entende que "quando a lei emprega a expressão 'perigo autal, que não provocou por sua vontade', está nitidamente querendo aludir à vontade de produzir o perigo, que nada mais é do que dolo. Assim, quem esquece um cigarro aceso na mata e dá causa a um incêndio pode invocar o estado de necessidade, já que não provocou o perigo por sua vontade, mas por sua negligência."(Curso de Direito Penal, Parte Geral, volume 1, página 228).




(4) Inexistência do dever legal de enfrentar o perigo.

Sempre que a lei determinar que o agente deve enfrentar o perigo, deverá ele tentar salvar o bem ameaçado sem destruir qualquer outro, mesmo que, para isso, tenha de correr os riscos inerentes à sua função, podendo, entretanto, recusar-se a uma situação perigosa quando impossível o salvamento ou o risco for inútil.

Assim, não poderíamos exigir que um bombeiro se atirasse nas correntezas de uma enchente para tentar salvar alguém, se, evidentemente, ele também morreria afogado, sem conseguir seu intento.

Note que não falamos em dever jurídico de enfrentar o perigo, mas somente em dever legal. Assim, somente a lei poderá determinar que o agente enfrente o perigo, não havendo tal dever, nas hipóteses em que o agente assumiu obrigações por meio de contratos ou conduta anterior causadora do perigo.



CONDUTA LESIVA.

a.. Inevitabilidade do comportamento.

Somente podemos aceitar o sacrifício do bem caso não exista qualquer outro meio de se efetuar o seu salvamento, devendo a destruição ser evitada sempre que possível.

Segundo Capez, "a prática de um ilícito extrapenal, quando possível, deve ter preferência sobre a realização do fato típico, assim como o delito menos grave em relação a um de maior lesividade. Exemplo: o homicídio não é amparado pelo estado de necessidade quando possível a lesão corporal. Configura-se, nesse caso, o excesso doloso, culposo ou escusável, dependendo das circunstâncias."(Curso de Direito Penal, Parte Geral, volume 1, página 228).

Para aqueles a quem a lei impõe o dever legal de enfrentar o perigo, o sacrifício somente será inevitável quando for impossível a preservação do bem.


b.. Razoabilidade do sacrifício.

A lei não falou em bem de maior ou menor valor, referindo-se somente à razoabilidade do sacrifício. Assim, não há uma transferidor para medir os valores dos bens, devendo o agente agir de acordo com o que o homem comum acharia razoável.

Assim, uma pessoa de senso mediano acredita que a vida humana vale mais que a vida de um animal, que um veículo, ou um imóvel.


c.. Conhecimento da situação justificante.

O agente deve conhecer a situação justificante. Afinal, se, na sua mente, ele cometia um crime, ou seja, se sua vontade não era salvar alguém, mas sim provocar um mal, não se configura o estado de necessidade.

É o caso da Doutora Vera que, irritada com o latir incessante do cão de sua vizinha e veterinária Carminha, resolve matá-lo. Entretanto, coincidentemente, na hora em que resolve dar cabo à vida do animal, subindo no muro e apontando o revólver para o bicho, esse está prestes a morder uma criança.

Veja, no caso, a autora quis produzir um dano e não proteger a criança, pouco importando, então, que, no caso, acabou salvando a vida do garoto.



CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA.

Vimos que, para que se caracterize o estado de necessidade, a destruição do bem jurídico deve ser razoável. Assim, caso não haja razoabilidade, afastar-se-á a excludente, permitindo a lei, entretanto, que a pena seja diminuída de 1 a 2/3.

Dessa forma, faltando a razoabilidade, não é excluída nem a ilicitude, nem a culpabilidade, respondendo o agente pelo crime, com pena diminuída.

Formas de estado de necessidade.

1) Quanto à titularidade do interesse protegido, o estado de necessidade pode ser: (a) próprio (em que o agente defende direito próprio) ou de terceiro ( defende interesse alheio).

2) Quanto ao aspecto subjetivo do agente, o estado de necessidade pode ser: (a) real (hipótese em que a situação de perigo, de fato, existe) ou (b) putativo (quando o agente imagina situação de perigo inexistente).

3) Ainda, quanto ao terceiro que sofre a ofensa, o estado de necessidade pode ser: (a) defensivo (quando a agressão dirige-se contra o provocador do perigo) ou (b) agressivo (quando o agente destrói bem de terceiro inocente).


EXCESSO.

Quando o agente passa dos limites, intensificando desnecessariamente uma conduta antes justificada, dizemos que ocorreu excesso, que pode ser doloso ou culposo.

No excesso doloso, o agente responderá dolosamente pelo resultado produzido, enquanto, no culposo (inconsciente), o agente responderá pelo resultado a título de culpa.
CRIMES HABITUAIS, PERMANENTES E REITERAÇÃO CRIMINOSA.

Nesses delitos, não é admitido o estado de necessidade, uma vez ausente o requisito da atualidade na situação de perigo.

Excepcionalmente, entretanto, pode-se alegar essa excludente, como na hipótese em que um particular exerce ilegalmente a medicina em uma ilha onde não há profissional habilitado, nem tampouco qualquer ligação com o mundo externo (exemplo do Capez).



Estado de necessidade e dificuldades econômicas.

Poucos juízes aceitam a mera alegação de miserabilidade do agente como causa excludente de ilicitude. Assim, o desemprego, dificuldades financeiras, a miséria, por si sós, não caracterizam a justificativa.

Para que a excludente possa ser reconhecida, por exemplo, nos furtos famélicos, exige-se prova convincente dos requisitos do artigo 24 do CP, devendo a prática do ato ser recurso inevitável do agente.

Assim, se ele tinha plenas condições de exercer trabalho honesto, não se admite o estado de necessidade.

Neste sentido:

"Exclusão da ilicitude - estado de necessidade - Crime contra o patrimônio - Alegação de que o delito foi praticado em face da crise econômica nacional - Inadmissibilidade - Inaplicabilidade do art.24 do CP."(RT-751/704)



Porte de arma e estado de necessidade.

Não pode o agente portar arma de fogo ilegalmente, alegando que essa se faz necessária para sua defesa, uma vez que transita por lugares perigosos. Afinal, pode requerer a autorização à autoridade competente, demonstrando a necessidade.




Jurisprudência sobre o tema.

"Contravenção penal - Falta de habilitação para dirigir veículo na via pública - Estado de necessidade alegado - Não comprovação - Condenação decretada - Voto vencido.

Não há que se falar em estado de necessidade, se o acusado infrator do art.32 da LCP, não contou com o prestígio da necessidade da prova, vez que, teria de ser apresentado pelo menos, o atestado médico ou outro meio idôneo que justificasse o perigo de vida a ser experimentado com a eventual doença do filho do réu, e mais ainda, ninguém provou que não havia outra forma para transportar o doente, com a ajuda de vizinhos, utilização de táxi ou viatura policial."(RT-716/465)



LEGÍTIMA DEFESA.

Conceito.

Trata-se de causa de exclusão da ilicitude, consistente em repelir agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários.

Note que não há, aqui, uma situação de perigo, colocando em jogo dois bens jurídicos, mas somente um ataque, uma agressão injusta ao agente ou terceiro, que permite sua reação.


Fundamento.

Parece evidente que o Estado não tem, nem nunca teve condições de oferecer proteção aos seus cidadãos em todos os lugares e momentos. Assim, como não pode resguardá-los, possibilita que, em determinadas situações, esses se defendam por si mesmos.


Requisitos.

Necessariamente, para que haja legítima defesa, devem estar presentes, concomitantemente, os seguintes requisitos:


1.. Agressão injusta.
2.. Atual ou iminente.
3.. A direito próprio ou alheio.
4.. Repulsa com meios necessários.
5.. Uso moderado dos meios.
6.. Conhecimento da situação justificante.


Estudemos cada um deles.




AGRESSÃO INJUSTA.

Agressão, sabemos, é toda conduta humana que ataca um bem jurídico. Assim, verifica-se que somente as pessoas humanas podem praticar agressões. Por esse motivo, o ataque de um animal não pode ser considerado agressão, impossibilitando a legítima defesa.

Imagine, entretanto, que um de nós seja atacado por um pitbull. Devemos, simplesmente, deixar que ele nos massacre? É óbvio que não. Em regra, a vida humana vale mais que a vida de um simples animal. Assim, podemos agir em estado de necessidade.

Note, no entanto, que, se uma pessoa instiga um animal bravio a atacá-lo, o bicho será somente um instrumento utilizado pela pessoa para agredi-lo. Assim, havendo agressão injusta, na hipótese, caberá legítima defesa.

Mas não basta a simples agressão. Essa deve ser injusta, ou seja, contrária ao ordenamento jurídico, não se exigindo que a agressão injusta seja necessariamente um crime.

Assim, posso defender-me contra um furto de uso, um dano culposo, ou com vistas, simplesmente, a recuperar minha posse.

Também, mostra-se perfeitamente possível a defesa contra agressões praticadas por incapazes, como os doentes mentais, os menores de 18 anos, os ébrios habituais. Afinal, a injustiça da agressão é medida de forma objetiva, independentemente da capacidade do agressor.

E a provocação? Pode ou não ser considerada uma agressão? Bem, dependendo de sua intensidade, pode ser vista como verdadeira agressão. Assim, havendo injúria muito grave, pode haver a justificativa, o mesmo não ocorrendo quando a provocação é feita de brincadeira, ou se ela pode ser suportada.

Não se pode admitir, entretanto, falta de moderação. Assim, não podemos aceitar que uma pessoa mate a outra só porque foi provocado com palavras.

Ainda, o provocador não poderá, para defender-se, invocar a legítima defesa, porque deu causa aos acontecimentos, podendo haver, simplesmente, defesa contra o excesso por parte daquele que foi provocado.

Neste sentido:

"Legítima defesa - descaracterização - Agente que invade estabelecimento comercial, acompanhado de comparsas, empunhando arma de fogo, assalta e fere gravemente a vítima e também é ferido - Inexistência de legítima defesa na prática de crime."(RT-714/388)
Também, não considera em legítima defesa aquele que aceita desafio para luta, respondendo ambos pelos ilícitos praticados.


Hipóteses de cabimento de legítima defesa.

(1) Legítima defesa contra agressão injusta de inimputável.

Como já adiantamos, cabe legítima defesa contra agressões injustas praticadas por incapazes. Assim, se um louco ou menor vier nos agredir, injustamente, podemos reagir, alegando legítima defesa.


(2) Legítima defesa contra agressão acobertada por qualquer outra causa de exclusão da culpabilidade.

Pouco importa se o agressor não está em condições de conhecer o caráter criminoso da agressão praticada, uma vez que, com ou sem esse conhecimento, há um ataque injustificado, podendo, pois, o agredido se defender.


(3) Legítima defesa real contra legítima defesa putativa.

Na legítima defesa putativa, como já vimos, o agente imagina uma realidade que, se existisse, permitiria agisse ele em legítima defesa. Entretanto, na verdade, na hipótese, o sujeito está praticando um ataque injusto, possibilitando que o agredido se defenda.

É o caso do promotor que, imaginando que o ex-detento irá sacar de uma arma, atira no sujeito, acreditando-se em legítima defesa. É claro que o sujeito, recebendo uma agressão gratuita poderá revidar em legítima defesa real. Afinal, o promotor, no caso, movido por erro, acabou agredindo injustamente uma outra pessoa, admitindo-se, pois, a reação dessa.

Não importa o que o promotor pensou, uma vez que, para o ex-detento, houve uma agressão injusta.

1.. Legítima defesa putativa contra legítima defesa putativa.

Trata-se do "encontro dos neuróticos adversários". Ambos se encontram e um pensa que o outro irá matá-lo, assim parte, logo, para o ataque. Os dois se defendem, acreditando-se frente a iminente agressão injusta.

Em verdade, objetivamente, os dois fatos são ilícitos, uma vez que não existe, no caso, legítima defesa real. Entretanto, para que haja um crime, deve-se analisar as circunstâncias concretas, já que, como vimos, o erro de tipo sempre exclui o dolo, podendo, até mesmo, excluir a culpa, se não puder ser evitado.




2.. Legítima defesa real contra legítima defesa subjetiva.

Primeiro devemos apreciar o que é legítima defesa subjetiva. Trata-se, justamente, do excesso por erro de tipo escusável. Assim, mesmo tendo cessado a agressão, o sujeito continua a se defender, possibilitando, dessa forma, a reação do antigo agressor, que passa a ser o agredido.

Imagine, por exemplo, que eu seja agredida injustamente por uma invejosa qualquer. Começo a defender-me, até que passo a dominar completamente a minha agressora. Entretanto, acreditando que ainda há perigo, prossigo na defesa, tornando-me, então, a agressora da história. Nesse instante, termina a situação de defesa, iniciando-se o excesso.

Nesse caso, a antiga agressora passa à situação de agredida, podendo, então, defender-se do excesso, alegando legítima defesa.

Em verdade, trata-se de questão teórica, uma vez que, na prática, aquele que deu causa aos acontecimentos não poderá invocar a legítima defesa, mesmo contra o excesso, cabendo-lhe dominar a situação sem gerar novos danos.

Imagine que um estuprador, levando a pior, começa a ser esfaqueado pela vítima. Não pode matá-la, alegando legítima defesa. Deve somente desarmá-la, sem causar-lhe um novo mal.


3.. Legítima defesa putativa contra legítima defesa real.

Imagine, por exemplo, que Marcelinho, vendo Felipão bater em Luxemburgo, resolva salvar o ex-técnico. No entanto, agiu sem conhecer a verdadeira realidade. Quem iniciara a agressão não fora Felipão. Esse somente estava a se defender das agressões de Luxemburgo.

Veja que somente pode existir a legítima defesa putativa de terceiro, havendo a exclusão do dolo e da culpa, se o equívoco for inevitável.


4.. legítima defesa real contra legítima defesa culposa.

Pouco importa se o agente agiu com dolo ou culpa, bastando que a agressão seja injusta. É o caso, por exemplo, da legítima defesa putativa por erro de tipo evitável (em que resta a culpa).

Imagine que Luxemburgo, confundindo Marcelinho com um desafeto seu e sem qualquer cuidado em certificar-se disso, acreditando defender-se dele, efetua disparos em sua direção. Há agressão injusta decorrente de culpa na apreciação de fato.


Contra esse ataque culposo caberá a legítima defesa real.


Hipóteses em que não cabe a legítima defesa.

São quatro as hipóteses em que não se admite a legítima defesa:

1.. legítima defesa real contra legítima defesa real.

2.. Legítima defesa real contra estado de necessidade real.

3.. Legítima defesa real contra exercício regular de direito.

4.. Legítima defesa real contra estrito cumprimento do dever legal.



ATUALIDADE E IMINÊNCIA DA AGRESSÃO.

Agressão atual é aquela que está ocorrendo. Seria o efetivo ataque que gera a reação defensiva.

Nos crimes permanentes, possibilita-se a legítima defesa a qualquer momento, uma vez que a conduta se potrai no tempo, renovando-se a atualidade da agressão a todo o instante.

Imagine que eu esteja no cativeiro já há um mês, vítima de um seqüestro. A qualquer instante poderei matar meu agressor, pois existe agressão enquanto perdurar essa situação.

Devemos ter claro que a reação deve ser imediata, ou seja, logo após ou durante a agressão atual.

Por sua vez, a agressão iminente é a que está prestes a ocorrer. No caso, ainda não há a agressão, mas ela está para se iniciar a qualquer momento, admitindo-se a repulsa desde logo, uma vez que ninguém está obrigado a esperar até que seja atingido por um golpe.

Não existirá, entretanto, legítima defesa, se a agressão for futura, não podendo um sujeito matar outro porque este ameaçou-o de morte (prometeu-lhe mal futuro).

Da mesma forma, não se admite legítima defesa de fatos passados. O sujeito, no caso, não estaria agindo sob o manto de uma causa excludente de ilicitude, mas, simplesmente, vingando-se.

Neste sentido:

"Legítima defesa - Reação contra agressão que já cessou - Excludente descaracterizada.


Não é admissível legítima defesa contra uma agressão que já cessou, ou contra uma agressão futura, ou contra uma simples ameaça desacompanhada de perigo concreto e imediato." (RT-715/433)



AGRESSÃO A DIREITO PRÓPRIO OU DE TERCEIRO.

Admite-se tanto a legítima defesa própria, em que defende-se o próprio direito, como a legítima defesa de terceiro, em que são defendidos os direitos de outrem.

Possibilita-se, como já colocamos, a defesa de qualquer bem tutelado pelo ordenamento jurídico, desde que, é claro, haja a proporcionalidade entre a lesão e a repulsa.



LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA.

A honra pode ou não ser defendida? Bem, em princípio, qualquer bem tutelado pelo ordenamento admite a legítima defesa. Assim, a honra também pode ser protegida. No entanto, no caso concreto, deve-se analisar a proporcionalidade entre a ofensa e a intensidade da repulsa.

Assim, o ofendido não poderá matar o agressor em defesa da honra, face à ausência de moderação, exigida para a configuração da legítima defesa.

Imagine, por exemplo, que, num caso de adultério, o sujeito resolva matar a esposa. Não poderá alegar legítima defesa, não apenas pela falta de moderação, "mas também devido ao fato de que a honra é um atributo de ordem personalíssima, não podendo ser considerada ultrajada por um ato imputável a terceiro, mesmo que este seja a esposa ou o marido do adúltero. (STJ, Sexta T., RE 1.517-PR, DJUI, 15-4-91, p.4309).


Esse entendimento, entretanto, não é pacífico. Veja a decisão abaixo:

"Homicídio - Legítima defesa da honra - Acusado que, surpreendendo a mulher em situação de adultério, mata-a juntamente com seu acompanhante - Reconhecimento da excludente admissível - Voto vencido.

É incontestável que um cônjuge tem em referência ao outro, na constância do casamento, o absoluto direito à fidelidade, de exigir-lhe tal direito que vai implicar numa honra como um bem jurídico a ser respeitado e a dever ser mantido. Bem emanado do estado conjugal, em perigo ou violado por um ato adulterino que o ofende como tal e que, ao mesmo tempo, possibilita um ato de defesa legítima do aludido direito."(RT-716/413)

MEIOS NECESSÁRIOS.

Os meios necessários são aqueles que se mostram menos lesivos colocados à disposição do agente, no momento em que sofre ou está prestes a sofrer a agressão.

Assim, se você tiver um pedaço de pau na mão, podendo conter a agressão, não há porque querer utilizar-se de uma arma de fogo, não é mesmo?

Portanto, a vítima sempre deve utilizar o instrumento menos lesivo que tiver à sua disposição para conter a agressão injusta.

Imagine, pois, um paralítico, preso em uma cadeira de rodas, que, não dispondo de outro recurso para defender-se, fere a tiros aquele que tenta levar as frutas de seu pomar.

Ora, se a arma era o único meio de conter o furto, deve ela ser considerada meio necessário, devendo-se analisar, no entanto, como foi a arma utilizada (para ferir, para matar). Assim, se a arma foi utilizada para matar o ladrão, a legítima defesa estará descaracterizada, não porque o meio foi desnecessário, mas porque a conduta foi imoderada, havendo excesso.

A desnecessidade do meio, também, há de caracterizar excesso doloso, culposo ou exculpante (sem culpa ou dolo).



MODERAÇÃO.

Trata-se do emprego dos meios necessários, dentro do limite razoável para conter a agressão, não podendo, entretanto, ser medida milimetricamente, analisando-se sempre o caso concreto.

Geralmente, o número exagerado de golpes demonstra imoderação por parte do agente.

Da mesma forma que a desnecessidade do meio, a imoderação acaba afastando a legítima defesa, devendo-se indagar se houve ou não excesso.

Nesse sentido:

"Legítima defesa - Descaracterização - Homicídio - Excesso de golpes que revela fúria agressiva.


Ementa da Redação: O número exagerado de golpes deferidos pelo réu na vítima, causando sua morte, afasta a legítima defesa alegada, pois demonstrados, no caso, indícios reveladores de fúria agressiva."(RT-743/606)


CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO JUSTIFICANTE.

Deve o agente conhecer a situação justificante, uma vez que, se, em sua mente, ele queria cometer um crime e não se defender, ainda que, por coincidência haja uma defesa, o fato será ilícito.

Inevitabilidade da agressão e "commodus discessus"(obrigatoriedade de evitar-se a agressão).

Alguns autores exigem que a agressão seja inevitável, para que se configure a legítima defesa. Assim, mostra-se necessário que não haja a possibilidade de o agente evitar a agressão ou dela se afastar.

Nosso direito, entretanto, não exige a obrigatoriedade de evitar-se a agressão, pois a legítima defesa não traz o requisito "nem podia de outro modo evitar", presente no tipo permissivo do estado de necessidade.




EXCESSO.

Como já dissemos outrora, o excesso é a intensificação desnecessária da conduta inicialmente justificada, que descaracteriza as descriminantes, fazendo com que o agente responda pelas lesões causadas.


Espécies de excesso.

a.. Doloso ou consciente.

O agente, ao se defender de uma agressão inicialmente injusta, emprega meio que sabe ser desnecessário ou atua, conscientemente, com imoderação.

Imagine que alguém, para se defender de um tapa, mata o agressor a tiros, ou depois de imobilizá-lo, prossegue na reação até matá-lo.

Nesse caso, o agente responderá pelo resultado causado dolosamente.


b.. Culposo ou inconsciente.

O sujeito, a princípio, agredido, equivocadamente, imagina-se ainda sofrendo o ataque e, diante do temor, da emoção exacerbada, mesmo tendo dominado o agressor, continua agredindo-o, passando, assim, à situação de agressor.

Podemos apontar como requisitos do excesso culposo:

1.. o agente estar, inicialmente, em legítima defesa.

2.. Dela desviar-se utilizando meios desnecessários ou imoderados, por culpa.

3.. Estar o resultado lesivo previsto em lei como crime culposo.


Nesse caso, o agente responderá pelo resultado produzido a título de culpa.

a.. Exculpante.

É aquele que não deriva nem de dolo, nem de culpa, mas de erro plenamente justificado pelas circunstâncias. É o caso da legítima defesa subjetiva.

O excesso, no caso, decorre de uma atitude emocional do agredido, que o impede de medir adequadamente a repulsa em função do ataque, não se podendo exigir, na hipótese, um comportamento conforme a norma.



QUESITAÇÃO DA LEGÍTIMA DEFESA NO TRIBUNAL DO JÚRI.

Depois de superados os quesitos relativos à autoria, à materialidade e ao nexo causal (letalidade), passa-se à quesitação da legítima defesa, desdobrada em tantos quesitos quantos forem seus pressupostos legais.

Se os jurados negarem a injustiça ou a atualidade ou iminência da agressão, desaparecerá por completo a excludente, e o agente responderá pelo delito praticado.

No entanto, se esses quesitos forem julgados presentes, mas os jurados negarem a necessidade dos meios ou a moderação, o juiz indagará acerca do excesso doloso, culposo ou exculpante.


Quesitação segundo Capez.

Fernando Capez, com maestria, traz toda a quesitação da legítima defesa, de maneira detalhada. Vale conferir:

"1) O réu, no dia 22 de janeiro do ano 2000, por volta de 2h., no interior de sua residência, efetuou disparos de arma de fogo em direção à vítima, produzindo-lhe os ferimentos descritos no laudo necroscópico de fls.18? (autoria e materialidade).



2)Tais ferimentos foram a causa da morte dessa vítima? (letalidade). Este quesito só é indagado aos jurados se a resposta ao primeiro for afirmativa por unamimidade ou maioria de votos.

3) O réu praticou o fato em defesa de sua própria pessoa?

1.. Defendeu-se o réu de uma agressão atual?

2.. Defendeu-se o réu de uma agressão iminente? ( a afirmação do quesito anterior torna prejudicado este).

6) Defendeu-se o réu de uma agressão injusta? (a resposta negativa ao quesito 3, aos quesitos 4 e 5 conjuntamente ou ao quesito 6 elimina a legítima defesa, e o agente passa a responder pelo crime cometido).

7) O réu empregou os meios necessários em sua defesa (a resposta negativa a este quesito não afasta a legítima defesa, mas torna prejudicado o seguinte e leva diretamente à quesitação do excesso).

8) O réu usou moderadamente desses meios?(a resposta negativa a este quesito não afasta a legítima defesa de plano, levando à quesitação do excesso).

9) O réu excedeu, dolosamente, os limites da legítima defesa? (se afirmativa a resposta, surge o chamado excesso doloso ou consciente, e o agente responde pelo crime praticado, a título de dolo, não se beneficiando da legítima defesa; se negativa, passa-se ao quesito seguinte).

10) O réu excedeu, culposamente, os limites da legítima defesa? (se afirmativa a resposta, o agente responde pelo crime que cometeu, a título de culpa; se negativa, os jurados responderam que houve um excesso, mas que este não derivou nem de dolo, nem de culpa, surgindo a chamada legítima defesa subjetiva ou excesso exculpante, em que não existe fato típico, ante a exclusão de dolo e culpa)."(Curso de Direito Penal, Parte Geral, volume I, página 240)



CONCEITOS FINAIS.

1.. Legítima defesa sucessiva: É a repulsa contra o excesso.

2.. Legítima defesa putativa: É a legítima defesa, equivocadamente imaginada pelo agente., por erro de tipo ou erro de proibição. Nós já a estudamos outrora.



3.. Legítima defesa subjetiva: É o excesso derivado de erro de tipo escusável, inevitável, que exclui tanto o dolo como a culpa.



"ABERRATIO ICTUS" (erro na execução), na reação.

O sujeito, defendendo-se de injusta agressão, erra na execução dos atos necessários de defesa.

Imagine que, para defender-me do meu agressor, eu atire nele, atingindo, entretanto, um terceiro inocente, que passava pelo local dos fatos. Ou que eu atinja tanto o agressor como o terceiro.

Em nenhuma das hipóteses descaracteriza-se a legítima defesa, pois, de acordo com o disposto no art.73 do CP, é como se eu tivesse atingido o agressor (pessoa visada e não a efetivamente atingida).



DIFERENÇAS ENTRE LEGÍTIMA DEFESA E ESTADO DE NECESSIDADE.

No estado de necessidade, há um conflito entre dois bens jurídicos, ambos expostos a perigo, enquanto na legítima defesa, existe repulsa a um ataque.

Nele, o bem jurídico é exposto a perigo, enquanto, nela, o direito sofre uma agressão iminente ou atual.

Somente existe legítima defesa, se há uma agressão humana, enquanto no estado de necessidade, o perigo pode advir ou não da conduta humana.

Ainda, na legítima defesa, a reação deve ser contra o agressor, diferentemente do estado de necessidade, em que a conduta pode ser dirigida contra terceiro inocente.

Por último, no estado de necessidade, não se mostra necessária a injustiça da agressão, exigida na legítima defesa.

É possível, entretanto, que ambos existam ao mesmo tempo. Imagine que, para defender-me legitimamente do agressor, eu pegue a arma de um terceiro sem sua autorização.







ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL.

Fundamento.

O artigo 23, III, primeira parte, deixa claro que não há crime quando o agente pratica o fato no "estrito cumprimento do dever legal."

Trata-se de mais uma das causas de exclusão da ilicitude, uma vez que quem cumpre um dever legal, dentro dos limites impostos pela lei, não pode estar praticando, ao mesmo tempo, um ilícito penal.


Conceito.

Trata-se, como já adiantamos, de causa excludente da ilicitude, que consiste, justamente, na realização de um fato típico, por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei.

É, por exemplo, o caso do policial, que algema o sujeito, ao prendê-lo, cumprindo ordem judicial.



DEVER LEGAL.

A expressão compreende toda e qualquer obrigação direta ou indiretamente derivada da lei, podendo constar de decreto, regulamento ou ato administrativo, desde que advindos da lei, ou de decisões judiciais.

Tratando-se, no entanto, de resolução administrativa de caráter específico, como uma ordem de serviço, ocorrerá obediência hierárquica e não estrito cumprimento do dever legal, que tem caráter genérico.


CUMPRIMENTO ESTRITAMENTE DENTRO DA LEI.

O agente deve agir dentro dos limites de seu dever, sob pena de desaparecer a excludente, respondendo o sujeito por crime de abuso de autoridade ou outros delitos pevistos na lei.

Neste sentido:

"Abuso de autoridade. Investigador de polícia que, a pretexto de esclarecer crimes, conduz menor inimputável algemado à delegacia, onde o retém durante várias horas. Defesa baseada o estrito cumprimento do dever legal. Inadmissibilidade. Fato que caracteriza a famigerada 'prisão para averiguações'. Apelação improvida. Condenação mantida. Inteligência dos arts.4° , a, da lei 4898, de 9.12.65 e 23, III, 1° parte do CP.

Não age em estrito cumprimento do dever legal - e, portanto, pratica manifesto abuso de autoridade - o investigador de polícia que prende para averiguações uma menor inimputável, pois se trata de constrangimento físico à liberdade de outrem sem o mais remoto amparo legal e violador das garantias constitucionais do devido processo e da legalidade da privação da liberdade."(RT-664/296)


ALCANCE DA EXCLUDENTE.

A excludente dirige-se aos funcionários ou agentes públicos, que agem por ordem da lei, não ficando, entretanto, excluído o particular que exerce qualquer função pública, como o perito, o mesário da Justiça eleitoral, os jurados do Tribunal do Júri, dentre outros.



CO-AUTORES E PARTÍCIPES.

A excludente se comunica aos co-autores e partícipes, pois não se pode reconhecer a licitude do fato para um e não para outro. No entanto, a comunicação não será possível se o agente não conhecer a situação justificante.



CRIME CULPOSO.

O crime culposo não admite o estrito cumprimento do dever legal, uma vez que a lei não obriga ninguém a ser imprudente, negligente ou imperito, podendo, entretanto, vislumbrar-se uma hipótese em que a excludente mostra-se possível.

O exemplo é dado por Mirabete. Um motorista de ambulância dirige velozmente e causa lesão a bem jurídico alheio para conduzir um paciente em risco de vida para o hospital. O mesmo podemos aplicar aos bombeiros.



CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO JUSTIFICANTE.

Como já colocamos outrora, para que existam as excludentes, é necessário que o sujeito saiba que está praticando um face acobertado por uma causa de exclusão de ilicitude. Trata-se do elemento subjetivo da justificadora.






EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO.

Fundamento.

Permite-se haja alguém no exercício regular de um direito, uma vez que o exercício de um direito nunca poderá ser considerado antijurídico.


Conceito.

Trata-se de causa de exclusão da ilicitude, consistente no exercício de prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico, caracterizada como fato típico.


Alcance.

Em verdade, qualquer pessoa pode exercitar um direito subjetivo ou uma faculdade, previstos em lei, seja ela penal ou não. Afinal, a Constituição Federal, em seu artigo 5° , II, deixa claro que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei.

Assim, considera-se lícita a conduta se autorizada pelo ordenamento jurídico, como no caso da prisão em flagrante efetuada por um particular.

Nosso Código Penal, também, traz casos de exercício regular de direito, como a coação para evitar suicídio ou para a prática de intervenção cirúrgica (art.146, parágrafo 3° ) e a imunidade judiciária (art.142, II).



EXPRESSÃO "DIREITO".

Essa expressão é empregada em sentido amplo. Abrange todas as formas de direito subjetivo, seja ele penal ou não, sendo, ainda, fontes de direito subjetivo os regulamentos, as provisões internas de associações autorizadas legalmente a funcionar, as portarias, instruções e até mesmo o costume (caso do trote acadêmico).



CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO JUSTIFICANTE.

Novamente, exige-se que o sujeito saiba que está agindo em exercício regular de direito, caso contrário, não haverá tal excludente. É esse elemento subjetivo que diferencia a conduta corretiva praticada pelo pai das vias de fato, injúria real ou até lesões.



Jurisprudência sobre o tema.

"Exercício regular de direito - Excludente incompatível com o homicídio - Inteligência do art.23, III, do CP.

Ementa oficial: A excludente do exercício regular de direito, prevista no art.23, III, do CP, submetida à votação dos jurados, é inteiramente inaplicável no crime de homicídio. Inexiste no Direito Penal, ou em qualquer outro ramo da ciência jurídica, a prerrogativa cujo exercício importe na faculdade de matar."(RT-736/676)




INTERVENÇÕES MÉDICAS E CIRÚRGICAS.

Muitas vezes, as intervenções médicas e cirúrgicas constituem exercício regular do direito. No entanto, para que incida tal excludente, mostra-se necessário o consentimento do paciente ou de seu representante legal. Caso não haja tal consentimento, pode caracterizar-se estado de necessidade em favor de terceiro (art.146, parágrafo 3° , I, do CP)

Entretanto, tal excludente não exclue os crimes quando houver imprudência, negligência ou imperícia, caso em que o agente responderá pelo delito culposo, se não estiver caracterizado erro profissional. É o caso do médico que ministra drogas contra-indicadas para pacientes com histórico de sensibilidade.

Mas imagine que um particular, em razão da urgência, realize a intervenção cirúrgica. Nesse caso, estaremos diante de caso de estado de necessidade, uma vez que o exercício regular do direito pressupõe sempre profissional habilitado, que possa desempenhar aquela atividade.



VIOLÊNCIA DESPORTIVA.

Trata-se de exercício regular de direito, se preenchidos os seguintes requisitos:

1) que a agressão se dê nos limites do esporte ou de seus desdobramentos previsíveis.

2) que haja o consentimento prévio do ofendido, que deve saber dos riscos inerentes ao esporte.

3) que haja a regulamentação legal desse esporte.

4) que o esporte não seja contrário aos bons costumes.



Desde que preenchidos todos esses requisitos, somente haverá crime quando ocorrer excesso, ou desobediência intencional às regras desportivas que causem lesões.



OFENDÍCULOS.

Os ofendículos são aparatos que podem ser facilmente percebidos e que se destinam à defesa da propriedade ou qualquer outro bem jurídico. É o caso de lanças, telas elétricas, cães ferozes etc..

A sua utilização tem sido considerada exercício regular do direito de defesa da propriedade, uma vez que a lei possibilita até mesmo o desforço físico para a sua proteção.

Damásio, no entanto, entende que, no caso, estaríamos diante de uma legítima defesa preordenada, já que esses aparatos, mesmo montados antecipadamente, somente entram em funcionamento quando há uma agressão.

De qualquer forma, podemos afirmar que trata-se de causa de exclusão da ilicitude.




DEFESA MECÂNICA PREDISPOSTA.

Nesse caso, estamos diante de aparatos ocultos, que se destinam, também, à defesa dos bens jurídicos. Em razão da dificuldade que a pessoa tem de visualizá-los, o sujeito geralmente responderá pelo excesso, seja ele doloso ou culposo.

Imagine, por exemplo, que eu instale em minha piscina um sistema de eletrocussão, para impedir que as crianças da vizinha pulem o muro e invadam o meu espaço. Se alguém morrer eletrocutado, eu serei responsabilizada, dolosamente.

Agora, imagine que alguém instale um dispositivo ligando a maçaneta da porta ao gatilho de uma arma, para proteger-se de ladrões. Entretanto, vem a matar a própria filha. Trata-se de infração culposa (provavelmente ocorrerá o perdão judicial).


CONSENTIMENTO DO OFENDIDO.

O consentimento do ofendido pode exercer diversas funções, dependendo do crime praticado, assim como de suas elementares.



Imagine, por exemplo, que alguém consinta no seu próprio assassinato. O consentimento, nesse caso, não trará qualquer conseqüência, devendo o sujeito responder pelo crime. Isso ocorre porque, na hipótese, o bem (vida) é indisponível, não podendo ninguém dispor da própria vida.





CONSENTIMENTO COMO CAUSA DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE.

Outras vezes, entretanto, o consentimento poderá funcionar como uma causa de exclusão da tipicidade. Isso ocorre quando o consentimento ou o dissentimento for uma exigência expressa do tipo, exigida, assim, para que o próprio crime possa existir.

Por exemplo: no crime de furto, exige-se que a coisa seja retirada contra a vontade do proprietário ou possuidor. Se esses consentirem na retirada do objeto, o fato será atípico, sendo, pois, o consentimento causa geradora de atipicidade.

Já, nos crimes de rapto ou de sedução, ocorre o contrário, pois é exigida a aquiescência como elementar do tipo. Se não houver a aceitação, configura-se crime mais grave (estupro ou atentado violento ao pudor), ocorrendo, pois, o fenômeno da atipicidade relativa.



CONSENTIMENTO COMO CAUSA DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE.

Quando o consentimento ou o dissenso não forem elementares do tipo, funcionarão como causa de justificação, desde que preenchidos alguns requisitos legais, sejam eles: 1) disponibilidade do bem, 2) capacidade jurídica e mental para dispor desse bem, 3) que o bem jurídico seja da pessoa que consente, 4) que o consentimento seja livre e consciente, 5) que o agente pratique exatamente o fato típico previsto em lei e consentido pela vítima.



CONSENTIMENTO E OPERAÇÕES CIRÚRGICAS.

Em situações de emergência, ou nas hipóteses de caso fortuito ou força maior (vítima inconsciente ou sem condições de consentir), dispensa-se o consentimento do paciente.

Trata-se de causa de exclusão da ilicitude, uma vez caracterizado o exercício regular de direito de exercer a profissão. Esse também resta configurado, nos casos em que há a amputação de membro grangrenado (necessário para salvar a vida do paciente) ou aborto necessário, previsto no art.128, I, do CP.

CONSENTIMENTO COMO CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA.

O consentimento, no crime de rapto consensual, além de ser elementar do tipo (art.220), também funciona como causa especial de redução de pena, respondendo o sujeito por pena de detenção.



CONSENTIMENTO DA VÍTIMA NOS DELITOS CULPOSOS.

O consentimento, nos crimes culposos, pode ser considerado eficaz, desde que a vítima seja cientificada do perigo a que se expõe e o assuma.

Assim, se um de nós resolver escalar uma montanha, mesmo sabendo dos riscos de desmoronamento, não poderá reclamar da imprudência dos alpinistas que o colocaram em situação perigosa. Entretanto, esses estarão na posição de garantidores, devendo prestar socorro se isso se mostrar necessário (dever jurídico previsto no artigo 13 do CP).





CONSENTIMENTO COMO CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.

O consentimento pode, ainda acarretar a extinção da punibilidade, em razão da decadência, renúncia, perdão do ofendido, perempção, dentre outros. Isso ocorre nos crimes de ação privada ou pública condicionada à representação, sendo irrelevante o fato de o bem ser ou não disponível, porque o ofendido pode ou não dar início à ação.